Direito à saúde e o Supremo Tribunal Federal: mudanças de posicionamento quanto ao fornecimento de medicamentos

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Resumo: A crescente e excessiva judicialização do direito à saúde tem sido a justificativa dos gestores públicos para a atual instabilidade do Sistema Público de Saúde. Desde a promulgação da Constituição de 1988, referido direito fundamental tem ocupado lugar cada vez mais frequente no Poder Judiciário, principalmente através de medidas objetivando o fornecimento de medicamentos. De modo a consolidar a evolução do tema, o presente artigo faz um levantamento jurisprudencial dentro do Supremo Tribunal Federal, evidenciando a mudança de posicionamento e o atual entendimento do Egrégio Tribunal. Percebe-se que havia entendimento pacífico de que o direito à saúde deveria ser garantido em sua plenitude. A quantidade excessiva de medidas judiciais concessivas exigiu a ponderação de questões inicialmente consideradas secundárias. A limitação de provisões orçamentárias e o princípio da reserva do possível foram inseridas no debate. A Audiência Pública nº 04, realizada em abril e maio de 2009, serviu para esclarecer pontos ainda obscuros e traçar patamares para embasar as decisões futuras. Houve evolução nos debates sobre o tema. O direito à saúde continua sendo garantido judicialmente, entretanto, as decisões são muito mais concisas e atentas às particularidades do caso concreto, não se limitando à mera alegação de existência do direito.

Palavras-Chave: Direito à saúde. Medicamento. Jurisprudência. STF.

Abstract: The growing and excessive judicialization of the right to health has been the justification of public managers for the current public health system instability. Since the promulgation of the 1988 Constitution the referred fundamental right has progressively taken a more frequent place in the judiciary, mainly through measures which aim the supply of medicines. So as to consolidate the evolution of the theme, this article conducts a case law survey in the Federal Supreme Court, evidencing a change on the positioning and the current understanding of the Eminent Tribunal. It can be noticed that there was peaceful understanding that the right to health should be fully guaranteed. The excessive amount of judicial measures required a reflection on issues initially considered secondary. The limitation of budget provisions and the principle of reserve for contingencies were included in the debate. The Public Hearing No. 4, held in April and May of 2009, clarified specific points until then unclear and outlined new levels to base future decisions. Progress concerning the debates on the theme was noticed. The right to health continues to be guaranteed judicially, however, the decisions are much more concise and alert to the particularities of the concrete case, not confined to merely allegation of existence of the right. 

Keywords: Right to health. Medicament. Judge-made law. STF.

Sumário: Introdução. 1. Do direito à saúde. 1.1. Da exigibilidade do direito à saúde. 2. Da reserva do possível. 2.1 De numerus clausus para reserva do possível. 2.2. Da reserva do possível no cenário brasileiro. 3. Posicionamento do Supremo Tribunal Federal após a Constituição de 1988. 4. Suspensão de Tutela Antecipada nº 91. 5. Audiência Pública nº 04. 6. Atual posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Conclusão. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Dos avanços trazidos pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a consagração constitucional do direito à saúde como um direito fundamental foi de vital importância para a caracterização de um constitucionalismo de cunho democrático-social em nosso país. O disposto no artigo 196[1] do texto constitucional mudou radicalmente o cenário de proteção ao direito à saúde no Brasil. Onde antes havia uma restrita limitação de normas esparsas, agora existe um complexo sistema de garantias de efetivação e proteção deste direito. O caráter fundamental atribuído ao direito à saúde lhe concedeu o status de direito subjetivo, oponível contra o Estado, permitindo a judicialização deste, de modo a oportunizar a sua efetivação.

A competência para essa efetivação foi atribuída ao Estado, o qual, por intermédio de políticas públicas, deve proporcionar os meios suficientes para que, de forma universal e igualitária, o direito à saúde possa ser usufruído em sua plenitude. Entretanto, a “missão” se mostra cada dia mais difícil de ser concretizada. A falta de recursos suficientes e a má administração dos recursos já existentes colocam em colapso todo o sistema de saúde pública, oferecendo um serviço, muitas vezes, deficiente e limitado. Consequência dessa oferta insuficiente vemos que a judicialização desse direito cresce exponencialmente em todos os Tribunais do país.

Inúmeras ações são propostas diariamente objetivando o acesso a cirurgias, consultas médicas, medicamentos e tratamentos não ofertados pelo Sistema Único de Saúde, seja por ausência de previsão das normas regulamentadoras do SUS ou ainda, por insuficiência de fundos para garantir o acesso aos procedimentos e tratamentos já disponibilizados pela rede. O Judiciário passou a ser palco para o debate acerca da obrigatoriedade de garantia do acesso à saúde, direito fundamental “supostamente” previsto em toda sua amplitude pelo texto Constitucional.

Tamanha problemática, inevitavelmente chegou aos Tribunais Superiores, os quais se viram obrigados a discutir a existência (ou não) de patamares para a concessão desse direito. De fato o direito à saúde deveria ser ofertado de forma indiscriminada, ou é necessária a imposição de limites para a garantia de um acesso universal e igualitário? E o mais importante, existem, ou não, critérios jurídicos que embasem as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal?

O objetivo do presente trabalho é, justamente, responder esta última questão, através da análise das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal quanto aos pedidos de fornecimento de medicamentos para garantia de direito à saúde, de modo que possamos identificar a evolução do pensamento dos Ministros, principalmente, na tentativa de garantir um tratamento amplo para aqueles que necessitarem, sem, contudo, comprometer o acesso dos demais usuários do Sistema Único de Saúde, em razão da falta de provisões suficientes.

Através do sistema de busca de jurisprudências do portal do Supremo Tribunal Federal[2], bem como, tendo por base os estudos produzidos por Gassen Zaki Gebara[3], foi possível identificar uma evolução de posicionamento referente ao tema exposto. Onde antes havia um entendimento unânime sobre a inquestionável obrigatoriedade dos entes federados quanto ao fornecimento dos medicamentos, hoje existe uma ponderação baseada em critérios mais sólidos, os quais possibilitam um debate mais justo, sempre preocupado com a garantia do direito à saúde, porém, mais atento às questões econômico-administrativas que envolvem a concessão desse direito. Referida evolução no discurso, envolve as decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal de uma necessária segurança jurídica, uma vez que, por diversas vezes, impõe ao Poder Público um dispendioso gasto na garantia do direito à saúde.

1. DO DIREITO À SAÚDE

A importância do estudo a cerca do direito à saúde é inquestionável, principalmente, por se tratar de um importante direito social garantido pela Carta Constitucional, indispensável à efetivação da Dignidade da Pessoa Humana. Trata-se de direito social de segunda dimensão[4], representando uma conquista fundamental na garantia de concretização dos direitos de igualdade e da dignidade da pessoa humana. Na concepção de Sarlet:

“(…) o direito à saúde é direito social que apresenta, simultaneamente, uma dupla dimensão defensiva e prestacional. Enquanto direito de defesa, o direito à saúde determina o dever de respeito, num sentido eminentemente negativo, ou seja, não afetar a saúde de alguém, mas, sim, preservá-la. Na dimensão prestacional, imputa o dever, em especial ao Estado, de executar medidas reais e concretas no sentido de fomento e efetivação da saúde da população circunstância que, neste último caso, torna o indivíduo, ou a própria coletividade, credores de um direito subjetivo a determinada prestação, normativa ou material.[5]

De modo a garantir esse direito, surge a necessidade de sua positivação no ordenamento jurídico do país. Assim, vale ressaltar que a Constituição Federal de 1988 deu um tratamento especial aos direitos sociais, consagrando-os dentro do catálogo de direitos e garantias fundamentais, elencando em seu artigo 6º um rol de direitos, dentre eles o direito à saúde.

“Art. 6º São direitos sociais a educação, à saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Apesar de sempre ter sido dada atenção ao direito à saúde em todas as constituições brasileiras, somente na Constituição de 1988, a saúde foi elevada à condição de direito fundamental, demonstrando a intenção do legislador brasileiro de estabelecer uma sintonia com as declarações internacionais que vinham sendo elaboradas, de forma a garantir os direitos inerentes a pessoa humana.

Tendo em vista essa atenção especial dada ao direito à saúde, ao longo do Texto Constitucional encontram-se vários dispositivos que venham assegurar a sua efetividade.

Ao direito à saúde foi disponibilizada seção especial junto ao capítulo da Seguridade Social, na qual verificamos um aprofundamento, por parte do legislador, na concepção de saúde e no dever do Estado de promovê-la. Vale mencionar o disposto nos artigos 196 e 197, que dizem o seguinte:

“Art. 196 A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197 São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”

Como podemos perceber, o artigo 196 da Constituição Federal de 1988 reconheceu o dever do Estado em promover, mediante políticas sociais e econômicas, a efetividade do direito à saúde a todos de forma igualitária. Trata-se de dever constitucional, devendo o Estado zelar pela promoção, proteção e recuperação de referido direito. O artigo 197 traz ainda, como responsabilidade do poder estatal, o dever de zelar pelas ações e serviços de saúde.

Fica evidente, que o legislador não se absteve ao impor ao Estado o dever de promoção e proteção desse direito, seguindo o pensamento ético-jurídico que estava sendo disseminado no meio internacional. Para tanto, vale mencionar o artigo 129, inciso II da Constituição de 1988, que atribui ao Ministério Público o dever de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”, o que demonstra a intenção do legislador em assegurar o direito à saúde em sua plenitude, através da outorga de normas suficientes para garantir sua efetividade.

O artigo 198 da Constituição de 1988 estrutura o Sistema Único de Saúde, criado para garantir que toda a população obtenha acesso ao atendimento público de saúde, o que só era garantido aos empregados que contribuíssem com a previdência social, tratando-se, portanto, de uma grande evolução para a época.

O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado para, juntamente com a Previdência e Assistência Social, formar um sistema integrado, com a finalidade de assegurar a dignidade material de todas as pessoas. Trata-se de instrumento concretizador do direito à saúde, um sistema público e nacional, baseado nos princípios da universalidade, integralidade e equidade, a indicar que a assistência deve atender a toda a população de forma integral.

O mesmo é regulado pela Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990, criada para assegurar o efetivo cumprimento das normas dispostas no Texto Constitucional, a exemplo do artigo 2º e seu parágrafo primeiro, da referida lei, que dispõe o seguinte:

“Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.”

Fica claramente demonstrada, na instituição do Sistema Único de Saúde, a intenção do legislador em dar eficácia às normas implementadas na Constituição Federal, garantindo o acesso universal à saúde.

Percebemos que o Sistema Único de Saúde foi criado para garantir o acesso de todos os cidadãos a uma saúde de qualidade, compreendendo, para isso, todos os aspectos necessários para a promoção desse direito.

A Administração Pública passa a ter como meta constante a efetividade desse direito fundamental, objetivando a garantia de um bem estar físico, mental e social, alcançando os patamares delimitados pela Organização Mundial da Saúde, e proporcionando uma vida mais digna a todo ser humano.

A Constituição Federal da República de 1988 cumpriu bem o papel de asseguradora do direito fundamental à saúde. Não podemos falar que o texto constitucional deixou de observar esse direito, muito pelo contrário, como dito anteriormente, esta Constituição deu especial atenção ao direito à saúde.

1.1 Da Exigibilidade do Direito à Saúde

Podemos observar que o ordenamento jurídico brasileiro prevê de forma ampla o direito fundamental à saúde e as garantias para sua promoção e proteção, o que, em tese, deveria ser o suficiente para possibilitar a sua efetividade.

Entretanto, enfrentamos uma realidade diversa da pretendida pelo legislador na criação das normas que asseguram o direito à saúde, sendo necessário analisar aspectos relevantes sobre a exigibilidade desse direito.

Mariana Filchtiner Figueiredo trata desta questão, trazendo como solução a justiciabilidade como forma de garantia desse direito fundamental, dizendo que:

“A ideia de justiciabilidade do direito à saúde aponta diretamente para o reconhecimento de posições jurídico-subjetivas em favor de quem titule esse direito, seja no sentido de exigir respeito e não-interferência (pretensão defensiva), seja no que concerne a demandas por proteção e fornecimento de bens (pretensões de caráter prestacional). Cuida-se, portanto, da investigação acerca dos limites e das possibilidades dentro dos quais o direito à saúde é exigível, ou seja, eficaz e assegurado, ainda que pelo recurso à via judicial.[6]

Como vemos, apesar de direito fundamental, estando assegurado na Constituição Federal sua observância plena, ainda se faz necessário pautarmos as “possibilidades” dentro das quais o direito à saúde é exigível, mesmo que por via judicial, criando assim, uma problemática para assegurá-lo de forma universal e igualitária, pois, um direito que deveria ser disponibilizado em sua plenitude, passa a ter limites que devem ser observados, distanciando seu alcance daqueles que necessitam.

A Constituição Federal da República de 1988 dispõe no parágrafo primeiro do artigo 5º, sobre a aplicabilidade imediata das normas fundamentais, entretanto, diante da inobservância parcial (ou, em muitos casos, total) desta norma, é necessário o reconhecimento de parâmetros mínimos que garantam a eficácia desses direitos fundamentais, agindo como salvaguarda do bem jurídico tutelado.

Nas palavras de Mariana Filchtiner Figueiredo, devemos assegurar o cumprimento da Constituição Federal, não podendo agir de forma contrária ao disposto em seu texto, ou ainda, deixar de observar os princípios ali positivados.

“Imprescindível, realmente, é a preservação da unidade e supremacia normativa da Constituição, não apenas por consistir fonte normativa e fundamento de validade de todo o sistema jurídico, mas por constituir pacto social e político sobre o qual se assenta a sociedade assim ordenada.[7]

O Estado deve observar o disposto no Texto Constitucional, assegurando a promoção do direito à saúde. Entretanto, como justificativa do não atendimento desse direito, o Estado se socorre do princípio da reserva do possível, alegando a impossibilidade de execução das políticas públicas necessárias para o atendimento à saúde, uma vez inexistente verbas suficientes para essa efetivação. Resta saber se, de fato os fundos são insuficientes, ou se o discurso da reserva do possível tem por finalidade uma tentativa do Estado de isentar-se da responsabilidade imposta pela Lei Maior. Fato é que, inúmeros são os cidadãos brasileiros que estão à espera de um atendimento apropriado, que venha garantir-lhe o direito à saúde, e muitas vezes o direito à vida.

2. DA RESERVA DO POSSÍVEL

Diante da responsabilidade de zelar pela promoção do direito à saúde, o Estado passou a enfrentar uma problemática no momento de trazer para o plano material as garantias existentes na Constituição da República. No final do século XX, passamos a observar a existência de um recuo estatal em favor da responsabilidade individual pela saúde, assim, como afirmam Dallari e Ventura:

“O Estado figuraria apenas subsidiariamente na prestação de cuidados à saúde das pessoas, obliterando-se, com isso, o questionamento das estruturas sociais e econômicas subjacentes ao problema sanitário. Já as políticas públicas não seriam mais estabelecidas em função de dados epidemiológicos, mas se conformariam a análises econômicas de custo-benefício – o que, “por vezes, acaba implicando a ausência de prevenção, elemento historicamente essencial ao conceito de saúde pública”, e sabidamente menos custoso.[8]

O Estado retira, em parte, a responsabilidade que lhe foi imposta, limitando a prestação de atendimento à saúde aos limites existentes nos cofres públicos, colocando em cheque o direito fundamental à saúde. Para expressar essa realidade podemos fazer uso das palavras de Canotilho, quando diz que “os direitos sociais às prestações materiais estariam sob reserva das capacidades financeiras do Estado, se e na medida em que consistem em direitos à prestações financiadas pelos cofres públicos.”[9]

Vemo-nos diante de uma realidade na qual um direito fundamental, constitucionalmente reconhecido, fica à mercê da disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, criando uma problemática para sua efetividade.

2.1 De Numerus Clausus para Reserva do possível

O princípio da Reserva do Possível tem origem no termo Numerus Clausus[10], primeiramente, utilizado na Alemanha em decisão proferida pela Corte Constitucional no ano de 1972, sendo traduzido como aquilo que o sujeito pode razoavelmente esperar do Estado e o Estado pode razoavelmente se negar a conceder ao sujeito, sem vulnerar comandos constitucionais. Naquela situação, dois estudantes haviam concorrido para uma vaga no curso de Medicina, nas universidades de Bavária e Hamburgo, atingindo a nota necessária para ingresso no curso, ficando fora da quantidade de vagas existentes. As Cortes Administrativas acionadas pelos jovens, solicitaram à Corte Alemã que se manifestasse sobre a constitucionalidade de referida regra. A Corte salientou que referida regra (numerus clausus) se tornou necessária diante da incompatibilidade entre a oferta e a demanda de vagas nos cursos universitários, bem como, e principalmente, para manutenção de uma estrutura adequada das instituições. Apesar das dificuldades, a Corte ressaltou que o Estado Alemão vinha envidando esforços no sentido de expandir as vagas existentes, dentro daquilo que era “razoavelmente possível”. Em sua decisão, referida Corte afirmou que os numerus clausus somente limitavam o acesso dos candidatos às vagas almejadas, sem lhes violar qualquer direito; destacou, ainda, a desnecessidade de pronunciar-se sobre a exigibilidade de tal direito, por entender não ter havido a correspondente violação, uma vez que o Estado alemão tinha agido dentro do que a corte veio a chamar de reserva do possível.

Nas palavras do professor Gassen Zaki Gebara podemos considerar a reserva do possível, em um sentido amplo, como uma forma de:

“(…) limitação de recursos para a satisfação das obrigações estatais. O argumento da reserva do possível pode ser levantado em qualquer demanda judicial, na qual o Estado veja-se impossibilitado de fornecer, imediatamente, uma determinada obrigação a que se ache obrigado. É o que se extrai dos fundamentos da reserva do possível, tal qual apresentado, no sentido de que os recursos escassos, quando gerenciado para o atendimento de determinadas prioridades, à escolha dos poderes constitutivos, podem vir a faltar para a satisfação de outras necessidades, muitas vezes também prioritárias[11].”

Ressalta-se, ainda, o pensamento de Canotilho quando diz que, “a reserva de cofres do Estado coloca problemas de financiamento, mas não implica o grau zero de vinculatividade jurídica dos preceitos consagradores de direitos fundamentais sociais”[12], ou seja, mesmo diante da impossibilidade financeira de promover as medidas necessárias para garantia do direito fundamental em questão, o Estado continua responsável pela sua efetividade, não podendo resultar na ineficácia, nem perda de vinculatividade desses direitos.

Em um sentido oposto, Holmes e Sustein ressaltam a importância da preocupação com a escassez de recursos financeiros do Estado, o que inviabilizaria a promoção dos direitos fundamentais, uma vez que estes são diretamente dependentes dos recursos existentes nos cofres públicos. Ao tratar dos direitos fundamentais dizem que, “seria mera retórica descrevê-los como invioláveis, peremptórios e conclusivos, pois nada que custe dinheiro pode ser absoluto. […] Direitos são pretensões relativas, não absolutas”[13], e podemos ainda mencionar a conclusão a que chega Mariana Filchtiner Figueiredo ao tratar desse assunto, quando diz que “Se todos os direitos têm custos e, por isso, acarretam gastos públicos, todos os direitos estão submetidos à reserva do possível.”[14]

2.2 Da reserva do possível no cenário brasileiro

No Brasil, a Constituição de 1988 inovou, ao contemplar um grande número de direitos sociais (dentre eles o direito à saúde), dando-lhes um caráter de direito fundamental e, assim, possibilitando sua exigibilidade por parte dos cidadãos.

Apesar de ter recebido o título de direito fundamental, o direito à saúde nasceu fadado à incompletude. Sua efetivação (como a de outros direitos) sempre ficou limitada à realização de políticas públicas, restrito assim, à reserva do possível. Como forma de garantia de acesso ao referido direito, o Judiciário assumiu um importante papel, ficando responsável por determinar a aplicabilidade das disposições constitucionais, obrigando o Estado a cumprir o seu papel.

Por um determinado momento, a Constituição conquistou força e efetividade. Conforme ressalta o professor Gassen Zaki Gebara:

“As normas constitucionais deixaram de ser percebidas como integrantes de um documento estritamente político, mera convocação a atuação do legislativo e do executivo, e passaram a desfrutar de aplicabilidade direta e imediata por juízes e tribunais. Nesse ambiente, os direitos constitucionais em geral, e os direitos sociais em particular, converteram-se em direitos subjetivos em sentido pleno, comportando tutela judicial específica[15].”

Entretanto, o excesso de demanda e a falta de critérios para a garantia judicial do direito à saúde implicaram no declínio de sua efetivação. Com inúmeras sentenças condenando o Estado ao fornecimento de materiais e medicamentos experimentais, muitas vezes de alto custo, à realização de intermináveis procedimentos cirúrgicos, algumas vezes destituídos de essencialidade, o próprio Judiciário tem mudado seu posicionamento perante essas questões.

Atualmente, a dificuldade de se obter uma determinação judicial, garantindo o acesso ao direito à saúde é incrivelmente maior que a dois ou três anos atrás. O próprio Judiciário está cada vez mais resistente à concessão de medicamentos que fogem do rol elencado pelo Sistema Único de Saúde.

Passemos portanto, a análise das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, de modo a identificar a importância dada (ou não) a essa problemática.

3. POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988

Desde a promulgação da Constituição de 1988 houve um crescente movimento de ativismo judicial favorável à concessão “absoluta” do direito à saúde. A grande maioria das decisões proferidas pelos Tribunais concedia o medicamento ou tratamento pleiteado pelo impetrante. Os fundamentos das decisões, quase que exclusivamente, interpretavam o dispositivo constitucional em sua plenitude, determinando a obrigatoriedade dos entes federados quanto ao fornecimento do tratamento necessário para a garantia do direito à saúde.

Diante da concessão desenfreada dessas medidas judiciais, eventualmente, algumas decisões eram submetidas à apreciação do Supremo Tribunal Federal, o qual partilhava desse entendimento de que o direito à saúde deveria ser garantido de forma plena. Todas as decisões analisadas eram favoráveis à concessão do tratamento, inclusive de forma unânime, inexistindo voto divergente nos Acórdãos. Referido posicionamento se consolidava cada vez mais, principalmente diante da referência constante nas decisões, de precedentes do próprio Tribunal (como ocorre no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 273834/RS, no Recurso Extraordinário nº 198265/RS e no Recurso Extraordinário nº 232335/RS).

Um desses precedentes que constantemente era reivindicado nas decisões é de autoria do Ministro Celso de Mello, demonstrando as particularidades da posição do Supremo Tribunal Federal à época das decisões. Vejamos um fragmento de decisão proferida no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 271286/RS, na data de 02 de agosto de 2000:

“O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQUÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.

O direito público subjetivo à saúde prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, (…) o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.

O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável ao direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano de organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.

A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQUENTE.

O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatário todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES.

O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, (…) dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (art. 50, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. (…)

Na realidade, o cumprimento do dever político constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que este atue no plano de nossa organização federativa.

A impostergabilidade da efetivação desse dever constitucional desautoriza o acolhimento do pleito recursal ora deduzido na presente causa.

Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet. 1.246-SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput, e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles que tem acesso, por força de legislação local, ao programa de distribuição gratuita de medicamentos, instituído em favor de pessoas carentes. (…)

Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem garantir aos cidadãos (…) o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. (…)

O sentido de fundamentalidade do direito à saúde – que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas – impõe ao Poder Público um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional.

Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais – que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável a sua eficácia jurídica – recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculadas à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição.

Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito – como o direito à saúde – se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.

 Cumpre assinalar, finalmente, que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgão estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante[16].”

Conforme salientado, podemos extrair dessa passagem que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que a Constituição Federal de 1988, ao tutelar o direito fundamental à saúde, assegurou sua eficácia plena e universal, sendo o Poder Público o responsável pela garantia desse direito através de políticas públicas. Podemos perceber, ainda, que diante da omissão do Estado, cabe ao Poder Judiciário assegurar o regular cumprimento da ordem constitucional.

Em nenhuma hipótese, questões meramente orçamentárias poderiam justificar a supressão do direito à saúde, principalmente em razão deste estar diretamente relacionado com o direito à vida. O douto Ministro atribui um caráter secundário às questões de ordem econômica, considerando um dever ético-jurídico de o julgador optar pelo direito à saúde e à vida quando em confronto com interesses financeiros do Estado. A problemática acerca da escassez de recursos, quando elencada, não ocupava lugar de destaque, sendo considerada sempre de menor importância.

Também partilha desse entendimento o Ministro Sidney Sanches, o qual no Recurso Extraordinário 198263/RS proferiu o seguinte voto:

“Indisputável a obrigação do Estado em socorrer pacientes pobres da fenilcetonúria, eis que a saúde é dever constitucional que lhe cumpre bem administrar. A Constituição, por acaso Lei Maior, é suficiente para constituir a obrigação. Em matéria tão relevante como a saúde, descabem disputas menores sobre legislação, muito menos sobre verbas, questão de prioridade[17].”

Decisões proferidas no Recurso Extraordinário 342413/PR, 195192/RS e no Agravo de Instrumento 537237/PE, consolidam esse entendimento de que problemas orçamentários não podem justificar a inviabilização do direito à saúde. Em nenhuma das decisões havia uma preocupação em justificar esse posicionamento. O orçamento público assumia uma posição de obstáculo à efetivação do direito. Havia uma presunção de que o orçamento era (ou deveria ser) suficiente para o provimento das políticas públicas necessárias a garantia da saúde. O Agravo de Instrumento 238328/RS proferido pelo Ministro Marco Aurélio, torna evidente esse pensamento, deixando claro que a prioridade dos gastos deve ser com a efetividade desses direitos fundamentais.

“Reclamam-se do Estado (gênero) as atividades que lhe são precípuas, nos campos da educação, da saúde e da segurança pública, cobertos, em si, em termos de receita, pelos próprios impostos pagos pelos cidadãos. É hora de atentar-se para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, proporcionar vida gregária segura e com o mínimo de conforto suficiente a atender ao valor maior atinente à preservação da dignidade do homem.”

Um primeiro indicador de mudança de posicionamento do Supremo Tribunal Federal pode ser encontrado no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45, realizado pelo Ministro Celso de Mello, impetrada pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) contra veto do Presidente da República ao §2º do artigo 55 da Lei nº 10.707/03 (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Apesar de se tratar de julgamento estranho ao tema, o douto Julgador aproveitou para apresentar argumentos inovadores quanto à reserva do possível diante do direito à saúde. Vejamos:

“É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS ("A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais", p. 245-246, 2002, Renovar): "Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível." (grifei) Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da "reserva do possível", ao processo de concretização dos direitos de segunda geração – de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas[18].”

Pela primeira vez, se deu destaque à problemática orçamentária que envolve a concessão do direito à saúde, principalmente no tocante ao princípio da reserva do possível. A presente decisão questionou a exigência imediata de concessão do direito à saúde quando o administrador estatal não possuir condições financeiras suficientes. Entretanto, não fica autorizada a “aniquilação” do direito fundamental, principalmente, quando a alegação de inexistência de fundos se basear em manipulação da atividade financeira do ente estatal. Para o Ministro, as verbas públicas advindas dos impostos devem ser, prioritariamente, utilizadas para a garantia dos patamares mínimos previstos na Lei Maior, para somente depois ter outra aplicação. Assim, diante do regular uso dessas verbas, é possível se falar em reserva do possível quando diante da impossibilidade de garantia imediata do acesso à saúde.

Pela própria natureza do julgado, os argumentos utilizados pelo Ministro Celso de Mello não conseguiram traçar critérios que pudessem servir de parâmetros para novas decisões, porém, constituem um indício de mudança de posicionamento do Tribunal Superior.

4. SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPATÓRIA Nº 91

O marco da mudança de posicionamento das decisões do Supremo Tribunal Federal, porém, deve ser considerado a Suspensão de Tutela Antecipatória nº 91, julgada pela Ministra Ellen Grace, em 26 de fevereiro de 2007. Referida decisão foi a primeira a determinar a não concessão do medicamento pleiteado, sob o argumento de inexistência de recursos suficientes, bem como, pela necessidade de racionalização dos gastos para o atendimento de um maior número de pessoas, atendendo o caráter de universalidade incorporado à regra do art. 196 da Constituição Federal, devendo garantir o direito à saúde a todos, e não de forma individualizada.

Outro ponto importante foi a determinação de que o direito à saúde deve estar ligado à elaboração de políticas públicas para um acesso coletivo, igual e universal, e não como medidas individualizadas como de fato ocorria no Supremo Tribunal Federal. Assim, só seria obrigatória a vinculação de fornecimento de medicamentos contemplados nas portarias (no caso em apreço, Portaria 1.318) do Ministério da Saúde.

Destaca-se parte desta decisão:

“Verifico estar devidamente configurada a lesão à ordem pública, considerada em termos de ordem administrativa, porquanto a execução de decisões como a ora impugnada afeta o já abalado sistema público de saúde. Com efeito, a gestão da política nacional de saúde, que é feita de forma regionalizada, busca uma maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos que devem ser fornecidos gratuitamente, a fim de atingir o maior número possível de beneficiários. Entendo que a norma do art. 196 da Constituição da República, que assegura o direito à saúde, refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não a situações individualizadas. A responsabilidade do Estado em fornecer os recursos necessários à reabilitação da saúde de seus cidadãos não pode vir a inviabilizar o sistema público de saúde. No presente caso, ao se conceder os efeitos da antecipação da tutela para determinar que o Estado forneça os medicamentos relacionados "(…) e outros medicamentos necessários para o tratamento (…)" (fl. 26) dos associados, está-se diminuindo a possibilidade de serem oferecidos serviços de saúde básicos ao restante da coletividade. Ademais, a tutela concedida atinge, por sua amplitude, esferas de competência distintas, sem observar a repartição de atribuições decorrentes da descentralização do Sistema Único de Saúde, nos termos do art. 198 da Constituição Federal. Finalmente, verifico que o Estado de Alagoas não está se recusando a fornecer tratamento aos associados (fl. 59). É que, conforme asseverou em suas razões, "(…) a ação contempla medicamentos que estão fora da Portaria n.º 1.318 e, portanto, não são da responsabilidade do Estado, mas do Município de Maceió, (…)" (fl. 07), razão pela qual seu pedido é para que se suspenda a "(…) execução da antecipação de tutela, no que se refere aos medicamentos não constantes na Portaria n.º 1.318 do Ministério da Saúde, ou subsidiariamente, restringindo a execução aos medicamentos especificamente indicados na inicial, (…)" (fl. 11).6. Ante o exposto, defiro parcialmente o pedido para suspender a execução da antecipação de tutela, tão somente para limitar a responsabilidade da Secretaria Executiva de Saúde do Estado de Alagoas ao fornecimento dos medicamentos contemplados na Portaria n.º 1.318 do Ministério da Saúde. Comunique-se, com urgência. Publique-se. Brasília, 26 de fevereiro de 2007.Ministra Ellen Gracie Presidente.”

Percebemos, portanto, que consoante entendimento da Ministra, a responsabilidade do Estado quanto ao fornecimento dos recursos necessários à garantia do direito à saúde não pode inviabilizar a garantia desse direito ao restante da população. O gasto com tratamentos financeiramente exorbitantes para um único indivíduo, mesmo que para garantia de sua saúde, não pode ser permitido quando inviabiliza o sistema de saúde pública aos demais indivíduos que necessitarem de tratamento. O Estado deve apresentar políticas públicas que atendam a todos de forma universal e igualitária, não apenas a uma minoria.

Dessa forma, é decorrente desse entendimento, a justificativa de obrigatoriedade de fornecimento, apenas, daqueles medicamentos previstos nas Portarias da Secretaria Municipal de Saúde, uma vez que, a determinação da concessão de fármacos diversos daqueles relacionados, estaria colocando em risco todo o acesso à saúde pública pelos demais usuários. O direito à saúde não deve ser realizado individualmente, o próprio texto constitucional prevê sua efetivação por meio de políticas públicas.

Nesse mesmo sentido, podemos ainda mencionar outra decisão da Ministra Ellen Gracie, proferida nos autos da Suspensão de Segurança nº 3073, a qual desobriga o Estado a fornecer um medicamento juridicamente pleiteado pelo impetrante.

“(…) o medicamento solicitado pelo impetrante, além de ser de custo elevado, não consta da lista do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional do Ministério da Saúde, certo, ainda, que o mesmo se encontra em fase de estudos e pesquisas.

Constato, também, que o Estado do Rio Grande do Norte não está se recusando a fornecer tratamento ao impetrante. É que, conforme asseverou em suas razões, ‘o medicamento requerido é um plus ao tratamento que a parte impetrante já está recebendo’ (…)

Finalmente, no presente caso, poderá haver o denominado “efeito multiplicador” (…), diante da existência de milhares de pessoas em situação potencialmente idêntica àquela do impetrante.

Ante o exposto, defiro o pedido para suspender a execução da liminar concedida nos autos do Mandado de Segurança nº 2006.006795-0 (…), em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte[19].”

Podemos notar que, de fato, estávamos diante de uma possível mudança de paradigma na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria de direito à saúde.

Ocorre que, posteriormente às decisões proferidas pela Ministra Ellen Gracie e diante de grande repercussão do tema, diversas Secretarias de Saúde passaram a ingressar na justiça invocando a Suspensão da Tutela Antecipatória nº 91, de modo a interromper a concessão dos medicamentos (que não constassem da Portaria 1318) a que estavam obrigadas a fornecer[20]. A Ministra, em decisões posteriores (Suspensões de Segurança nº 3205, 3158, 3183 e 3221) manifestou-se mostrando sua preocupação com essa repercussão, declarando que:

“(…) a interpretação ampliativa que vem sendo dada às decisões desta presidência em relação às demandas por fornecimento de medicamentos pelos Estados. Isso porque, segundo ela, os pedidos devem ser analisados “caso a caso, de forma concreta, e não de forma abstrata e genérica (…) não se estendendo os seus efeitos e as suas razões a outros casos, por se tratar de medida tópica, pontual.”

De fato, os critérios utilizados para a decisão da Suspensão de Tutela Antecipatória nº 91 e da Suspensão de Segurança nº 3073 não poderiam ser aplicadas a todos os casos envolvendo a mesma problemática. A própria Ministra Ellen Gracie, nas Suspensões de Segurança 3205, 3158, 3183 e 3231, decide pela concessão do pleito diante da hipossuficiência dos impetrantes, dando maior atenção a análise dos casos concretos. Vejamos:

“Assim, no presente caso, atendo-me à hipossuficiência econômica da impetrante e de sua família, à enfermidade em questão, à inoperância de outras medicações já ministradas e a urgência do tratamento que requer a utilização do medicamento importado, em face dos pressupostos contidos no art. 4º da Lei 4.348/64, entendo que a interrupção do tratamento poderá ocasionar graves e irreparáveis danos à saúde e ao desenvolvimento da impetrante, ocorrendo, pois, o denominado perigo de dano inverso, o que faz demonstrar, em princípio, a plausibilidade jurídica da pretensão liminar deduzida no mandado de segurança em apreço. Ressalta-se que a discussão em relação à competência para a execução de programas de saúde e de distribuição de medicamentos não pode se sobrepor ao direito à saúde, assegurado pelo art. 196 da Constituição da República, que obriga todas as esferas de Governo a atuarem de forma solidária[21].

Assim, diante da hipossuficiência econômica da impetrante, da necessidade de tratamento contínuo da doença que a acomete e da natureza e do custo dos fármacos em questão, entendo que a ausência do tratamento poderá ocasionar graves e irreparáveis danos à saúde e à vida da paciente. Finalmente. Ressalta-se que a discussão em relação à competência para a execução de programas de saúde e de distribuição de medicamentos não pode se sobrepor ao direito à saúde, assegurado pelo art. 196 da Constituição da República, que obriga todas as esferas de Governo a atuarem de forma solidária[22].”

Percebemos certa divergência nas decisões proferidas pela Ministra. Os casos julgados eram muito semelhantes para permitir posicionamentos contraditórios. Em todos estavam presentes a gravidade e necessidade de continuidade do tratamento, inclusive na Suspensão de Tutela Antecipatória nº 91. Ademais, se o critério para a não concessão neste caso foi a inexistência dos fármacos no rol de medicamentos previstos na Portaria 1.318 do Ministério da Saúde, na Suspensão de Segurança 3205 e 3158 os medicamentos também não estavam previstos, porém, tiveram sua pretensão atendida.

Apesar de não estarem muito claros os critérios utilizados na concessão ou negativa do direito à saúde, as reflexões e argumentos utilizados nas decisões ganharam conteúdo, não se limitando ao mero reconhecimento da norma constitucional sem qualquer análise das questões econômico-financeiras que envolvem o tema.

5. AUDIÊNCIA PÚBLICA Nº 04

Diante da, ainda, incompletude de entendimento sobre o tema, outro momento merece grande destaque no “palco” do Supremo Tribunal Federal. Na tentativa de equacionar o tema, o então Presidente do Tribunal Superior, Ministro Gilmar Ferreira Mendes, à vista de vários pedidos de suspensão de segurança, suspensão de tutela antecipada e suspensão de liminar, convocou uma Audiência Pública para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em matéria de Saúde Pública, com o objetivo principal de esclarecer questões técnico-científicas, administrativas, político-econômicas e jurídicas relacionadas com a prestação do direito à saúde.

Realizada no período de 27 a 29 de abril e nos dias 04, 06 e 07 de maio do ano de 2009, a Audiência Pública nº 04 procurou abordar as principais temáticas envolvendo as ações de prestação da saúde.

O primeiro dia da sessão foi destinado a debater o acesso às prestações de saúde no Brasil e os desafios do Poder Judiciário. Houve uma preocupação com a discussão sobre o papel do Poder Judiciário na efetivação do direito à saúde, com reconhecimento majoritário sobre a legitimidade de sua atuação no âmbito das demandas individuais. Outros pontos destacados foram a questão da judicialização baseada em laudos médicos estranhos aos quadros do sistema público de saúde, sendo entendidos ilegítimos, salvo casos excepcionais, bem como, a responsabilidade dos entes federados, o dever do poder público custear prestações de saúde não abrangidas nas políticas públicas existentes, a possibilidade (ou não) do bloqueio de verbas públicas decorrentes de decisão judicial e da pertinência do princípio da reserva do possível, sem, contudo, ser possível a identificação de posicionamento majoritário nesses casos.

O segundo dia foi dedicado à abordagem das questões relativas à responsabilidade dos entes federados e ao financiamento do Sistema Único de Saúde. Houve declaração maciça, por parte dos gestores estaduais e municipais, sobre a sobrecarga imposta aos municípios com os serviços de saúde, atacando ainda a condenação solidária dos entes federativos, a qual traz transtornos no momento do cumprimento judicial, propiciando, muitas vezes, a duplicidade de comprimento da tutela. Outro ponto importante foi a preocupação com a análise dos magistrados na concessão do pleito, devendo existir maior cuidado, não devendo deferir todo e qualquer pedido para fornecimento de medicamentos ou tratamentos.

O terceiro dia teve por objetivo o debate sobre a gestão e a legislação do Sistema Único de Saúde e acerca da universalidade do sistema. Os pontos de destaque foram a ilegitimidade de se buscar, judicialmente, produtos experimentais ou não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, bem como, da necessidade, anterior à judicialização, de haver uma negativa por parte da autoridade administrativa em atender à solicitação do paciente. Tentou se destacar a importância das ações civis públicas e a ausência de motivação do judiciário pelas ações coletivas. Ainda houve uma abordagem sobre a necessidade de escolha dos medicamentos de menor custo, na possibilidade de existência de fármaco similar e da ilegitimidade de indicação médica por marca de produto, em razão da diferença de preço entre as diversas marcas.

O quarto dia foi dedicado à abordagem das questões relacionadas ao registro dos medicamentos e insumos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, bem como dos protocolos e diretrizes terapêuticas do Sistema Único de Saúde. Da análise dos debates pode-se determinar a importância de comprovação de eficiência e qualidade de novos tratamentos, antes de sua concessão e, quanto ao fornecimento de medicamentos, da existência de registro prévio na ANVISA.

No quinto dia de debates, os temas abordaram as políticas públicas de saúde e a integralidade do sistema, identificando a necessidade de um equilíbrio na intervenção judicial, decidindo-se com base em um mínimo existencial e não, a partir de tratamentos experimentais, devendo priorizar, ainda, a concessão de medicamentos existentes em território nacional. Importante ponto abordado foi quanto à judicialização de pedidos de fornecimento de medicamento ou procedimento já inclusos nas políticas públicas de saúde e não fornecidos na forma devida, entendendo, que nessas situações se está diante de direito subjetivo inquestionável, passível de exigibilidade judicial imediata, entretanto, quando diante da ausência de prévia disponibilização do procedimento ou medicamento nas políticas já firmadas, deve-se priorizar, por meio de ação coletiva, a inclusão daquele nos programas já existentes.

No último dia de discussões, o tema tratado foi as políticas de assistência farmacêutica do Sistema Único de Saúde, concluindo-se, de forma quase unânime, que as listas de medicamentos previstos pelo Sistema Único de Saúde encontram-se ultrapassadas, principalmente no tocante aos medicamentos excepcionais.

Fica evidente que os debates abordaram os mais variados temas sobre a concessão do direito à saúde, entretanto, será que na referida audiência foram estabelecidos patamares a serem observados nas futuras decisões do Supremo Tribunal Federal? Os esclarecimentos foram suficientes para embasar a concessão ou negativa do fornecimento de medicamentos e tratamentos indispensáveis à garantia desse direito?

6. ATUAL POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Posteriormente à realização da Audiência Pública nº 04, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em 19 de maio de 2009, reafirmou a jurisprudência da própria Corte em decisão proferida no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 553.712/RS.

“Ademais, o aresto impugnado encontra-se em harmonia com a orientação da Corte que, ao julgar o RE 271.286-AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello, entendeu que o Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode se mostrar indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.

Salientou-se no referido julgado, que a regra contida no art. 196 da Constituição tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro[23].”

O Plenário do Supremo Tribunal Federal dá continuidade a esse entendimento, ao indeferir nove recursos interpostos pelo Poder Público contra decisões que determinaram a obrigatoriedade do fornecimento de medicamentos de alto custo e tratamentos não ofertados pelo Sistema Único de Saúde. Podemos destacar dessas decisões as Suspensões de Tutela Antecipada nº 175, 211 e 278, bem como, das Suspensões de Segurança nº 3724, 2944, 2361, 3345 e 3355. De modo a verificar se houve, de fato, mudanças no posicionamento do referido Tribunal, analisemos a decisão proferida na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175[24].

O primeiro ponto que merece destaque na presente decisão é a existência de uma preocupação, até mesmo excessiva, por parte do Ministro Gilmar Mendes, em demonstrar, todos os aspectos decorrentes do direito à saúde, desde a sua classificação como direito subjetivo, até as conclusões advindas da Audiência Pública nº 04.

“Diante da relevância da concretização do direito à saúde e da complexidade que envolve a discussão de fornecimento de tratamentos e medicamentos por parte do Poder Público, inclusive por determinação judicial, entendo necessário, inicialmente, retomar o tema sob uma perspectiva mais ampla, o que faço a partir de um juízo mínimo de deliberação a respeito das questões jurídicas presentes na ação principal, conforme tem entendido a jurisprudência desta Corte, da qual se destacam os seguintes julgados: SS-AgR nº 846/DF, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ 8.11.1996 e SS-AgR nº 1.272/RJ, Rel. Carlos Velloso, DJ 18.5.2001.

Passo então a analisar as questões complexas relacionadas à concretização do direito fundamental à saúde, levando em conta, para tanto, as experiências e os dados colhidos na Audiência Pública – Saúde, realizada neste Tribunal nos dias 27, 28 e 29 de abril e 4, 6 e 7 de maio de 2009.

A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à interpretação do artigo 196 da Constituição. Teses, muitas vezes antagônicas, proliferam-se em todas as instâncias do Poder Judiciário e na seara acadêmica. Tais teses buscam definir se, como e em que medida o direito constitucional à saúde se traduz em um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado, passível de garantia pela via judicial.

As divergências doutrinárias quanto ao efetivo âmbito de proteção da norma constitucional do direito à saúde decorem, especialmente, da natureza prestacional desse direito e da necessidade de compatibilização do que se convencionou denominar “mínimo existencial” e “reserva do possível” (Vorbehaltdes Möglichen).”

O Ministro destaca a existência de uma contraposição entre uma proibição de excesso, quanto à concessão desenfreada de medidas judiciais, e uma proibição de proteção insuficiente, a qual resultaria na ausência de atendimento necessário à manutenção da saúde (e vida) de quem necessitar.

“Como tenho analisado em estudos doutrinários, os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Haveria, assim, para utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma proibição de excesso (Übermassverbot), mas também uma proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot).

Em relação aos direitos sociais, é preciso levar em consideração que a prestação devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade específica de cada cidadão. Assim, enquanto o Estado tem que dispor de um determinado valor para arcar com o aparato capaz de garantir a liberdade dos cidadãos universalmente, no caso de um direito social como a saúde, por outro lado, deve dispor de valores variáveis em função das necessidades individuais de cada cidadão. Gastar mais recursos com uns do que com outros envolve, portanto, a adoção de critérios distributivos para esses recursos.”

A própria natureza do direito fundamental à saúde exige essa proibição de proteção insuficiente, de modo a garantir o acesso a um “mínimo existencial” previsto pelo texto constitucional. Interessante destacar a análise realizada no sentido de determinar a existência prévia, na elaboração de políticas públicas, de valores a serem utilizados em função das necessidades individuais de cada cidadão. De fato a universalização do direito à saúde não exclui as particularidades do caso individual, o qual, eventualmente, vai exigir gastos diversos daqueles despendidos para garantia do acesso universal. Deve sempre ser garantido o, já citado, “mínimo existencial”, devendo ser assegurado pelo Poder Judiciário diante da omissão do Poder Público.

“(…) defensores da atuação do Poder Judiciário na concretização dos direitos sociais, em especial do direito à saúde, argumentam que tais direitos são indisponíveis para a realização da dignidade da pessoa humana. Assim, ao menos o “mínimo existencial” de cada um dos direitos – exigência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana – não poderia deixar de ser objeto de apreciação judicial.”

Apesar dessa exigência de distribuição consciente das políticas públicas, o Poder Público atribui à judicialização excessiva e à concessão desenfreada de medidas judiciais, o resultado insuficiente alcançado pelo Sistema Único de Saúde. A intervenção do Poder Judiciário, mesmo diante da omissão estatal quanto à construção satisfatória dessas políticas, estaria violando, tanto o princípio da reserva do possível, quanto o princípio da separação dos Poderes. Entretanto, as decisões judiciais ainda são, em determinados casos, a única garantia de prestação de direitos sociais, especialmente do direito à saúde.

“O fato é que o denominado problema da “judicialização do direito à saúde” ganhou tamanha importância teórica e prática, que envolve não apenas os operadores do direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo. Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania, por outro, as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão entre os elaboradores e os executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área de saúde e além das possibilidades orçamentárias. (…) levando em conta a grande quantidade de processos e a complexidade das questões neles envolvidas, convoquei Audiência Pública para ouvir os especialistas em matéria de Saúde Pública (…) Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores envolvidos, ficou constatada a necessidade de se redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas. Portanto, não se cogita do problema da interferência judicial em âmbitos de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à formulação de políticas públicas.

Esse foi um dos primeiros entendimentos que sobressaiu nos debates ocorridos na Audiência Pública – Saúde: no Brasil, o problema talvez não seja de judicialização ou, em termos mais simples, de interferência do Poder Judiciário na criação e implementação de políticas públicas em matéria de saúde, pois o que ocorre, na quase totalidade dos casos, é apenas a determinação judicial do efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes.”

Como podemos verificar, o douto Ministro ressalta a constatação de um problema diverso. Aparentemente o problema da efetivação das Políticas Públicas pode ser atribuído à judicialização excessiva do direito à saúde, entretanto, após os debates ocorridos na Audiência Pública nº 04, foi possível verificar que, na maioria dos casos em que ocorreu a intervenção judicial, o tema discutido não era a disponibilização de tratamentos ou medicamentos não assegurados pela rede Pública, mas sim, a efetivação de políticas já asseguradas pelo Sistema Único de Saúde, portanto, passíveis de judicialização.

“Assim, também com base no que ficou esclarecido na Audiência Pública, o primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde, o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente.”

Outro ponto importante abordado na presente decisão tem por finalidade analisar a motivação quanto ao não fornecimento de determinada ação de saúde pelo Sistema Único de Saúde. O douto julgador levanta duas situações justificadoras da judicialização que visa à concessão de tratamentos não dispensados pela rede pública: 1º) O SUS fornece um tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente, ou; 2º) o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia.

A escolha deve ser, prioritariamente, pelo tratamento ofertado pelo Sistema Único de Saúde, como bem afirma o Ministro Gilmar Mendes, entretanto, esse entendimento não afasta a possibilidade de concessão de medida diversa, diante da especificidade de cada caso.

“(…) podemos concluir que em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a importância da política de saúde existente.

Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso. (…) Situação diferente é a que envolve a inexistência de tratamento na rede pública. Nesses casos, é preciso diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos novos tratamentos ainda não testados pelo Sistema de Saúde brasileiro.”

Na concessão desse tratamento diverso são necessários alguns cuidados. A obrigatoriedade quanto ao fornecimento de tratamentos e medicamentos experimentais fica afastada, diante da impossibilidade de verificação de sua segurança. Falta a essas drogas avaliação e aprovação dos órgãos competentes, o que impede sua concessão, não sendo possível obrigar o Sistema Único de Saúde a custeá-las. Em contrapartida, quando inexistir tratamento previsto pela rede pública, fica autorizado a judicialização do problema, devendo, porém, ser devidamente instruído com o máximo de provas possíveis acerca da legitimidade, segurança e eficácia do tratamento ou medicamento pleiteado.

“Quanto aos novos tratamentos (ainda não incorporados pelo SUS), é preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciação da matéria. (…) parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos, a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas. No entanto, é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar.”

Quanto à questão da solidariedade dos entes federados, o Plenário manteve entendimento já pacífico dentro do Tribunal Superior, determinando a responsabilidade solidária da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Ressalta a importância dos debates colhidos na Audiência Pública – Saúde, bem como, a existência de Proposta de Súmula Vinculante nº 4, que propõe tornar vinculante o entendimento jurisprudencial a respeito da responsabilidade solidária dos entes da Federação, a qual está no aguardo na apreciação do mérito do Recurso Extraordinário 466.471, concluso ao relator desde 09/11/2012.

O argumento do alto custo de um tratamento ou medicamento, desde que devidamente registrado na ANVISA, também não é suficiente para impedir a concessão pelo Poder Público. No presente julgamento, o Ministro entendeu pela improcedência da alegação de temor de que a manutenção da segurança pudesse servir como precedente negativo ao Poder Público, vindo a ensejar o denominado efeito multiplicador. Para o Ministro, nas ações desta natureza, cada caso deve ser analisado individualmente, considerando suas particularidades, o que impossibilita a ocorrência do efeito multiplicador.

Vemos que diversos parâmetros foram traçados na presente decisão, principalmente, levando em conta as discussões colhidas na Audiência Pública nº 04, tendo, inclusive, na voz do Ministro Gilmar Mendes, desenhado diversos critérios de julgamento, de modo a orientar as decisões futuras do Supremo Tribunal Federal e dos demais Tribunais do país, no tocante à efetividade do direito à saúde.

De fato é o que vem ocorrendo nas decisões posteriores à realização da Audiência Pública nº 04. O Supremo Tribunal Federal em decisão proferida no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 627.411/SE[25], o qual determinou a solidariedade da União quanto ao fornecimento de tratamento multidisciplinar e medicamentos necessários à manutenção da saúde, embasa sua decisão na jurisprudência formada na Suspensão de Tutela Antecipada 175 (já abordada), demonstrando uma continuidade de pensamento a cerca das questões envolvendo o direito à saúde.

Decisão interessante também foi a proferida na Suspensão de Liminar 710/RS[26], na qual o Ministro Joaquim Barbosa se manifesta sobre a suspensão de liminar formulada pela União objetivando suspender a decisão que determinou a concessão, a todas às pacientes acometidas de câncer de mama metastático, do medicamento de alto custo Trastuzumabe (Herceptin). Referido fármaco, apesar de ser dispensado regularmente pela rede Pública, não foi liberado pela ANVISA para pacientes neste estágio (mais grave) da doença, diante de inexpressivos resultados eficazes e ainda, pela existência de possível efeito colateral de insuficiência cardíaca grave aumentada em treze vezes. Apesar de não remeter às decisões anteriormente vistas, o douto julgador determina o indeferimento do pedido, uma vez que não restou comprovada a alegação de possível dano ao erário, bem como, por entender ser direito do paciente a escolha pelo tratamento, desde que conheça os riscos, principalmente por se tratar de medida que, muitas vezes, oferece a “esperança” necessária para a continuidade da luta pela vida.

“Estado não pode se substituir ao paciente ou aos seus médicos na indicação de qual tratamento a ser seguido. Se a paciente entende quais são os efeitos adversos possíveis advindos da administração do remédio e quais são as chances teóricas de sua eficácia, a opção por essa via de tratamento é íntima e inviolável. Nenhum ente federado pode afastar o paciente do caminho que esse cidadão tem por adequado, sob alegação de atuar em prol do interesse de saúde coletivo. No pior dos mundos possíveis, o acesso à medicação oferece ao paciente esperança, cuja densidade a ele cabe exclusivamente definir.”

Há entendimento pacífico existente no Supremo Tribunal Federal, sobre a legitimidade dos entes federados. Para o Tribunal, tanto a União, quanto os Estados, Distrito Federal e Municípios, são legítimos para figurar no pólo passivo de ação judicial que vise à garantia do direito à saúde. Também é entendimento pacífico a existência de responsabilidade solidaria entre eles, podendo ser condenados solidariamente à concessão do tratamento ou fármaco necessário à garantia desse direito, o que se evidencia na análise das decisões proferidas no Agravo em Recurso Extraordinário 715027/RS, 759915/RJ e 772150/RJ, bem como, no Recurso Extraordinário 753159/PE e 753514/RS.

A evolução ocorrida desde a promulgação da Constituição de 1988 não está ligada tão diretamente ao resultado das ações interpostas, uma vez que, em sua grande maioria, as decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal (e demais Tribunais de Justiça), ainda são favoráveis à concessão do tratamento ou medicamento necessário a manutenção do direito à saúde. Entretanto, a evolução no discurso merece grande destaque. A preocupação com uma fundamentação mais intimamente ligada ao caso concreto, tem transparecido nos julgados analisados. Além do que, a partir da Audiência Pública nº 04, foi possível a elaboração de parâmetros para orientação das futuras decisões, o que de fato tem ocorrido.

CONCLUSÃO

A importância da existência de garantia para a efetividade do direito à saúde é indiscutível. O caráter de direito fundamental que lhe foi atribuído, resulta na responsabilização de todo o sistema político, jurídico e administrativo do país. A insuficiência do serviço ofertado resultou (e, ainda tem resultado) na judicialização excessiva do direito à saúde. Porém, essa intervenção é de fato necessária. Pode-se observar no decorrer dos discursos elaborados, que a grande maioria dos pleitos relacionados com referido direito, tem por base o não fornecimento de tratamentos e medicamentos que deveriam ser garantidos pelo Sistema Único de Saúde, diante da existência de Portarias e Decretos que regulamentam o seu fornecimento. Os Tribunais têm identificado esse problema e assumindo a responsabilidade pela garantia do direito.

As jurisprudências trazidas aqui demonstram que havia uma necessidade na evolução dos discursos justificadores da concessão do pleito. A mera constatação da existência do direito à saúde como direito fundamental, e a consequente responsabilização dos entes federativos quanto ao fornecimento de “qualquer” tratamento ou medicamento pleiteado, não poderiam se perpetuar nas decisões proferidas. O aumento exponencial do fluxo de medidas judiciais concessivas exigia uma justificativa mais concisa.

Como ressaltado, as decisões continuam, em sua grande maioria, sendo favorável à garantia do direito à saúde, demonstrando o reconhecimento por parte do Supremo Tribunal Federal, da existência de responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive solidária, quanto à efetivação desses direitos. Entretanto, os argumentos que embasam as atuais decisões são muito mais atentos às particularidades do caso concreto, principalmente quanto à existência, ou não, de possível dano a ordem e economia pública, o que de fato possibilitaria uma negativa do pedido.

Existe, hoje, mais segurança jurídica nas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no tocante ao direito à saúde. Seus posicionamentos devem embasar, agora, as decisões proferidas nos inúmeros Tribunais do país, os quais, ainda proferem decisões concessivas, exclusivamente embasada na existência incontestável de um direito à saúde absoluto, bem como, decisões denegatórias, enraizadas na ideia (também incontestável) de que o Poder Público não possui condições de efetivar o direito à saúde de forma individual, principalmente, em razão da reserva do possível.

Como bem destaca o Ministro Gilmar Mendes em decisão já analisada no presente artigo, o direito à saúde possui um caráter universal e outro individual, assim, o Estado deve assegurar, através de políticas públicas, o acesso universal ao tratamento necessário à população, entretanto, deve dispor de valores variáveis em função das necessidades individuais de cada cidadão.

 

Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.
CANOTILHO, José; CORREIA, Marcus; CORREIA, Érica. Direitos Fundamentais Sociais. São Paulo: Saraiva, 2010. 220 p.
CARLI, Rita Felber de. Direito à Saúde como Direito Humano Fundamental: em busca de efetividade. 2006. 246 f.. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2006.
CURY, Ieda Tatiana. Direito Fundamental à Saúde: Evolução, Normatização e Efetividade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. 165 p.
FIGUEIREDO, Mariana Flichtiner. Direito Fundamental à Saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. 236 p.
GEBARA, Gassen Zaki. A Administração Pública no Estado Constitucional, os Direitos Sociais como Direitos Subjetivos e o Princípio da Reserva Orçamentária no Brasil e no Direito Comparado.
KELSEN, Hans. João Batista Machado. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes. 1999. 282 p.
NUNES, Rizatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: Doutrina e Jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 159 p.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais: na Constituição Federal de 1988. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2010. 182 p.
 
Notas:
[1]Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

[3]GEBARA, Gassen Zaki. A Administração Pública no Estado Constitucional, os Direitos Sociais como Direitos Subjetivos e o Princípio da Reserva Orçamentária no Brasil e no Direito Comparado. Professor titular do Centro Universitário da Grande Dourados e da Universidade Federal da Grande Dourados. Graduado em Direito pelo Centro Universitário da Grande Dourados (1982) e mestre em Direito pela Fundação Universidade de Brasília (2002). http://lattes.cnpq.br/4407379899661577. Professor da Especialização em Direitos Humanos e Cidadania da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados e Orientador do presente trabalho.

[4] O direitos fundamentais são tradicionalmente classificados em gerações ou dimensões, levando-se em conta o momento de seu surgimento e reconhecimento pelos ordenamentos constitucionais, porém, existe grande divergência na doutrina quanto a essa nomenclatura. Paulo Bonavides faz referência expressa ao termo gerações dos direitos fundamentais, sendo este o posicionamento seguido por vários constitucionalistas. Entretanto, parte da doutrina, entre eles Cançado Trindade, tem se levantado contra esse posicionamento, sob o argumento de que o termo “gerações” poderia passar a falsa ideia de substituição de uma geração por outra, o que jamais poderá acontecer, assim, de fato, o termo correto seria “dimensão” dos direitos fundamentais. Passada essa discussão, podemos falar na existência de três gerações/dimensões. Direitos de primeira geração/dimensão, como sendo aqueles que realçam o princípio da liberdade, ou seja, direitos civis e políticos, reconhecidos nas Revoluções Francesa e Americana. Como direitos de segunda geração/dimensão, poderíamos identificar as liberdades positivas, reais ou concretas, as quais acentuam o princípio da igualdade entre os homens, tratam-se dos direitos econômicos, sociais e culturais. Por fim, a terceira geração/dimensão consagraria os princípios da solidariedade e da fraternidade, sendo aqueles atribuídos genericamente a todas as formações sociais, protegendo interesses de titularidade coletiva ou difusa. Alguns autores já defendem a existência de uma quarta e quinta geração de direitos, porém, sem qualquer entendimento pacífico na doutrina.

[5]SARLET, 2002a, p. 5, apud, Mariana Filchtiner Figueiredo, Direito Fundamental à Saúde, 2007, p. 88.

[6]Cf. Mariana Filchtiner Figueiredo, Direito Fundamental à Saúde, 2007, p. 103

[7]Cf. Mariana Filchtiner Figueiredo, Direito Fundamental à Saúde, 2007, p. 105

[8]DALLARI, S; VENTURA, 2003, p. 35, apud, Mariana Filchtiner Figueiredo, Direito Fundamental à Saúde, 2007, p. 80.

[9]CANOTILHO, 2004, p.109, apud, Mariana Filchtiner Figueiredo, Direito Fundamental à Saúde, 2007, p. 131-132.

[10]Número exato de vagas; vagas fechadas que não podem ser aumentadas ou reduzidas.

[11]GEBARA, Gassen Zaki. A Administração Pública no Estado Constitucional, os Direitos Sociais como Direitos Subjetivos e o Princípio da Reserva Orçamentária no Brasil e no Direito Comparado.

[12]CANOTILHO, 2004, p.109, apud, Mariana Filchtiner Figueiredo, Direito Fundamental à Saúde, 2007, p. 132-133.

[13]Cf. HOLMES; SUSTEIN, 2000, p. 97-98, apud, Mariana Filchtiner Figueiredo, Direito Fundamental à Saúde, 2007, p. 135.

[14]Cf. Mariana Filchtiner Figueiredo, Direito Fundamental à Saúde, 2007, p. 137.

[15]GEBARA, Gassen Zaki. A Administração Pública no Estado Constitucional, os Direitos Sociais como Direitos Subjetivos e o Princípio da Reserva Orçamentária no Brasil e no Direito Comparado.

[16]RE 271286 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12/09/2000, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJ 24-11-2000 PP-00101 EMENT VOL-02013-07 PP-01409

[17]RE 198263, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, julgado em 12/02/2001, publicado em DJ 30/03/2001 P – 00144

[18]ADPF 45, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 29/04/2004, publicado em DJ 04/05/2004.

[19]SS 3073, Relator(a): Min. PRESIDENTE, Decisão Proferida pelo(a) Ministro(a) ELLEN GRACIE, julgado em 09/02/2007, publicado em DJ 14/02/2007 PP-00021.

[20] Notícia divulgada pelo jornal Estado de São Paulo. Página A11, 21 de maio de 2007.

[21]SS 3205, Relator(a): Min. PRESIDENTE, Decisão Proferida pelo(a) Ministro(a) ELLEN GRACIE, julgado em 31/05/2007, publicado em DJ 08/06/2007 PP-00023 RDDP n. 53, 2007, p. 175-177

[22]SS 3158, Relator(a): Min. PRESIDENTE, Decisão Proferida pelo(a) Ministro(a) ELLEN GRACIE, julgado em 31/05/2007, publicado em DJ 08/06/2007 PP-00022

[23]AI 553712 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 19/05/2009, DJe – 104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-09 PP-01777 RTv. 98, n. 887, p. 164-167

[24]STA 175 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00070

[25]RE 627411 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 18/09/2012, PROCESSO ELETRÔNICO Dje-193 DIVULG 01-10-2012 PUBLIC 02-10-2012.

[26]SL 710, Relator(a): Min. Presidente, Decisão Proferida pelo(a) Ministro(a) JOAQUIM BARBOSA, julgado em 05/09/2013, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-177 DIVULG 09/09/2013 PUBLIC 10/09/2013.


Informações Sobre o Autor

Tiago de Lima Marinho

Bacharel em Direito pela Universidade da Grande Dourados UNIGRAN. Pós-graduando em Direitos Humanos e Cidadania da Especialização em Direito da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados


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