O valor probatório do inquérito policial

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Resumo: O presente artigo se dilata acerca do inquérito policial e, através da análise de suas características, princípios norteadores e decisões jurisprudenciais, se almeja uma conclusão sobre seu valor probatório diante do processo penal. Para tanto, traz-se linhas gerais sobre seu conceito, finalidade, natureza jurídica, características principais que o norteiam, além da instrução probatória, fazendo-se uma importante ressalva sobre as provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas. Explana-se sobre o valor probatório do inquérito policial, fazendo-se uma abordagem acerca dos princípios do contraditório e da ampla defesa, cuja ausência, em tese, traz consigo a cerne da controvérsia em questão. Ademais, aborda-se sobre as garantias constitucionais inseridas no contexto pré-processual penal, para então examinar a questão do valor probatório atribuído ao inquérito policial, propriamente dito, sobretudo após a alteração do artigo 155 do CPP advindo da edição da Lei nº 11.690/2008.

Palavras-chave: Inquérito Policial. Valor Probatório.

Abstract: This article expands on the police investigation, and through analysis of its characteristics, guiding principles and jurisprudence, it aims to a conclusion about its probative value before the criminal proceedings. It brings up general guidelines on the as the concept, purpose, legal nature, main characteristics that guide, as well as , it develops on the production of evidence gathered in the pre-trial phase, becoming an important caveat for the unrepeatable, precautionary, and anticipated evidence. It outlines on the probative value of the police investigation, making an approach on the principles of the contradictory and ample defense, whose absence, in theory, brings the heart of the controversy in question. Furthermore, it discusses the constitutional guarantees within the pre-criminal procedure context, to then examine the issue of probative value attributed to the police investigation itself, especially after the amendment of Article 155 of the CPP originated from the enactment of Law nº 11.690/2008.

Keywords: Police Inquiry. Probative Value.

Sumário: Introdução; 1- Do inquérito Policial; 1.2- Conceito e Finalidade; 1.3 – Natureza Jurídica; 2- Instrução: As Provas Obtidas no Inquérito Policial; 2.1- Instrução Probatória; 2.2- Provas Irrepetíveis, Cautelares e Antecipadas; 3- O Valor Probatório do Inquérito Policial; 3.1- Contraditório; 3.1.1- Considerações Iniciais: O Sistema Penal Brasileiro; 3.1.2- O Princípio do Contraditório; 3.2- O Princípio da Ampla Defesa; 3.3- As Garantias Constitucionais na Fase Inquisitorial; 3.3.1- Direito de Defesa; 3.4- Valor Probatório do Inquérito Policial Após a Alteração do Art. 155 do CPP pela Lei n. 11.690/2008; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Versa o presente artigo sobre o inquérito policial, tendo por objeto o estudo do valor probandi que possui diante do processo penal, sobretudo após a alteração legislativa sofrida no artigo 155 do Código de Processo Penal com a edição da Lei nº 11.690/2008.

Pretende-se, ao longo dessa pesquisa, compreender conteúdos e princípios, mormente os dispostos no Código de Processo Penal e Constituição Federal, de forma a demonstrar a possibilidade de valorar a prova produzida na fase inquisitorial, dando-lhe caráter fundamentador no que tange ao momento do Jus Puniendi estatal.

A Escolha do referido tema justifica-se pela celeuma criada no que se refere ao valor probatório no inquérito policial para o processo penal, já que a doutrina é bastante controversa sobre este aspecto, não havendo conciso posicionamento, uma vez que parte da doutrina não reconhece seu valor probatório, aduzindo se tratar de peça meramente informativa, inobstante haja também entendimento de que possua valor probatório. Isso acontece porque, em suma, a doutrina contrária ao posicionamento de se reconhecer o valor probatório do inquérito argumenta a ausência de contraditório e ampla defesa nessa fase procedimental, o que impediria sua utilização em fase processual.

Para tanto, inicia-se tratando sobre os aspectos gerais do inquérito policial, fazendo-se uma breve análise sobre o seu conceito, finalidade, natureza jurídica e características.

Posteriormente, é feita uma análise sobre a instrução probatória realizada em fase inquisitorial, segundo o disposto nos artigos 6º e 7º do Código de Processo Penal, salientando-se que não se trata de um rol taxativo.

Por fim, tratar-se-á, especificamente, sobre o valor probatório do inquérito policial, partindo-se da explanação sobre os princípios da ampla defesa e do contraditório, os quais, resultantes do Sistema Processual Penal adotado no Brasil, em tese, ausentam-se do modelo do inquérito policial adotado, o que põe em dúvida o seu valor probatório. Falar-se-á, ainda, sobre garantias constitucionais presentes nesta fase, bem como posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais que acabaram por resultar na alteração legislativa do 2008, que trouxe as figuras das provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas, modificando e firmando o entendimento sobre o valor probatório do inquérito policial após a referida alteração.

Para o presente artigo foi levantada a seguinte hipótese: com a alteração legislativa realizada após a edição da lei 11.690/2008, que trouxe taxativamente as hipóteses de possibilidade de utilização de provas colhidas em fase inquisitorial, deve-se admitir que o inquérito policial possui valor probatório mediante o cenário processual, podendo servir de fundamentação para o livre convencimento do magistrado, malgrado haja possível violação aos direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa.

1 –  DO INQUÉRITO POLICIAL

1.1. Conceito e finalidade

O termo inquérito tem sua origem terminológica no verbo inquirir, indagar, ou seja, de forma simplória, possui um significado muito próximo com o conceito atual de inquérito policial, o qual pode ser entendido, basicamente, como o ato de averiguar os fatos jurídicos, como ocorreram e quais são seus autores

A partir do momento em que um delito é praticado e denunciado através de Ação Penal, surge a necessidade de o Estado, enquanto detentor do “jus puniende”, apurar o fato para cumprir o seu poder-dever de punir o indivíduo.

Entretanto, para que haja essa punição, há duas etapas a serem percorridas: primeiramente ocorre a persecutio criminis administrativa, onde, na maioria dos casos, através do inquérito policial, são apurados elementos mínimos que viabilizem a propositura da ação penal; e, posteriormente, a persecutio criminis judiciária, onde essa ação penal será analisada, desaguando na decisão se haverá ou não punição.

Neste cenário é que surge a importância do Inquérito Policial, no momento em que permite, ainda que minimamente, a viabilização, através da colheita de elementos, uma convicção ao titular da Ação Penal para promover o seu oferecimento da peça acusatória, quando portados de indícios de autoria e materialidade do delito. Estes elementos são colhidos através da apuração da infração penal, onde se busca esclarecimentos através do conjunto de informações acerca do possível fato criminoso. Ou seja, o objetivo, em suma, é a apuração, ainda que mínima, da existência da infração penal e sua respectiva autoria, posto que, preconiza o art. 395, inciso III, do CPP a necessidade deste lastro probatório mínimo para que a ação penal temerária não seja rejeitada pelo juízo.

Nesta esteira, entende Fernando Tourinho Filho:

“O que não se compreende, na sistemática processual penal brasileira, é a propositura de ação penal sem o indispensável suporte fático. Estando em jogo a liberdade individual, será rematada violência a instauração de processo-crime contra alguém sem que a peça acusatória esteja amparada, arrimada em elementos sérios, indicando ter havido a infração e que o acusado foi o seu autor”. (TOURINHO FILHO, 2011, p. 251)

Corrobora, ainda, Guilherme de Souza Nucci:

“Esse mecanismo auxilia a Justiça Criminal a preservar inocentes de acusações injustas e temerárias, garantindo um juízo inaugural de deliberação, inclusive para verificar se se trata de fato definido como crime”. (NUCCI, 2008, p. 144)

Ressalte-se que, embora de suma importância para a persecutio criminis e que, ainda que tenha como destinatário o Ministério Público, em caso de Ação Penal Pública, ou o ofendido, em sendo Ação Penal Privada, não se trata de condição necessária para o exercício da Ação Penal, pois, de acordo com os artigos 12; 27; 39, parágrafo 5º; e 46, parágrafo primeiro, todos do Código de Processo Penal, o Ministério Público pode intentar tal Ação sem o referido procedimento, o qual pode, ainda, ser substituído por outras peças informativas, contanto que suficientes para alicerçar a acusação.

Impende destacar, ainda, que o inquérito policial possui características próprias que o diferencia dos demais procedimentos, quais sejam: é inquisitorial, formal, discricionário, sigiloso, indisponível, unidirecional; e atende aos requisitos da oficialidade e oficiosidade.

1.2. NATUREZA JURÍDICA

O inquérito policial é um procedimento administrativo, sendo, a priori, de caráter informativo, preparatório da ação penal.

Sendo procedimento administrativo, portanto, um conjunto de atos administrativos, possui o atributo da presunção de veracidade e de legitimidade, desde que emane de uma autoridade que igualmente o seja. Segundo Dirley da Cunha Júnior,

“(…) em face [dessa presunção] os atos administrativos, até prova em contrário, presumem-se em conformidade com o sistema normativo. É uma presunção relativa ou iuris tantum que milita em favor da legitimidade ou legalidade dos atos administrativos. Contudo, por não ser absoluta, admite contestação, tanto perante a Administração Pública quanto perante o Judiciário”. (JUNIOR, 2009, p. 103)

Exemplificando o exposto, Paulo Rangel afirma que:

“Assim, o exame de corpo de delito, prova dita não-renovável, é realizado nos estritos limites dos arts. 158 e seguintes do CPP (princípio da legalidade) e, portanto, até que se prove o contrário, é presumido legítimo, pois elaborado por agente público (perito criminal) investido das atribuições legais inerentes ao cargo”. (RANGEL, 2010, p. 79)

Sobre esse aspecto, explica Carvalho Filho que os atos administrativos devem carregar em si a presunção de legitimidade, pois nascidas em conformidade com as normas legais. Acrescenta, ainda, que essa característica “não depende de lei expressa, mas deflui da própria natureza do ato administrativo, como ato emanado de agente integrante da estrutura do Estado.” (FILHO, C., 2012, p. 120). Este fundamente se depreende principalmente do fato de que se esses atos emanam de agentes do Poder Público, e a eles compete proteger o interesse público, é inconcebível admitir que não fossem encobertos pela aura da legitimidade, “permitindo-se que a todo momento sofressem algum entrave oposto por pessoas de interesses contrários. Por esse motivo é que se há de supor que presumivelmente estão em conformidade com a lei” (FILHO,  C.,2012, p. 120)

Ademais, por se tratar não de processo, mas sim de procedimento, onde há mera investigação dos fatos, não incide a regra constitucional do Princípio do Contraditório, sendo, dessa forma, um procedimento inquisitivo. Ainda sob tal égide, há de se esclarecer que não se assegura o direito dessa intervenção do investigado nesta fase, também pela razão de que não seria razoável obrigar ao indiciado o auxílio para colheita de provas, as quais posteriormente pudessem acusá-lo, fazendo-se referência ainda ao princípio constitucional de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.

2 – Instrução: As Provas Obtidas no Inquérito Policial

2.1. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA

O inquérito policial é um procedimento administrativo que tem como finalidade precípua a investigação do fato criminoso, sendo realizados alguns atos em busca da verdade real.

Com efeito, para que seja eficaz a investigação realizada, é preciso que haja uma satisfatória colheita de provas, podendo ser este ato considerado como a instrução realizada em fase inquisitorial.

As hipóteses de provas a colhidas nesta fase estão dispostas nos artigos 6º e 7º do Código de Processo Penal, ressaltando que não se trata de um rol taxativo, podendo a autoridade policial realizar outras diligências que entender necessárias para a melhor elucidação dos fatos, em virtude da discricionariedade a ele conferida.

Desse modo, dispõe o artigo 6º do CPP que assim que a autoridade policial tiver conhecimento da prática da infração, deverá tomar algumas providências imediatas, para que, em certos casos, não sejam alterados o estado e a conservação das coisas no cenário do delito cometido. Tourinho Filho entende que:

“Proibindo a alteração do estado e conservação das coisas, até terminarem os exames e perícias, a Autoridade Policial visa, com tal atitude, impedir a possibilidade de desaparecerem certos elementos que possam esclarecer o fato e até mesmo determinar quem tenha sido o seu autor”. (TOURINHO FILHO, 2011, p. 292)

Por tais motivos, é importante que haja um estudo minucioso dos atos efetuados na instrução realizada em fase inquisitorial. Mesmo porque, as provas colhidas nesta fase, em razão de eventualmente não haver possibilidade de repetição em momento posterior, e já que obedecendo, em sua maioria, aos procedimentos exigidos para colheita de provas em fase judicial, poderão ser utilizadas em decisões do juízo.

2.2. PROVAS IRREPETÍVEIS, CAUTELARES E ANTECIPADAS

As provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas são aquelas produzidas em caráter de urgência, em fase pré-processual, ou até mesmo durante o processo, de forma a garantir que não se perca até a fase de julgamento pelo magistrado, de modo a se utilizar dessa para seu convencimento. Em razão de sua utilização prática e reiterada no processo penal, de forte entendimento doutrinário e de vastas decisões jurisprudenciais, buscando garantir a imperecibilidade de uma prova, é que, após a edição da Lei 11.690/2008, o artigo 155 do CPP previu taxativamente a possibilidade de realização e utilização dessas provas pelo magistrado para praticar atos decisórios e sentenciar.

Provas irrepetíveis são aquelas que, como o nome sugere, não poderão ser repetidas em momento posterior, vez que seu colhimento possui caráter definitivo Isto é, não há possibilidade de haver novo colhimento da prova ou nova produção, em razão do desaparecimento, destruição ou perecimento da fonte probatória. Pacheco cita como exemplo o “reconhecimento de pessoa, cuja pessoa que reconheceu desapareceu ou faleceu” (PACHECO, 2010, p. 719). Márcio Pereira exemplifica também no caso de “o exame de corpo de delito dobre um crime de estupro. Caso esse exame não seja realizado na fase pericial, é quase certo que o vestígio da infração (materialidade) desaparecerá.” (PEREIRA, 2001, p. 79). Neste caso, acrescenta o autor que os peritos oficiais possuem fé pública e que os documentos públicos, mesmo apresentados por cópias não autenticadas, gozam de presunção de veracidade, podendo ser invalidáveis por via de incidente de validade, razão pela qual, essas provas irrepetíveis devem usufruir da presunção de veracidade e legitimidade, ainda que não de forma absoluta, como todo ato administrativo.

Prova antecipada é aquela produzida em juízo, sob o crivo do Contraditório e da Ampla Defesa, antes do momento da instrução criminal, como medida cautelar preparatória para o processo penal, tomando como critério a necessidade, adequação e proporcionalidade. Neste caso, esse tipo de produção probatória poderá ocorrer na fase investigativa, ou seja, durante a realização do inquérito policial, ou mesmo durante o processo penal latu sensu. Segundo Pacheco “a prova antecipada é produzida sob Contraditório e a Ampla Defesa, sua produção exige fundamento cautelar e ela já é prova do processo penal stricto sensu.” (PACHECO, 2010, p. 718)

Aliás, traz o Código de Processo Penal uma forma de produção antecipada de prova, em seu artigo 225, sendo o caso de antecipação de depoimento testemunhal, em razão de enfermidade ou velhice da testemunha. Neste sentindo, o que se leva em consideração é que a testemunha, por moléstia ou outro impedimento, não possa comparecer no momento processual adequado. Por tal razão, não é proporcional se permitir a perda da prova, que pode ser crucial e de extrema importância para a elucidação dos fatos. Hassan, completa afirmando que:

“A natureza cautelar dessa inquirição preventiva não pode ser posta em dúvida, uma vez que com ela se antecipa o momento normal da produção testemunhal, correspondendo a uma instrução preventiva no curso da causa”. (CHOUKR, 2009, p. 597)

Acrescenta, ainda, o referido autor que “apenas na oportunidade processual adequada é que se vai discutir a prova pelas partes e será feita a apreciação pelo juiz. Daí explicar que, nesse caso, existe apreensão antecipada da prova, mas não o debate antecipado” (CHOUKR, 2009, p. 597)

Prova cautelar, por sua vez, é a realização de colhimento probatória de forma prematura à instrução jurisdicional. É dizer que esta prova pode não ser produzida em juízo, sob contraditório, tampouco ser necessariamente prova utilizada no processo penal stricto sensu, mas, de necessária colheita, sob pena de perecimento. Dá-se como exemplo “a busca e apreensão não domiciliar de coisa, na fase de inquérito policial, para preservá-la, possibilitando futuros exames, não é produzida em juízo, sob contraditório, ou seja, não é prova tecnicamente processual” (PACHECO, 2010, p. 718 e 719). Neste exemplo, a coisa poderá futuramente ser periciada ou não, poderá servir como prova ou não, mas necessário se faz que a busca sob a coisa seja realizada de forma cautelar.

Dessa forma, pode-se concluir que uma prova antecipada é uma prova cautelar, mas nem toda prova cautelar, é, tecnicamente, uma prova antecipada, já que esta é realizada sob o crivo do Contraditório e da Ampla Defesa.

Há de se esclarecer, ademais, que para a realização desse tipo de colheita de provas, é imprescindível que sejam observados os limites legais e constitucionais, sobretudos, no que tange aos direitos e garantias individuais previstos constitucionalmente. Neste caso, os atos praticados somente poderão o ser mediante autorização judicial, “exercitando-se, portanto, uma verdadeira atividade jurisdicional antes mesmo do início do processo.” (MENDRONI, 2010, p. 44). Assim, sempre a necessidade de colheita de determinada prova de forma cautelar na investigação se deparar com os referidos direitos, tal interferência deverá ser “precedida de ordem judicial” (MENDRONI, 2010, p. 44), que, no exemplo citado acima, seria o caso de  mandado de busca e apreensão.

Impende destacar que, tanto as provas irrepetíveis quanto as cautelares, na fase do processo, devem se submeter ao Contraditório diferido ou postergado.

3 –  O Valor Probatório do Inquérito Policial

3.1. Contraditório

3.1.1. Considerações Iniciais: O Sistema Penal Brasileiro

Ab initio, para que se fale em Contraditório, necessário se faz que sejam tecidas algumas considerações no que tange ao sistema penal adotado no Brasil.

São três os tipos de Processo Penal (ou Sistema Penal), os quais se caracterizam de acordo com os princípios que o informam, dentre eles o do Contraditório e da Ampla Defesa, e o momento em que são ou não utilizados, são eles: o inquisitivo, acusatório e misto.

O sistema inquisitivo foi amplamente utilizado na Idade Média, por influência da Igreja, dominando quase toda a Europa Continental. Por este tipo de Sistema, entende-se aquele em que não há Contraditório, nem publicidade dos atos, não havendo sequer igualdade e liberdade processuais. As funções de acusar, julgar e defender são concentradas na figura de uma só pessoa: o juiz. É este, portanto, que inicia o processo, realiza o colhimento de provas e, no final, profere decisão. Nenhuma garantia é oferecida ao acusado, sendo este objeto do processo e não sujeito de direitos, embasando-se no pretenso interesse coletivo de ver o acusado ser punido.

De forma completamente aposta ao sistema acima exposto, há o sistema acusatório, aquele utilizado no período republicano em Roma, mas presente em muitas legislações ainda vigentes, estando inserida a publicidade do processo, liberdade de acusação; reconhecimento de direitos ao ofendido e a qualquer cidadão; o Contraditório, como garantia político-jurídica do cidadão, predominando a liberdade de defesa, a isonomia entre as partes no processo e o livre sistema de produção de provas.

Segundo Tourinho Filho, trata-se do sistema adotado no Brasil, embora não se trate do processo acusatório ortodoxo puro, mas sim um “sistema acusatório com laivos de inquisitivo, tanto são os poderes conferidos àqueles cuja função é julgar com imparcialidade a lide, mantendo-se eqüidistante das partes” (TOURINHO FILHO, 2011, p. 124).

Acrescenta, ainda, Nestor Távora, ser esse o sistema adotado no Brasil

“…de acordo com o modelo plasmado na Constituição Federal de 1988. Com efeito, ao estabelecer como função privativa do Ministério Público a promoção da ação penal (art. 129, O, CF/88), a Carta Magna deixou nítida a preferência por esse modelo que tem como características fundamentais a separação entre as funções de acusar, defender e julgar, conferidas a personagens distintos”. (TÁVORA; ALENCAR, 2012, p. 41)

 Nele, as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas distintas, o processo pode ser oral ou escrito e a iniciativa processual cabe à parte acusadora, que poderá ser o ofendido ou seu representante legal, qualquer cidadão do povo ou órgão do Estado.  Neste caso, inobstante o particular possa, excepcionalmente, acusar (ação penal privada), o ideal é atribuir a função persecutória ao Ministério Público, como a personificação da lei e representante da sociedade.

No que tange ao inquérito policial, este não descaracterizaria o referido sistema, vez que se trata de fase pré-processual, devendo haver a ressalva de que

“…essa regra de ser o inquérito puramente inquisitivo deve ser aplicada com cautela, máxime quando se está diante de produção de prova que não seja passível de repetição em juízo. (…) Deveras, em casos como tais, impende que a autoridade policial, mediante ato fundamentado, assegure a participação do indiciado – quando possível – na produção probatória, conferindo efetividade a direitos fundamentais constitucionais no âmbito do inquérito policial”. (TÁVORA; ALENCAR, 2012, p. 42)

Por fim, abrangendo os dois sistemas acima expostos, há o sistema misto, caracterizando-se por uma instrução preliminar, secreta e escrita, a cargo do juiz, com o fito de colher provas, e por uma fase contraditória (judicial) em que se dá o julgamento, sendo, tão-somente neste momento, permitido o direito de Ampla Defesa e Contraditório e demais princípios constitucionais.

Sendo assim, levando em consideração que no Brasil é adotado o sistema acusatório, o aspecto principal que aqui se discute é a necessidade da realização de contraditório nos processos criminais, não só por se tratar de uma garantia constitucional, mas por ser considerada característica essencial ao sistema adotado.

3.1.2 O Princípio do Contraditório

Preconizado pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, LV, no título de Direitos e Garantias Fundamentais, o Contraditório é um princípio intimamente ligado ao princípio do devido processo legal, ou seja, trata-se de uma garantia processual, sendo chamado pela doutrina por binômio ciência e participação.

Isso quer dizer que, num processo, seja administrativo ou judiciário, cabe à parte acusada, isto é, a pessoa contra a qual se propõe a ação, o direito de contraditar e se defender daquilo que foi dito contra si pela parte adversa. Neste caso, por conta deste princípio, é que se impõe a condição dialética processual (par conditio), ou seja, todo ato exposto pela parte acusatória, caberá igual direito da defesa de opor-se, apresentando ao juiz suas contra-razões àquela versão apresentada, com o fito de influir no convencimento deste. Acrescenta Marcelo Alexandrino que “o Contraditório assegura também, a igualdade das partes no processo, pois equipara, no feito, o direito da acusação com o direito de defesa.” (ALEXANDRINO, 2008, 165)

Assim, em razão da garantia do Contraditório, não é permitido que uma parte fique sem ciência dos atos da parte contrária, sem que haja a possibilidade de contrariá-los.

Em verdade, o contraditório, num sentindo mais ampliado, abrange a garantia de influir no processo, independente do pólo na relação processual em que se encontre. Neste sentido, acrescenta Antônio Fernandes que:

“Deve-se, por isso, entender que a Constituição, ao consagrar o contraditório no art. 5º, LV, garante-se no processo criminal a ambas as partes, não somente ao acusado, mas também ao Ministério Público.” (FERNANDES, 2010, p. 61).

Ainda sob a égide do entendimento do referido autor no que tange ao processo penal e a garantia constitucional, não basta a existência de um contraditório, há de sê-lo pleno e efetivo. Por pleno, entende a observância dessa garantia durante todo o desenrolar da causa, até o seu encerramento. Por efetivo, acredita que não basta dar à parte contrária a possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, mas deve ser dada condições reais de contrariá-los.

Há que se falar, ainda, na figura do Contraditório diferido ou postergado, sendo este realizado nos casos de

“…medidas cautelares reais, a exemplo do seqüestro de bens imóveis, previsto no artigo 125, CPP e da interceptação das comunicações telefônicas (Lei nº 9.296/96). Quanto às medidas cautelares de natureza pessoal, imprescindível registrar que a Lei nº 12.403/11, alterando o Código de Processo Penal, previu contraditório como regra, de modo que a parte contrária somente deixará de ser intimada em “casos de urgência ou perigo de ineficácia da medida.” (art. 282, parágrafo 3º, CPP”). (TÁVORA; ALENCAR, 2012, p. 59).

 Trata-se, em suma, da possibilidade de pronunciação ulterior ao ato realizado, nos casos determinados em lei. Assim, com a existência do Contraditório diferido, ela, por exemplo, valida “a prova pericial realizada na fase do inquérito policial, por determinação da autoridade policial, desde que, em juízo, possa ser impugnada e, se estiver errada, possa ser refeita” (FERNANDES, 2010, p. 64).

Acresça-se, ainda, que se não existirem o periculum in mora e o fumus boni iuris para a realização de colhimento de prova cautelar em fase indiciária, e a conseqüente possibilidade de controle diferido, a prova deve, via de regra, ser realizada na fase processual, mediante contraditório prévio e com participação do magistrado.

Importa salientar que, segundo entendimento majoritário da doutrina, não é exigível o direito de Contraditório em sede de inquérito policial. Segundo dispõe entendimento de Tourinho Filho não se concebe “a permissão do contraditório naquela fase informativa que antecede à instauração do processo criminal, pois não há ali nenhuma acusação. (…) A autoridade policial não acusa; investiga.” (TOURINHO FILHO, 2011, p. 76).  Aliás, caso houvesse a regra do contraditório, a Polícia certamente encontraria obstáculos maiores na colheita de provas, por razões óbvias, o que restaria certamente em questão prejudicial para o sistema penal e o processo criminal.

Sendo assim, exsurge a cerne da questão no que se refere ao valor probatório do inquérito policial para embasamento de sentença, visto que sua formação não é realizada sob o crivo do Contraditório e da Ampla Defesa.

Todavia, muito bem salienta Pedro Lenza que:

“Ocorre, todavia, que muito embora não se fale na incidência do princípio durante o inquérito policial, é possível visualizar alguns atos típicos de contraditório, os quais não afetam a natureza inquisitiva do procedimento. Por exemplo, o interrogatório policial e a nota de culpa durante a lavratura do auto de prisão em flagrante”. (LENZA, 2011, p. 923)

Nesta esteira é que parte da doutrina defende a necessidade da existência do Contraditório na fase inquisitorial, pois, segundo aduzem, dentre outros aspectos, na atualidade, se o inquérito policial, no caso prático, serve de embasamento probatório para sentenciar, razoável seria que fosse realizado sob o crivo do contraditório, embora devesse haver algumas restrições para tanto.

Nos casos, por exemplo, da necessidade de colhimento de provas de forma cautelar, ante o perigo de que haja dispersão dos elementos probatórios em relação aos fatos transeuntes, há uma tendência em se exigir, para sua realização, que sejam determinadas por autoridade judicial. Todavia, argúi Antonio Scarance que:

“Essas medidas e as perícias são, em regra, determinadas durante a investigação sem audiência do suspeito ou indiciado e sem participação de advogado. A observância do contraditório é feito depois, dando-se oportunidade ao acusado de, no processo, contestar a providência restritiva ou de combater a prova pericial realizada no inquérito. Fala-se em contraditório diferido ou postergado.” (FERNANDES, 2010, p. 63)

Portanto, é possível vislumbrar que nos casos de provas cautelares, não repetíveis e antecipadas o contraditório tem possibilidade de existir em sua forma diferida, não havendo necessariamente que preceder de autorização judicial para que sua realização tenha validade no processo, podendo, inclusive alicerçar o convencimento do juiz, de acordo com o artigo 155 do CPP. Acrescenta Antônio Scarance Fernandes que

“por isso, o citado artigo, foi esclarecido, que a limitação da convicção ao contraditório judicial, não significa supressão à análise do juiz de todos os elementos obtidos na investigação. O que, conforme consta do dispositivo, não se admite, é fundar-se a sentença exclusivamente nesses elementos”. (FERNANDES, 2010, p. 65)

3.2 O princípio da Ampla Defesa

A Ampla Defesa é uma garantia constitucional, prevista no art. 5º, VL da Constituição Federal, significando, em suma, o direito que é dado ao indivíduo de trazer ao processo, seja judicial ou administrativo, todos os elementos de prova licitamente produzidos, com o fito de se defender, provando sua verdade, podendo, inclusive, se omitir ou calar-se se assim entender que for mais conveniente para evitar sua auto-incriminação.

Essa defesa, por sua vez, poderá ser realizada através de defesa técnica, ou seja, através de um profissional habilitado, sendo esta garantia obrigatória no processo penal; ou através de autodefesa, que é aquela realizada pelo próprio imputado. Esta última, por sua vez, segundo a doutrina, poderá ser realizada tanto no que se refere ao direito de audiência, isto é, oportunidade de influir na defesa por intermédio do interrogatório; e no direito de presença, que se compõe da “possibilidade de o réu tomar posição, em todo o momento, sobre o material produzido, sendo-lhe garantida a imediação com o defensor, o juiz e as provas” (TÁVORA; ALENCAR, 2012, p. 60). Predispõe, ainda, o referido artigo, que a Ampla Defesa deve ser exercida com os meios e recursos a ela inerentes.

Como forma de garantir a efetivação do referido princípio, a própria Constituição previu, em seu art. 5º, LXXIV, como sendo dever do Estado “a prestação de assistência jurídica integral a gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, isto porque, se a Ampla Defesa preconiza a necessidade da defesa, àqueles que não possuem recursos financeiros suficientes para contratar um defensor, não poderiam ficar sem.

O Supremo Tribunal Federal editou súmulas coadunando com a necessidade da existência da ampla defesa, com, por exemplo, a Súmula nº 523 afirmando que no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, ressalvando que tal nulidade só ocorrerá se houve prova de prejuízo ao réu. Outrossim, até mesmo o Código de Processo Penal, em seu art. 396, parágrafo 2º,  prevê a necessidade de nomeação de defensor público para oferecimento de resposta à acusação, quando o acusado não apresentá-la no prazo legal.

Como forma de garantir a efetivação da Ampla Defesa, a legislação traz a necessidade de intimação do defensor do réu para a realização de todos os atos processuais, como é o caso do art. 392 do CPP, cuja jurisprudência deu um sentido ampliado ao preconizar pela necessidade de intimação pessoal do acusado, preso ou solto, e também a intimação do seu defensor, pois  “só assim poderia se efetivar, no caso concreto, a autodefesa e a defesa técnica”. (FERNANDES, 2010, p. 267)

No que tange ao momento do inquérito policial, houve importante evolução no sentido de garantir melhor o exercício de defesa. Isto pois, apesar de o art. 20 do CPP afirmar sobre a necessidade de sigilo nas investigações, percebeu-se, numa análise mais moderna, que este sigilo não pode ser oposto ao advogado do suspeito, vedando-se seu acesso aos autos do referido procedimento. Ainda, traz o Estatuto da OAB a garantia de que o advogado pode ter acesso às repartições policiais e o direito de consultar os autos do inquérito.

Nesta esteira, e através de iniciativa da OAB, é que o Supremo Tribunal Federal, em fevereiro de 2009, editou a Súmula Vinculante nº 14, assegurando o acesso do advogado aos elementos obtidos no inquérito policial.

Trata-se de uma importante evolução no que tange aos direitos fundamentais do indiciado, o que coaduna com o artigo 5°, inciso LXIII da Constituição Federal, que garante ao acusado o direito de ser assistido por um advogado, não se incriminar e permanecer calado. Dessa forma, a edição da referida súmula veio trazer um caráter de efetivação ao direito do acusado de ser assistido por um defensor, já que tendo acesso aos autos do inquérito e processo, é possível fiscalizar a legalidade das diligências realizadas, além de viabilizar o manejo de defesa do indiciado.

Neste sentido, insta salientar que em face da ciência dos atos investigativos realizados pela polícia judiciária pelo defensor, qualquer ilegalidade constatada que venha a gerar coação ilegal a direito de liberdade de locomoção, ou quaisquer outros casos em que se constate abuso de poder que venham a violar direito líquido e certo, poderá o indiciado servir-se dos remédios constitucionais, como habeas corpus ou o mandado de segurança, como forma de combatê-los.

Ainda, segundo corrente doutrinária possível violação a essa prerrogativa dada ao advogado do indiciado poderia acarretar anulação do inquérito, por desrespeito ao devido processo legal.

É importante salientar, entretanto, que ao advogado não é conferido o direito absoluto de acesso ao inquérito, podendo a autoridade policial só o permitir mediante algumas ressalvas, quais sejam: que o advogado tenha acesso aos autos no interesse do seu cliente; que os elementos de prova devem se referir ao direito de defesa; e que o acesso restringir-se-á aos elementos de provas já documentadas, como forma de garantir o sigilo e conseqüente andamento da investigação.

Insta pontuar, outrossim, que de acordo com Estatuto da OAB e da Constituição Federal, não é admissível a incomunicabilidade do preso com o defensor, tampouco não se podendo admitir essa incomunicabilidade em estado de normalidade. Tais preceitos buscam dar uma atuação efetiva e concreta ao direito de Ampla Defesa.

3.3 As Garantias Constitucionais na Fase Inquisitorial

Inobstante o inquérito policial seja caracteristicamente inquisitorial, ou seja, realizado sem o condicionamento do Contraditório e, em tese, da Ampla Defesa, é cediço que algumas garantias constitucionais se fazem presente neste momento pré-processual. Isto quer dizer que, nesta fase, o indiciado não deve ser visto tão-somente como objeto de investigação, mas sim, sujeito de direitos, dispondo de garantias legais e constitucionais.

Dessa forma, embora o inquérito policial seja um ato reconhecidamente unilateral, posto que realizado pela polícia judiciária, não é possível admitir que a realização deste seja feito sob a manto de arbitrariedades, devendo-se respeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado. Neste sentido, observa-se decisão do STF:

“HABEAS CORPUS – ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADE EM INQUÉRITO POLICIAL – PRETENDIDO RECONHECIMENTO DE NULIDADE PROCESSUAL – INADMISSIBILIDADE – TARDIA ARGÜIÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA – ALEGADA DEFICIÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA -NÃO-DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO – SÚMULA 523/STF – REEXAME DA MATÉRIA DE FATO EM HABEAS CORPUS – IMPOSSIBILIDADE – PEDIDO INDEFERIDO. INQUÉRITO POLICIAL – UNILATERALIDADE – A SITUAÇÃO JURÍDICA DO INDICIADO . – O inquérito policial, que constitui instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado a subsidiar a atuação persecutória do Ministério Público, que é – enquanto dominus litis – o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária. A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações. O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.” (HC 73271, relator: CELSO DE MELLO, ANO:1996  UF:SP. TURMA: 01,  DJ 04-06-96, p. 60) (grifos nossos)

Nessa esteira, outra medida que se busca com a observância às garantias e direitos individuais do indiciado, é dar idoneidade ao colhimento de provas na fase inquisitorial, posto que se os meios utilizados para angariar elementos forem ilícitos, maculada estará a prova colhida, de forma que deverá ser considerada nula, devendo ser rejeitada.  Defende Marcelo Mendroni que, em verdade, a inidoneidade atinge o caminho percorrido para atingir a obtenção da prova, pois as provas são estáticas, enquanto os meios são dinâmicos. Assim, nulos são os meios utilizados, não se podendo falar da nulidade por ilicitude da prova em si. Acrescenta que:

“O ponto-chave então é se precaver da realização dos meios previstos em Lei, com o rigor exigido pela Lei. Na maioria deles, por estabelecerem situações jurídicas que envolvam alguma espécie de ‘interferência’ aos direitos e garantias individuais  constitucionais do cidadão, a Lei exige que obedeçam formas rígidas e, se assim não ocorrer, poderão ser declarados nulos e seu resultado, ou seja, a prova final obtida, pode ter que acabar sendo descartada dos autos”. (MENDRONI, 2010, p. 51)

Ainda, é importante destacar que, sendo as atribuições concedidas no inquérito policial à polícia judiciária, devem ser operadas num campo de limite estritamente fixado pelo direito, por se tratar de ato discricionário. Caso exorbite essa esfera de legalidade, estar-se-á diante de um ato arbitrário, razão pela qual caberá controle jurisdicional posterior, que poderá ser exercido através de habeas corpus, mandado de segurança e de outros remédios específicos

3.3.1 Direito de Defesa

Trata-se do direito subjetivo do indiciado de ter uma defesa técnica, ou seja, através de um advogado constituído que o acompanhe diante das diligências inquisitoriais; e da autodefesa, que é o direito de permanecer em silêncio, ou de não se auto-incriminar.

No que tange ao primeiro caso, assiste ao indiciado o direito de ter advogado constituído para acompanhar a fase investigativa, inclusive de ser acompanhado por este durante o interrogatório.

Em relação à autodefesa, trata-se do consagrado direito ao silêncio, ou seja, poderá o indiciado permanecer inerte diante das perguntas realizadas na segunda parte do interrogatório, não podendo isto ser interpretado em prejuízo à sua defesa, seja na fase pré-processual ou na processual propriamente dita.  Reforça Luiz Carvalho que a “consagração de um direito ao silêncio é decorrência da proibição de o acusado depor contra si mesmo, insculpido no artigo 8º, nº 2, letra g, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos” (CARVALHO, 2012, p. 169)

Neste sentido, pode-se dizer que, é possível, ainda que minimamente, observar traços do princípio da Ampla Defesa na fase investigativa.  Citado por Vicente Greco Filho, segundo entendimento de Marta Saad

“ …reconhecida a existência de acusação no inquérito policial, entendida esta como sendo atribuição ou afirmação do ato ou fato delituoso a alguém, o corolário imprescindível é o exercício do direito de defesa, aqui compreendido de forma ampla como sendo resistência de modo a permitir a contraposição das acusações, ‘com assistência de advogado, a possibilidade de guardar silêncio e a admissibilidade de produção de provas, indispensáveis à demonstração de sua inocência ou da sua culpabilidade diminuída” (GRECCO FILHO, 2010,  p. 77)

3.4 Valor Probatório do Inquérito Policial Após a Alteração do Art. 155 do CPP pela Lei n. 11.690/2008

O inquérito policial é, em suma, um procedimento administrativo, e possui como objetivo imediato a investigação, que se dá através da instrução probatória, de forma inquisitorial, para apurar o fato delitivo e, em momento posterior, embasar o convencimento do órgão acusatório.

Entretanto, inobstante os referidos objetivos principais do procedimento investigatório, ele pode ser utilizado em muitos casos, de forma mediata, para fundamentar decisões do magistrado, seja durante o processo ou até mesmo na decisão final: a sentença.

Neste caso, não se trata de um desvio de função da peça investigativa, mas, de uma possibilidade buscada pelo sistema processual penal moderno, embora haja grande divergência na doutrina no que tange ao valor probatório que um inquérito policial pode obter na fase processual.

Fauzi Hassan Choukr nos ensina que é possível desmembrar em momentos o inquérito policial, o qual, durante seu transcurso, teria duas ordens de elementos informativos produzidos: uma de cunho perecível e a outra de caráter perene. Assim,

“…a distinção proposta coloca entre as primeiras os elementos informativos cautelares, onde, se encontram, por exemplo, as perícias médicas, os laudos de constatação, os exames periciais em documentos, grafias, local do delito e outros análogos. Do outro lado, encontram-se aqueles informes de investigação que, pela sua característica podem ser repetidos em juízo. Nessa categoria encontram-se, basicamente, as informações subjetivas, ou seja, declarações prestadas por vítimas e testemunhas, estas presenciais ou referenciais aos fatos operados.” (CHOUKR, 2009, p. 308) (grifos nossos)

A cerne da questão está justamente na possibilidade de se utilizar, em virtude da necessidade e proporcionalidade, esses “elementos informativos de cunho perecível”, ou seja, os colhidos em fase investigativa e que não poderão ser repetidos em juízo, ou até mesmo os outros informes da investigação, desde que ratificadas em juízo, como fundamentação em decisões e sentenças, ainda que não exclusivamente embasados nesses, inobstante não terem sido colhidos sob o crivo do contraditório.

Quanto às provas que, quando repetidas em juízo, confirmam o quando colhido no inquérito policial, há de se reconhecer que possuem valor probatório relativo, uma vez que não foram descartadas após seu colhimento, tanto que foram ratificadas em fase posterior, como explica a doutrina que

“…no entanto, tem valor probatório, embora relativo, haja vista que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa. Assim,  a confissão judicial, por exemplo, terá validade como elemento de convicção do juiz apenas se confirmado por outros elementos colhidos durante a instrução processual. Esse entendimento acabou de se tornar letra expressa do art. 155 do CPP, com a redação determinada pela Lei nº 11.690/08” (CAPEZ, 2012, p. 120).

Comprova este entendimento Nestor Távora, ao aduzir que “o inquérito policial tem valor probatório relativo, pois carece de confirmação por outros elementos colhidos durante a instrução processual” (TÁVORA; ALENCAR, 2012, p. 113)

Nesta esteira, há o entendimento jurisprudencial do Tribunal do Rio Grande do Sul:

“LATROCÍNIO. VALOR DA PROVA OBTIDA NO INQUÉRITO POLICIAL. CONFISSÃO POLICIAL. VALOR CONDENATÓRIO. CONDENAÇÃO MANTIDA.

A prova policial só deve ser desprezada, afastada, como elemento válido e aceitável de convicção quando totalmente ausente prova judicial confirmatória ou quando desmentida, contrariada ou nulificada, pelos elementos probatórios colhidos em juízo através de regular instrução. Havendo, porém, prova produzida no contraditório, ainda que menos consistente, pode e deve ser considerada e chamada para, em conjunto com esta, compor quadro probante suficientemente nítido e preciso. No caso em tela, as confissões extrajudiciais dos envolvidos são apoiadas pelas declarações das vítimas da ameaça e violência que, embora não vendo os rostos dos assaltantes, contaram o ocorrido com os mesmos detalhes dos confessos. Depois, as confissões judiciais ou extrajudiciais valem pela sinceridade com que são feitas ou pelas verdades nelas contida. Aqui, aquelas feitas pelos apelantes, ainda que extrajudicialmente, servem de lastro condenatório, pois são convincentes. DECISÃO: Apelos defensivos desprovidos, por maioria de votos.” (Apelação 70042374447 Rio Grande do Sul , Relator: Sylvio Baptista Neto, Data de Julgamento: 11/08/2011, Sétima Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 11/10/2011) (grifos nossos)

Sob outro enfoque, no que tange aos elementos de cunho perecível, que são aquelas provas colhidas em fase investigativa, sob pena de destruição, Mirabete ensina que:

“Como instrução provisória, de caráter inquisitivo, o inquérito policial tem valor informativo para a instauração da competente ação penal. Entretanto, nele se realizam certas provas periciais que, embora praticadas sem a participação do indiciado, contêm em si maior dose de veracidade, visto que nelas preponderam fatores de ordem técnica que, além de mais difíceis de serem deturpados, oferecem campo para uma apreciação objetiva e segura de suas conclusões. Nessas circunstâncias têm elas valor idêntico ao das provas colhidas em juízo. (MIRABETE, 2008, p. 63)”  (grifos nossos)

Entende-se como provas perecíveis, aquelas que podem se perder, como já devidamente explicado em momento anterior, em razão do decurso do tempo, sendo elas as provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas. Neste caso, malgrado sejam colhidas em momento anterior à fase processual, é amplamente aceitável pela doutrina e pela jurisprudência sua utilização como fundamentação de decisão do magistrado, como registra Vicente Grecco: “A comunidade jurídica, de um modo geral, admite que, na sentença penal condenatória, sejam valoradas as chamas provas não repetíveis” (GRECCO FILHO 2010, p. 79), sendo complementado por Badaró ao informar, exemplificando, que “Especialmente para a prova pericial, produzida durante o inquérito policial, tem sido aceita, com tranqüilidade, a possibilidade de o juiz valorá-la no momento da sentença.” (BADARÓ, 2012, p. 92).

Com relação às provas perecíveis, há ainda vertente doutrinária que defende, em determinados casos, no que tange ao aspecto temporal, que o colhimento das provas no inquérito, presume-se de maior fidelidade em relação àquelas que são coletadas em momento comparativamente mais distante. Isto porque, segundo aduz essa corrente, os processos costumam demorar algum tempo razoável de tramitação, desde a efetiva prática do crime até a sentença final, de forma que algumas provas, não todas, apresentam mais veracidade se colhidas tão logo após o cometimento do fato delitivo. Explica melhor Mendroni:

“Concluir que as evidências coletadas em momento mais próximo à prática de um crime têm, ao menos em tese, característica intrínseca de maior fidelidade em relação àquelas que são coletadas em momento comparativamente mais distante. E se esse raciocínio parece lógico em relação às evidências coletadas durante a fase pré-processual, pela mesma razão deve ser aplicada em relação às provas trazidas aos autos” (MENDRONI, 2010, p. 78)

Com relação a este entendimento, corrobora Nestor ao explicar que:

“As cautelares determinadas em fase inquisitorial e que permitem a produção probatória, como a medida de busca e apreensão ou a interceptação telefônica, se justificam por sua necessidade e urgência, para que os elementos não venham a se esvair. A persecução criminal, em alguns momentos, exige rapidez e pronta eficiência, de sorte que tais ferramentas acabam sendo úteis à elucidação dos fatos e captação de elementos para desvendar a verdade”. (TÁVORA; ALENCAR 2012, p. 115)

Outro aspecto importante a se observar é que, embora parte da doutrina admita ser  o inquérito policial um procedimento de cunho meramente informativo para convicção do órgão acusador, não se pode desconsiderar que, na prática, gera grande influencia na convicção do juiz. Diz Hassan que:

“Não raras as vezes o entendimento não é nesse sentindo [ de ser o inquérito policial peça meramente informativa], largamente se admitindo o emprego dos meios informativos do inquérito como sustentação da sentença condenatória. Neste ponto emblemático é o seguinte julgado: A confissão judicial ampla e pormenorizada, harmônica com todos os informes do inquérito, inclusive reconhecimento pela vítima, formalmente em ordem, é suficiente para embasar condenação, ainda que outras provas não tenham sido apresentadas em contraditório. TJSP – Apelação nª 568.829/2, em 15-05-1989, 12º Câmara” (CHOUKR, 2009, p. 309)

Logo, não se pode negar que, na vida prática, o magistrado tem se valido das provas colhidas na fase investigativa para agregar elementos de sua convicção, seja porque toma conhecimento desses elementos do inquérito policial através dos autos, já que o integram, seja porque, não raras vezes, acompanha o colhimento probatório pré-processual desde o seu início, como explica Noronha que:

“Do ponto de vista estrutural, ocorre que, não raramente, um único magistrado tomará conhecimento da investigação desde o início, acompanhará seu desenvolvimento, receberá a inicial acusatória e prosseguirá no feito até decisão final. Todo o material antecedente à ação é de seu conhecimento, inegavelmente influenciando seu espírito e predispõe sua utilização (…)” (NORONHA, 2002, p. 28)

Neste sentido, corrobora Mirabete, inobstante a finalidade imediata do conteúdo do inquérito seja outra, não poderá deixar ele de “influir no espírito do juiz na formação de seu livre convencimento para o julgamento da causa, mesmo porque integra os autos, podendo o juiz apoiar-se em elementos coligidos na fase extrajudicial” (MIRABETE, 2008, p. 63)

Ademais, impende esclarecer que o magistrado, ao firmar seu convencimento, não analisa as provas de forma isolada, devendo apreciar o conjunto probatório como um todo, de forma a encontrar uma lógica no contexto dos autos que justifique sua decisão, principalmente quando se tratar de indícios robustos, detalhados, que, de fato, esclareçam o fato delitivo. Explica Mendroni que:

“Evidentemente que o juiz deverá sempre fundamentar a sua sentença, a partir da convicção que extrair do raciocínio de valoração de provas (sentido amplo) que existirem nos autos. (…) Valorizar mais ou menos esse ou aquele indício ou prova dependerá sempre da aplicação do princípio da livre convicção do próprio juiz. Isso porque na fundamentação de seu convencimento o juiz deve exatamente considerar o contexto probatório, e não cada uma das provas de forma isolada. Conclui-se, portanto, que não será arbitrária uma decisão que tiver como base a valoração coerente do contexto probatório direcionado a uma conclusão lógica”. (MENDRONI, 2010, p. 25/26)

Ou seja, caso o juiz entenda necessário reconhecer valor probatório à determinada prova colhida durante a fase inquisitorial, não há norma jurídica que o impeça de se utilizar dessa para fundamentar sua decisão, desde que não a utilize de forma exclusiva, e que não tenha sido completamente contrária às provas produzidas em fase processual. Neste sentido, Noronha entende que:

“Não obstante a natureza inquisitorial da investigação da polícia, não se pode de antemão repudiar o inquérito da polícia, como integrante do complexo probatório que informará a livre convicção do magistrado. (…) Se a instrução judicial for inteiramente adversa aos elementos que ele [o inquérito] contém, não haverá prevalência sua”. (NORONHA, 2002, p. 29)

Aliás, corrobora com este entendimento e acrescenta Elmir Duclerc, citado por Márcio Pereira que, no Brasil, a

“…valoração do inquérito pelo juiz, quando da sentença penal condenatória costuma ocorrer de suas maneiras: a) para confirmar um ato de investigação. É comum ao juiz brasileiro, no ato de sentenciar, confrontar depoimentos prestados em juízo pela testemunha com aquilo que esta eventualmente disse na fase policial. Tenta o magistrado vislumbrar possível corroboração ao testemunho prestado em juízo com aquilo que foi dito no inquérito. Em termos práticos, é corriqueiro numa sentença penal condenatória encontrarmos frases como a seguinte: “em juízo, a testemunha, confirmando o que disse durante a fase policial, afirmou que estava presente no momento em que o réu sacou a arma de fogo e saqueou o estabelecimento comercial”; b) Outro forma de valorar os atos do inquérito ocorre quando a prova produzida no processo é insuficiente, por si só, para uma condenação, levando o magistrado a buscar no inquérito elementos para formar sua convicção” (PEREIRA, 2011, p. 78)

Neste sentido, exemplifica-se com entendimento dado ao julgamento pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia:

“APELAÇÃO CRIMINAL – ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO – SUBSTRATO PROBATÓRIO ROBUSTO E APTO A AMPARAR O DECRETO CONDENATÓRIO – ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – DELITOS QUE APÓS O ADVENTO DA LEI N° 12.015/2009 PASSARAM A SER DA MESMA ESPÉCIE – OCORRÊNCIA DE CONTINUIDADE DELITIVA E NÃO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES – APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. I – CUIDA-SE DE APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA CONTRA SEGURANÇA PROFERIDA PELO MM. JUÍZO DA VARA CRIME DA COMARCA DE IBICUÍ, OBJETIVANDO A REFORMA DA DECISÃO, PARA QUE O RÉU SEJA ABSOLVIDO POR AUSÊNCIA DE PROVA. II – MUITO EMBORA O APELANTE TEÇA CONSIDERAÇÕES EM CONTRÁRIO, NA ESTEIRA DA SEGURANÇA RECORRIDA, A MATERIALIDADE E A AUTORIA DO FATO DENUNCIADO ENCONTRAM-SE PERFEITAMENTE COMPROVADAS ATRAVÉS DO INQUÉRITO POLICIAL, DOS LAUDOS DE EXAME DE LESÕES CORPORAIS E DA PROVA TESTEMUNHAL PRODUZIDA NOS AUTOS. III – NO CASO DOS AUTOS CONFIGURARAM-SE OS DELITOS DE ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR E A VIOLÊNCIA É PRESUMIDA, PORQUE A VÍTIMA ERA, À ÉPOCA DOS FATOS, MENOR DE 14 (CATORZE) ANOS. (…) APELO PARCIALMENTE PROVIDO AP 16827-5/2008-IBICUÍ RELATOR PARA O ACÓRDÃO: DES. ESERVAL ROCHA”. (Apelação 16827-5/2008, Relator(a):  ESERVAL ROCHA, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, julgado em 20/10/2009) (grifos nossos)

Ademais, segundo entendimento da primeira turma do STF, as provas colhidas no inquérito policial podem ser utilizadas para influir no convencimento do juiz em sua decisão,  desde que sejam ratificadas em juízo.

“HABEAS CORPUS. PENAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE EM PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL. INOCORRÊNCIA. DECISÃO FUNDADA EM OUTROS ELEMENTOS OBTIDOS NA FASE JUDICIAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVER-SE O CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO NA VIA ELEITA. O WRIT NÃO PODE SER UTILIZADO COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. I – Os elementos colhidos no inquérito policial podem influir na formação do livre convencimento do juiz para a decisão da causa quando complementados por outros indícios e provas obtidos na instrução judicial. Precedentes. II – A análise da suficiência ou não dos elementos de prova para a condenação é questão que exige revolvimento do conjunto fático-probatório da causa, providência incabível na via do habeas corpus. III – O habeas corpus, em que pese configurar remédio constitucional de largo espectro, não pode ser empregado como sucedâneo de revisão criminal. Precedentes. IV – Ordem denegada”. (HC 104669, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 26/10/2010, DJe-221 DIVULG 17-11-2010 PUBLIC 18-11-2010 EMENT v.-02433-01 PP-00079 LEXSTF v. 32, n. 384, 2010, p. 451-462) (grifos nossos)

Em razão do exposto, levando em consideração o forte entendimento doutrinário e jurisprudencial de reconhecer valor probatório no inquérito policial, é que recente reforma processual, através da edição da Lei nº 11.690/2008, veio prever, de forma taxativa, no artigo 155 do CPP a possibilidade de utilização das provas irrepetíveis, antecipadas e cautelares na fundamentação do juiz.

Inclusive, extensa corrente doutrinária reconhece haver, pelo menos, um valor probatório relativo na prova colhida em fase inquisitorial, no momento em que são confirmadas em juízo.

Neste caso, resta afirmar que o inquérito policial possui valor probatório relativo, seja em razão da possibilidade da utilização das provas perecíveis, seja quando se ratifica em juízo, quando colhido em fase inquisitorial, de forma a embasar, ainda que não exclusivamente, a decisão do magistrado.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, é possível afirmar que o inquérito policial possui, sim, valor probatório diante do processo penal, ainda que relativo, não merecendo prosperar o entendimento de que seja tão somente peça informativa. Este valor deve ser reconhecido seja em razão da possibilidade da utilização das provas perecíveis, taxativamente exposto no artigo 155 do CPP, seja porque, em muitos casos, é possível vislumbrar sua ratificação em juízo, de forma a embasar, ainda que não exclusivamente, a decisão do magistrado.

Com efeito, a cerne da questão sobre o valor probatório do inquérito policial se concentra, em suma, na sua não possibilidade de colheita probatória realizada sob o crivo do Contraditório e da Ampla Defesa. Neste sentido, inobstante ausência, em tese, do Contraditório, em razão do sistema processual penal brasileiro, neste momento pré-processual é possível observar traços de utilização da Ampla Defesa, entendimento corroborado pelo STF através da Súmula Vinculante nº 14, além de outras garantias constitucionais e legais.

Aliás, é de suma importância salientar que o indiciado deixou de ser visto como mero objeto de investigação, passando a ser sujeito de direitos e garantias constitucionais, o que vem a revestir de legalidade os atos praticados nessa fase. Dessa forma, impende salientar, por exemplo, que ao indiciado cabe alguns direitos constitucionais, como o previsto no artigo 5°, inciso LXIII da Constituição Federal, que lhe garante ser assistido por um advogado, não se incriminar e permanecer calado; bem como, em havendo busca domiciliar, que seja observado o quando prescrito no artigo 5º, XI da Carta Magna de que a casa é asilo inviolável do indivíduo e, por tal razão, não se pode nela adentrar sem o prévio consentimento do morador ou decisão judicial, salvo exceções.

Isto porque, embora o inquérito policial seja um ato reconhecidamente unilateral, não se pode admitir que seja feito sob o manto de arbitrariedades, o que demonstra uma evolução do Estado Democrático de Direito, alicerce do atual ordenamento jurídico brasileiro.

Além disso, não se pode olvidar de outros aspectos importantes que reforçam esse entendimento sobre o valor probatório do inquérito policial, como por exemplo, o fato de possuir o atributo da presunção de veracidade e de legitimidade, já que é um conjunto de atos administrativos; bem como ser a colheita probatória realizada observando-se os ditames legais, remetendo-se, em muitos casos, aos procedimentos utilizados em fase processual, como a exemplo do Reconhecimento de Pessoas e Coisas. Com isto, o que se busca é cingir de legalidade os procedimentos adotados, havendo uma verdadeira atividade jurisdicional antes mesmo do início do processo.

Outrossim, não se pode desperceber que o magistrado, ao fundamentar sua decisão, não valora as provas de forma isolada, tendo sido observado que seu acesso às provas nos autos do inquérito policial acaba por influir no espírito da formação de seu livre convencimento para o julgamento da causa, razão pela qual acaba valorando as provas inquisitoriais.

Por conta de todos esses aspectos, forte entendimento doutrinário e jurisprudencial passaram a reconhecer valor probatório no inquérito policial, ocasionando na reforma processual realizada através da edição da Lei nº 11.690/2008, que ao prever, de forma taxativa, no artigo 155 do CPP a possibilidade de utilização das provas irrepetíveis, antecipadas e cautelares na fundamentação do juiz, veio a reforçar o entendimento de possuir valor probatório o inquérito policial.

Sendo assim, todas as garantias constitucionais e legais que se amoldam à fase inquisitorial caminham para que se torne conciso este entendimento, de forma que se assim o for, outros direitos possam ser garantidos ao indiciado, de modo a revestir, cada vez mais, de fiscalização os atos praticados nessa fase.

 

Referências
BADARÓ, Gustavo. Processo Penal, 1ª edição. Editora Campus Jurídico. Rio de Janeiro, 2012.
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Informações Sobre o Autor

Daniela Zoila Ribeiro Chong

Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia


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