A motivação das decisões judiciais como direito fundamental

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Resumo: O presente ensaio se propõe ao estudo dos principais aspectos acerca motivação das decisões judiciais, destacando-se o princípio do devido processo legal, a sua relação com a chamada criatividade judicial, que está obrigatoriamente vinculada àquela, bem como a sua relação com os direitos fundamentais e a efetividade dos direitos fundamentais sociais. Será O método utilizado como método de trabalho a pesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: Motivação Judicial. Estado de Democrático de Direito. Criatividade Judicial. Direitos Fundamentais Sociais.

Abstract: The present essay proposes the study of the major aspects of motivation of judicial decisions, emphasizing the principle of due process, their relationship with the so-called judicial creativity which is necessarily linked to that as well as its relation to the fundamental rights and effectiveness of fundamental social rights. The method will be used as a working method to literature.

Keywords: Judicial motivation. Democratic State. Rule of Law. Judicial creativity. Social Fundamental Rights.

Sumário: Introdução 1. Motivação Judicial como garantia do Estado Democrático e o Devido Processo Legal. 3. Motivação como Direito Fundamental 4. A necessidade da Motivação Judicial 5. Criatividade Judicial. 6. Motivação das decisões judiciais que concretizam direitos fundamentais sociais. Conclusão. Referências.

Introdução

Diante do agigantamento das demandas sociais no país, o poder judiciário se apresenta como um forte instrumento colocado à disposição dos cidadãos brasileiros em prol da defesa dos direitos individuais e sociais, visando à observância do mínimo existencial e a garantia de uma vida digna.

A Constituição de 1988 foi a primeira carta política Brasileira a prever expressamente o dever de motivação das decisões judiciais como garantia do cidadão contra o arbítrio judicial, sendo elevado a cláusula pétrea já que elencado entre os direitos e garantias fundamentais insculpidos no art. 5º da Constituição.

Esse fato atrelado à ampliação do papel do poder judiciário na efetivação dos direitos fundamentais amplia a importância da motivação judicial, exercendo função fundamental para o pleno exercício do direito de acesso à jurisdição, o que justifica a ampliação do debate acerca do tema.

1- Motivação judicial como garantia do Estado Democrático de Direito

A teoria da separação de poderes, desenvolvida por Montesquieu que prevê a autonomia entre os poderes, deve ser repensado diante do agigantamento do Estado, a fim de permitir s real paridade entre os poderes que compõem o Estado contemporâneo.

O Estado Democrático de Direito que tem como um dos alicerces o princípio da separação dos poderes não pode ser entendido de forma absoluta, uma vez que tem devem atuar de forma harmônica para alcançar os seus objetivos fundamentais.  Nesse contexto de readequação dos papéis exercidos pelos poderes do Estado é que se maximiza o papel da motivação judicial.

O poder judiciário, a par das críticas a sua legitimidade, tem na motivação judicial a justificação para seus atos, sendo necessária uma fundamentação real da decisão judicial no caso concreto, uma vez que se apresenta como forma de controle da sociedade do exercício da jurisdição dos seus limites, garantindo-se dessa forma a separação de poderes.

Cappelletti (1999, p.19) sustenta que a expansão do papel do judiciário representa uma resposta ao crescimento dos demais poderes estatais (legislativo e executivo), representando contrapeso necessário, num sistema democrático de checks and balances, à paralela expansão dos ramos políticos do estado moderno.   

No caso especifico brasileiro, a consolidação da democracia, as dificuldades econômicas perenes, aliadas à degradação dos costumes político-administrativos (corrupção, desvios de função), bem como a desagregação social (violência urbana, recrudescimento da miséria), também concorreram para o aumento das responsabilidades do judiciário. Assim, os diversos grupos sociais que compõem atualmente a sociedade brasileira tem percebido o poder judiciário como essencial para a afirmação dos direitos fundamentais e superação do déficit de cidadania (CAMPILONGO, Celso Furtado, 2002).

2- O Devido Processo Legal

O dever da motivação judicial se fundamenta no princípio fundamental do Processo Civil que é o do Devido Processo Legal, previsto expressamente pela Constituição Federal no art. 5º, inciso LIV.

Nas palavras de Nelson Nery (1999, p.30) “bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due process of Law para daí decorressem todas as consequências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécie”.

O devido processo legal, que engloba o princípio do contraditório e da ampla defesa, se faz presente na motivação das decisões judiciais, uma vez que pela análise dos fundamentos da decisão é possível identificar os elementos da fundamentação utilizados pelo juiz e se oportunizada as partes o direito de manifestação sobre os fatos e questões levadas a juízo.

O respeito ao dever de motivar representa a última expressão do contraditório, uma vez que implica obrigação do magistrado de levar em consideração toda a atividade das partes realizada no processo, seja na prolação da decisão final, seja na decisão de uma questão durante o decorrer do processo (por exemplo, o indeferimento da produção de determinada prova). É importante destacar que não interessa a mera participação dos interessados no processo, na medida em que as ponderações devem ser necessariamente, analisada pelo julgador, que pode aceitá-las ou não, explicando a sua opção (HARTMANN, 2010).

É defeso ao juiz da causa proferir decisão sem que tenha observado o due process of law, devendo julgar a causa segundo os critérios técnicos para aplicação das normas jurídicas ao caso concreto. Dessa forma, a sua observância ensejará a preservação da idoneidade do órgão julgador, bem como a garantia da imparcialidade da decisão judicial proferida.

3- A motivação como direito fundamental

Os direitos fundamentais são apresentados pela doutrina como um conjunto de direitos formados pelos direitos individuais, políticos e sociais. Os direitos individuais são associados aos direitos de liberdade, o livre exercício dos direitos civis livre da atuação estatal. Os direitos políticos representam os direitos associados à livre participação dos indivíduos na vida pública do Estado, sendo corolário do princípio da igualdade. Por último, os direitos sociais, econômicos e culturais compõem a ideia de direitos fundamentais, a serem respeitados e fomentados pelo Estado a fim de garantir a existência plena dos indivíduos. 

Sarmento (2004, p. 375) defende que “os direitos fundamentais se constituem, ao lado da democracia, a espinha dorsal do Constitucionalismo Contemporâneo, sendo realidades históricas que resultam de lutas e batalhas travadas no tempo, em prol da afirmação da dignidade humana”.

“A fundamentação é, na verdade, direito fundamental misto, pois, além de direito fundamental de primeira dimensão, é direito fundamental social, tendo em vista a repercussão que sua inexistência pode causar tanto no âmbito social quanto no âmbito das garantias da justiça. Ademais, entende-se que, em sendo a resposta correta/adequada um direito fundamental do cidadão, também o é na medida em que representa a face da mesma moeda (MOTTA, 2012, p. 22/23)”.

A necessidade de motivação judicial das decisões judiciais é uma das facetas da garantia da proteção judicial efetiva, com a finalidade da realização de um processo de controle da decisão e ainda para eventual impugnação da parte prejudicada. É certo que todas as decisões proferidas dentro do processo deverão ser motivadas sejam interlocutórias ou definitivas (MENDES ET AL, 2009). 

A fundamentação é garantia do cidadão contra arbitrariedades das autoridades, permitindo descobrir se a decisão judicial é adequada pela demonstração dos motivos pelos quais uma determinada decisão foi proferida no caso concreto, sendo uma das características do Estado Democrático de Direito. Ao contrário, a falta de fundamentação é característica dos regimes totalitários, não se sabendo ao certo as razões da decisão, tampouco real motivação de determinado ato.

Portanto, em última análise a fundamentação das decisões judiciais é um direito fundamental, pois é a garantia mínima para o desenvolvimento e/ou a manutenção do Estado de Direito. O direito de fundamentação é garantido a cada cidadão e a toda a coletividade, que se aproveita dessa fundamentação, seja para saber as razões de decidir do julgador, seja para controlar a constitucionalidade (MOTTA, 2012, p. 136).

4- A necessidade de motivação das decisões judiciais

O dever de motivação tem previsão constitucional, funcionando como regra geral, devendo ser aplicada a qualquer decisão, nos termos do art. 93, inciso IX da Constituição Brasileira.

O dever de motivação judicial também pode ser extraído da redação do art. 5º, inciso LXI, quando determinada que a ordem de prisão deverá ser fundamentada pela autoridade judiciária competente.

Assim, a motivação alcança status de direito fundamental à fundamentação, garantindo que sejam revelados os fundamentos e motivação de determinada decisão pelo magistrado, tendo uma dupla função no Estado Democrático de Direito, funcionando como garantia do cidadão contra possíveis excessos do julgador e impondo limites ao poder jurisdicional.

O dever de motivação deve ser observado pelo magistrado quando se debruça sobre a motivação tanto quanto as questões jurídicas quanto das questões fáticas. A concepção racional da decisão reflete diretamente a natureza e a função da motivação judicial e, consequentemente, pressupõe uma concepção racional do juízo fático e da valorização das provas (CAMBI, 2011).

Fundamentar significa o magistrado dar suas razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem aplicação substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão (NERY JR,1999).

Na decisão judicial, o juiz não pode apenas fazer alusão as provas produzidas por uma das partes do processo, devendo, para justificar a sua decisão, deverá demonstrar porque certas provas produzidas pela parte perdedora não lhe convenceram (MARINONI; ARENHART, 2008).

“Se ninguém nega a importância da motivação como garantia do cidadão, pouco importa alardear isso de forma demagógica. Se o juiz tem o dever de motivar a sentença é preciso que ele possa decidir com base em critérios racionais explicáveis. Ou melhor, é necessário que a decisão se funde em critérios racionais, e, além disso, que sejam racionalmente justificados ou explicados” (MARINONI; ARENHART, 2008, p.490).

Contudo, embora exista a necessidade de valoração positiva e negativa das provas, não é razoável exigir que o magistrado enfrente todos os fundamentos de direito apresentados pelas partes, uma vez que o acolhimento de um dos fundamentos pode ser suficiente para que seja proferida a decisão. De fato, é contraproducente o exaurimento de todos os elementos levantados pelas partes do processo, diante da crescente demanda de ações no poder judiciário brasileiro, o que dificultaria a apreciação de todas as causas postas para apreciação.

A importância da fundamentação racional relaciona-se a legitimidade da função jurisdicional, uma vez que a justificação da decisão judicial é imprescindível para a prestação de contas de suas razões de decidir ao público, bem como confere ao litigante a possibilidade de controlar a decisão (MARINONI; ARENHART, 2008, p.492).

A motivação da decisão é importante para todas as partes do processo, tendo para o perdedor duas funções: permite a possibilidade de recurso e ainda a busca de conforto e explicação na justificação judicial.

A motivação permite às partes do processo identificar precisamente quais os motivos que levaram o juiz a julgar daquela forma, a fazer determinada escolha no momento de decidir, a fim de avaliarem a conveniência de recorrer. Indo mais além, a motivação adequada possibilita ao sucumbente definir o objeto e a profundidade da impugnação.  Assim, uma decisão carecedora de motivação, transforma-se em obstáculo ao exercício do direito ao contraditório pela parte prejudicada, na medida em que enfrentará dificuldades para aduzir adequadamente às razões de seu recurso.

A escorreita fundamentação das decisões judiciais garante ao Poder Judiciário um papel legítimo de manifestação num Estado Democrático de Direito, exercendo a motivação uma finalidade política, na medida em que adquire natureza de garantia de limitação do poder estatal ante a opinião pública.

A motivação passa a ser utilizada não apenas como simples justificativa da lei que foi aplicada no caso concreto, mas como forma de concretizar o direito e de legitimar a atuação do Poder Judiciário (SILVA, 2012).

Pode-se dizer que o dever de motivação possui dupla função: a primeira endoprocessual que consiste em facilitar a impugnação por intermédio dos recursos, que se insere na garantia constitucional da ampla defesa, servindo de meio de controle ao arbítrio judicial. A segunda função extraprocessual, servindo de mecanismo de controle do exercício do poder. A motivação serve a todas as partes do processo, porque ao perdedor abre a possibilidade de recorrer de forma plena, servindo a motivação de explicação para a decisão e também se dirige a terceiros, na medida em que tem direito de conhecer as razões do julgamento, para o pleno exercício da cidadania, podendo ainda controlar o exercício do poder jurisdicional (CAMBI, 2011).

É através da motivação que se é garantida a independência e a imparcialidade do juiz, corolários do devido processo legal. Essas garantias estão interligadas, sendo a independência pressuposto da imparcialidade e a imparcialidade é manifestação da independência do magistrado no âmbito do processo (HARTMANN, 2010). Dessa maneira, o que se almeja é a observância do princípio da separação de poderes, evitando-se interferências indevidas nas decisões judiciais pelos demais poderes e vice-versa.

“No Estado Democrático de Direito não se admite que as decisões judiciais sejam tomadas por critérios meramente emotivos ou pela citação vaga de princípios, sem a criteriosa análise do caso concreto e desacompanhada de argumentação jurídica sólida. Quanto mais vaga é a norma, maiores são os ônus argumentativos do intérprete” (CAMBI, p. 304).

5- Criatividade judicial

O princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. da Constituição brasileira, exige uma resposta rápida e eficiente do julgador, diante do volume de demandas submetidas à decisão, ainda que inexistente norma legal que preveja a situação fática, exigindo um esforço do juiz para alcançar uma decisão justa, sendo necessário o uso da criatividade judicial.

A decisão fundamentada na criatividade judicial não deve ser entendida como decisão arbitrária, fruto do livre arbítrio do magistrado, uma vez que deverá justificar e motivar as razões que embasam a decisão nos princípios, fundamentos e valores que norteiam o ordenamento jurídico vigente.

Quando existe indeterminação, o ato judicial deixa de ser mera aplicação do direito positivo, mas criação normativa, contudo de nível distinto daquele elaborado pelo legislador. O juiz cria a norma do caso que é conectado ao sistema, sendo elaborada uma norma jurídica individualizada, cujas regras de produção devem ser respeitadas, como acontece no ato legislativo. Há uma inseparabilidade entre a questão de direito em abstrato e a questão de direito em concreto (LORENZETTI, 2010).

Muitos são os casos de ineficiência do instrumento processual ou até de ausência de disciplina legal, a exigir uma atividade criativa do juiz também nesse plano. Contudo, a tutela jurisdicional também não pode ser simplesmente concedida à parte, mas deve ser apta a outorgar a quem tem razão uma proteção eficaz do direito reconhecido, garantindo-se que os conflitos não fiquem sem resposta do Poder Judiciário (SILVA, 2012).

A criatividade jurisdicional – criatividade de direito e de valores – é ao mesmo tempo inevitável e legítima, e que o problema real e concreto, ao invés, é o da medida de tal criatividade, portanto, das restrições (CAPPELLETTI, 1999).

As decisões que envolvem a atividade criativa do juiz potencializam o dever de fundamentação, por não estarem inteiramente legitimadas pela lógica da separação dos poderes – por esta última, o juiz limita-se a aplicar, no caso concreto, a decisão abstrata tomada pelo legislador. Para assegurar a legitimidade e a racionalidade de sua interpretação nessas situações, o intérprete deverá, em meio a outras considerações: reconduzi-la sempre ao sistema jurídico, a uma norma constitucional ou legal que lhe sirva de fundamento, utilizar-se de um fundamento jurídico que possa ser generalizado aos casos equiparáveis, que tenha pretensão de universalidade: decisões judiciais não devem ser casuísticas, e levar em conta as consequências práticas que a sua decisão produzirá no mundo dos fatos (BARROSO, 2007).

Diz Cappelletti (1999), que o verdadeiro problema é o grau e o modo de criatividade judicial, os limites e aceitabilidade da criação do direito por obra dos tribunais judiciários. Haverá sempre certo grau de criatividade, sendo esta inerente a toda interpretação, não só a interpretação do direito, mas concernente a todos os outros produtos da civilização humana, como a música e a literatura.

A criatividade judicial não pode ser confundida com total liberdade do intérprete, tampouco com arbitrariedade, uma vez que a decisão judicial não está despida de vínculos ou parâmetros que são extraídos do próprio ordenamento jurídico.

Dworkin (2008, P. 127) afirma que mesmo quando nenhuma regra regula o caso, uma das partes, pode ainda assim ter o direito de ganhar a causa. O juiz continua tendo o dever, mesmo nos casos difíceis, de descobrir quais são os direitos das partes, e não de inventar direitos retroativamente. 

O que deve ser pensado é que as escolhas que o julgador faz quando interpreta e aplica a norma ao caso concreto deverão sempre ser fundamentadas, em face do caráter criativo da jurisdição, garantindo a sua legitimidade nas escolhas e possibilitar o seu controle.

Há limites substanciais e processuais que devem balizar a decisão judicial. No que concerne aos limites substanciais, estes vinculam o juiz, mesmo que não completamente, variando profundamente de época para época e de sociedade para sociedade e até mesmo da mesma época e sociedade (CAPPELLETTI, 1999).

Quanto aos limites processuais, as características e princípios são a imparcialidade judicial, o direito ao contraditório e o princípio da inércia da jurisdição. Esses limites processuais são as características essenciais que diferem o processo jurisdicional dos de natureza política (CAPPELLETTI, 1999).

A existência de liberdade para julgar não significa dizer que a decisão judicial está alheia e desatrelada aos princípios, regras e a historicidade que norteiam o Estado Democrático de Direito. Na verdade, o julgador estará atrelado a todos esses elementos e ao próprio fato objeto da decisão, devendo a decisão ser proferida com responsabilidade e adequação ao fato concreto.

6- Motivação nas decisões judiciais que efetivam direitos fundamentais sociais

Um aspecto importante da necessidade de motivação nas decisões judiciais são aquelas em que se pretende dar efetividade as normas constitucionais que efetivem os direitos fundamentais sociais.

Atualmente, a jurisprudência brasileira vem entendendo que cabe o poder judiciário o dever de garantir a eficácia dos direitos sociais, como expressão dos direitos fundamentais, insculpidos na Constituição de 1988. Assim, a via judicial é um forte instrumento à disposição da sociedade em defesa dos direitos individuais e sociais, visando realizar os fundamentos do Estado Democrático de Direito da cidadania e da dignidade da pessoa humana.

O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de se manifestar sobre a matéria, ficando clara a opção da corte pela legitimidade do judiciário em intervir em situações jurídicas para garantir a efetividade dos direitos sociais que no direito brasileiro se revestem de fundamentalidade, entendendo que “Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional[1]”.

O que se observa é que o Poder Judiciário tem uma missão muito mais ampla do que resolver litígios individuais e fiscalizar a consti­tucionalidade dos atos administrativos e legislativos, cabendo-lhe determinar aos demais poderes a execução de políticas públicas quando forem omissos nessa iniciativa, a fim de garantir a eficácia aos direitos fundamentais sociais.

“A magistratura ocupa um posição singular nessa nova engenharia institucional. Além de suas funções usuais, cabe ao judiciário controlar a constitucionalidade e o caráter democrático das regulações sociais. Mais ainda: o juiz passa a integrar o circuito da negociação política. Garantir as políticas públicas, impedir o desvirtuamento privatista das ações estatais, enfrentar o processo de desinstitucionalização dos conflitos – apenas para arrolar algumas hipóteses de trabalho – significa atribuir ao magistrado uma função ativa no processo de afirmação da cidadania e da justiça substantiva. Assim, o juiz não aparece como o responsável pela tutela dos direitos e das situações subjetivas, mas também como um dos titulares da distribuição de recursos e da construção de equilíbrios entre interesses supra-individuais” (CAMPILONGO 2002, p. 49).

Assim, a judicialização dos direitos sociais, notadamente com o controle das chamadas políticas públicas, vem ganhando maior visibilidade no ordenamento jurídico pátrio, o que impõe ao julgador um maior esforço argumentativo que justifique a intervenção do judiciário numa seara que até pouco tempo se entendia ser reservada aos demais poderes da República. Deve ser nítido é que quando o judiciário intervêm em questões que tenham ingerência sobre as políticas públicas desenvolvidas pelo poder Executivo tem por finalidade dar força normativa à Constituição, sob pena de violação aos direitos fundamentais e a própria legitimidade das instituições da República.

Contudo, a ideia de controle judicial implica a observância de regras de racionalidade e motivação, sendo esta uma importantís­sima singularidade dos pronunciamentos judiciais. As decisões proferidas pelo Judiciário, relativas a qualquer tema, necessitam de motivação que se configura numa das prin­cipais garantias do cidadão e do jurisdicionado. Assim, o magistrado pode decidir o que melhor lhe aprouver, mas deve ser capaz de indicar o itinerário racional que o conduziu àquela conclusão (SARMENTO, 2001).

Aqui, são plenamente adequadas as ponderações colocadas acerca da motivação judicial e a criatividade judicial, sendo necessário maior esforço argumentativo do juiz para justificar a sua ingerência nas políticas públicas, a fim de evitar decisões arbitrárias ou manifestamente ilegais.

Conclusão

A guisa de conclusão observa-se que a motivação da decisão judicial é obstáculo instransponível para a validade da decisão judicial, uma vez que verdadeiro direito fundamental garantido pela Constituição pátria.

O controle jurisdicional é aquele exercido pelo Poder Judiciário, através do qual são solucionadas as questões jurídicas postas à apreciação, sendo o guardião do ordenamento jurídico e, em última análise, do próprio Estado Democrático de Direito.

Contudo, o amplo poder conferido ao Judiciário, reforçado pelo aumento das demandas judiciais em questões relacionadas ao controle de constitucionalidade das leis e ao controle de políticas públicas, aumenta o dever da motivação nas decisões judiciais.

O juiz Hércules de Dworkin não se mostra possível de ser alcançado, sendo apenas um ideário imaginado pelo cidadão que busca a perfeição da decisão judicial para a solução do conflito posto para a apreciação do juiz. Na prática, inexiste o juiz Hércules, contudo a motivação das decisões judiciais é uma forma de garantir ao cidadão uma decisão justa, com respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito e suas garantias fundamentais como o devido processo legal, a impossibilidade de juízo de exceção e demais garantias previstas no ordenamento pátrio.

A criatividade judicial é inerente a própria função jurisdicional, sendo impossível determinar quando o juiz poderá aplicá-la no caso concreto, uma vez que toda decisão judicial tem algum grau de criatividade, seja na mera aplicação da norma positivada ao caso concreto ou na fundamentação dos chamados hard cases.

O que se deve buscar é a adequada motivação judicial ao caso concreto, com todas as suas facetas, como meio de controle da decisão judicial, devendo haver perfeita sincronia entre os fatos levados a juízo e a fundamentação jurídica da decisão.

Vale ressaltar que a legitimidade do Poder Judiciário no exercício de suas funções se baseia na própria teoria da separação dos poderes, que deve ser observada sob o prisma do ordenamento jurídico que a alberga, sendo certo que as funções exercidas pelos poderes não são exclusivas, porém deverá ser respeitado o núcleo da função prevalente de cada poder, sob pena de intervenção indevida entre os demais poderes do Estado.

Referências:
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BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª edição. São Paulo: Malheiros, 2003.
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário – 2ª edição rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
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CAMPILONGO, Celso Furtado. Os desafios do judiciário: um enquadramento teórico. IN: Faria, José Eduardo (org.) Direitos Humanos, Direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 2002.
CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O princípio da dignidade da pessoa humana nas Constituições abertas e democráticas. IN: CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. 1988 – 1998: uma década de Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. (Trad.) Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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HARTMANN, Érica. A parcialidade do controle jurisdicional na motivação das decisões. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010. 
LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da Decisão Judicial – Fundamentos de Direito. 2ª edição revista. Tradução Bruno Miragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
MARINONI, Luis Guilherme e Arenhart, Sergio Cruz. Processo de Conhecimento. 7ª edição rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais – 3ª edição. São Paulo: Editora Altas, 2011.
MENDES, Gilmar Ferreira; Coelho, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional – 5ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2010.
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SILVA, Ana de Lourdes Coutinho. Motivação das decisões judiciais. São Paulo: Atlas, 2012.

Nota:
[1] Ação de Descumprimento Fundamental n. 45, de relatoria do Ministro Celso de Melo, Agravo Regimental nos autos de Recurso Extraordinário n. 410.715-5 AgR, Relator Celso de Mello, e agravo regimental em sede de recurso extraordinário 594.018-7 de relatoria do ex-ministro Eros Grau.


Informações Sobre o Autor

Carla Sodré da Mota Dessimoni

Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Pará


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