Eutanásia: o direito de morrer à luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana

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Resumo: A história nos mostra que a prática da eutanásia sempre esteve presente na humanidade, passando pelas mais variadas civilizações e chegando aos dias atuais carregada de posicionamentos contra e a favor. Afastando aqui, toda e qualquer posição religiosa, a quem se deve respeito, o tema será abordado levando-se em consideração direitos como liberdade, autonomia da vontade, vida digna, o fundamento do nosso Estado dignidade da pessoa humana e o princípio fundamental Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Eutanásia; Dignidade da Pessoa Humana; Autonomia da vontade.

Abstract: History shows that the practice of euthanasia has always been present in humanity , through the various civilizations and reaching today charged placements and against . Away from here , any religious position , to whom respect is due , the issue will be addressed taking into account rights to liberty, freedom of choice , dignified life, the foundation of our state human dignity and the fundamental principle of democratic rule right.

Keywords: Euthanasia ; Dignity of human person; Freedom of choice .

Sumário: 1 Introdução. 2 Antecedentes e evolução histórica do tema. 2.1 Classificação. 2.2 A eutanásia e o Estado Democrático de Direito. 2.3 A eutanásia e o direito comparado. 2.3.1 Holanda. 2.3.2 Bélgica. 2.3.3 Estados Unidos da América. 2.3.4 Uruguai. 3 A eutanásia frente à Constituição Federal de 1988. 4 A autonomia da vontade e a dignidade da pessoa humana. 5 Considerações finais. 6 Referências.   

1 Introdução

O presente trabalho tem como objetivo reacender o debate acerca da Eutanásia, haja vista tratar-se de tema caracterizador de grande insegurança jurídica, tanto para os cidadãos, quanto para todo cenário jurídico, gerando polêmica e questionamentos de ordem social, humana, ideológica e ética.

Aqui, se conhecerá os vários tipos de Eutanásia, bem como se fará um resgate histórico e, a partir do direito comparado serão analisadosos posicionamentos das diferentes culturas nos seus diversos sistemas jurídicos.

Procurar-se-á demonstrar que à luz do fundamento do nosso Estado dignidade da pessoa humana, necessário se faz a interpretação de todos os demais direitos inerentes ao ser humano, principalmente, a vida digna, a liberdade e a autonomia da vontade.

Sobre a eutanásia Luiz Flávio Gomes assevera que:

“A "morte digna", que respeita a razoabilidade (quando atendida uma série enorme de condições), elimina a dimensão material-normativa do tipo (ou seja: a tipicidade material) porque a morte, nesse caso, não é arbitrária, não é desarrazoada. Não há que se falar em resultado jurídico desvalioso nessa situação” (GOMES, 2007, p. 01).

Partindo do pressuposto que a decisão de buscar dar fim a vida é totalmente de quem a detém, não há que se atribuir culpa a outrem, buscando enquadrar em algum tipo penal.

“A base dessa valoração decorre de uma ponderação (em cada caso concreto) entre (de um lado) o interesse de proteção de um bem jurídico (que tende a proibir todo tipo de conduta perigosa relevante que possa ofendê-lo) e (de outro) o interesse geral de liberdade (que procura assegurar um âmbito de liberdade de ação, sem nenhuma ingerência estatal), fundado em valores constitucionais básicos como o da dignidade humana” (GOMES, 2007, p. 01).

A base de todo direito está na garantia de que o mesmo não venha ferir a liberdade de cada ser humano, nem a sua dignidade. Qualquer punição auferida pelo Estado que não respeite a liberdade e a dignidade do ser humano, tende a ser mera imposição, com a desculpa de que justiça está sendo feita, pois: “Todas as normas e princípios constitucionais pertinentes (artigos 1º, IV – dignidade da pessoa humana -; 5º: liberdade e autonomia da vontade etc.) conduzem à conclusão de que não se trata de uma morte (ou antecipação dela) desarrazoada (ou abusiva ou arbitrária)” (GOMES, 2007, p. 01).

Não se está diante da vontade de outrem, o ato de ceifar arbitrariamente a vida, e sim, ao respeito pelo direito próprio, garantindo a liberdade, inerente a todo ser humano, de decidir o que fazer com a própria vida, quando não se pode usufruí-la de forma digna. Nesse sentido, que seja assegurada uma morte honrada e necessária, quando o sofrimento se faz tão pesado, e as expectativas de vida já não existem mais, pois, conforme Rizzatto Nunes “A dignidade da pessoa humana como sendo um supraprincípio constitucional, se encontra acima dos demais princípios constitucionais”.(RIZZATO, 2002, p. 19)

2. Antecedentes e evolução histórica do tema

A prática da eutanásia não é algo novo, por se apresentar ao longo da história, desde o início da civilização até os tempos atuais.  Na Grécia antiga, Filósofos, como Sócrates, defendiam que se uma pessoa tivesse padecendo de doença que a conduzisse a um sofrimento extremo, o suicídio se justicava (Neto, 2003:1). Nesse sentido, o que importa não é o viver, e sim, o viver bem. Maria Helena Diniz, em O Estado Atual do Biodireito, faz menção a vários povos da antiguidade, nos quais, a eutanásia, ou práticas um tanto quanto questionáveis, se faziam presentes:

“Entre os povos primitivos era admitido o direito de matar doentes e velhos, mediante rituais desumanos. O povo espartano, por exemplo, arremessava idosos e recém-nascidos deformados do alto do Monte Taijeto.(…) os guardas judeus tinham o hábito de oferecer aos crucificados o vinho da morte ou vinho Moriam (…) Os brâmanes eliminavam recém-nascidos defeituosos  e velhos enfermos, por considerá-los imprestáveis aos interesses comunitários. Na Índia, lançavam no Ganges os incuráveis (…) Na antiguidade Romana, Cícero afirmava (De Legibus, III, 8, 19) que era dever do pai matar filho disforme(…) Os celtas matavam crianças disformes, velhos inválidos e doentes incuráveis” (DINIZ, 2006, p. 386).

Além disso, há textos bíblicos descrevendo a prática da Eutanásia:

“O rei Saul, de Israel, que gravemente ferido na guerra, para furtar-se ao sofrimento atroz e à possibilidade de cair vivo nas mãos dos filisteus, apressou a própria morte precipitando-se em sua espada, ou morrendo pela mão do amacelita ao qual, a crer-se no relato deste a Davi, pedira insistentemente lhe cortasse o fio da vida. E o amacelita, movido por piedade, praticou a primeira eutanásia, de que há positivo registro na história” (FAVERO, 1980, p. 984).

2.1 Classificação

A eutanásia, quanto ao modo, pode ser classificada em Ativa, Passiva, Duplo Efeito e Suicídio Assistido.

 Luiz Regis Prado, em relação a eutanásia ativa e passiva nos diz que “Na eutanásia ativa há uma ação realizada por terceiro no sentido de retirar a vida do enfermo, nesse caso são utilizados medicamentos controlados, overdoses e injeções letais. Na eutanásia passiva ocorre a interrupção dos tratamentos até então empregados no paciente” (PRADO, 2008, p. 69).

Nota-se que, portanto, independentemente da modalidade, a eutanásia reivindica a participação de um terceiro que age, ou se omite, frente ao caso concreto.

Na Eutanásia de Duplo Efeito, o médico administra uma medicação, com o intuito de aliviar o sofrimento. Contudo, com o tempo a medicação age no sistema imunológico, deixando-o cada vez mais vulnerável, até que o paciente venha a falecer.  Sobre o tema, Javier Gafoassevera alude que: “Diante de um canceroso que sofre grandes dores, é freqüente a aplicação de […] derivados da morfina. […] O médico pode não pretender acelerar a morte do doente, mas aliviar-lhe as dores. No entanto, é previsível que também se produza um encurtamento da sua vida” (GAFO, 2000, p. 99).

No suicídio assistido, outra pessoa, auxilia ou induz àquele que deseja por fim a sua vida. Além das classificações supra, tem-se ainda, a eutanásia voluntária, quando o paciente, manifesta a sua vontade em relação a não mais permanecer vivendo.  Apesar das inúmeras críticas acerca dessa vontade, pois muitos acreditam que o enfermo, nessas condições, não está com seu estado mental totalmente equilibrado.

A eutanásia involuntária consiste na realização do ato, contrariando a opinião do paciente, a pedido da família, ou quando não há familiares, o próprio médico decide.

Considera-se ainda, os conceitos de distanásia, ortotanásia, mistanásia, os quais, nas palavras de Javier Gafo assim se apresentam:

“O prefixo grego dis teria o sentido de “deformação do processo de morte”, de prolongamento, de dificuldade. Por isso, a palavra distanásia significaria o prolongamento exagerado do processo de morte de um paciente e seria quase uma crueldade terapêutica, porque provocaria uma morte cruel ao doente. […] O prefixo grego orto daria o sentido de “morte digna”. Ortotanásia tem o sentido da morte “a seu tempo”, sem abreviar propositadamente nem prolongar desproporcionalmente o processo de morrer. Essa ortotanásia é diferente da eutanásia – na nova terminologia que propomos – no sentido em que não pretende pôr termo à vida de um paciente” (GAFO, 2000, p. 104).

A mistanásia, termo utilizado para caracterizar a morte antes da hora, ocasionada pela falta de recursos ou de atendimento médico quando mais se precisava. É uma espécie de eutanásia que afeta as camadas mais desprovidas, política, social e economicamente falando, conforme José Roberto Goldim deixa claro:

“[…] dentro da grande categoria de mistanásia quero focalizar três situações: primeiro, a grande massa de doentes e deficientes que, por motivos políticos, sociais e econômicos, não chegam a ser pacientes, pois não conseguem ingressar efetivamente no sistema de atendimento médico; segundo, os doentes que conseguem ser pacientes para, em seguida, se tornar vítimas de erro médico e, terceiro, os pacientes que acabam sendo vítimas de má-prática por motivos econômicos, científicos ou sociopolíticos. A mistanásia é uma categoria que nos permite levar a sério o fenômeno da maldade humana” (GOLDIM, 2004, p. 01).

Postas essas considerações, é preciso indagar, se o direito a vida, formalmente falando, é amplamente defendido pelo ordenamento jurídico Pátrio, este dependerá, óbvia e diretamente, das condições de saúde em que as pessoas são submetidas.  Nesse sentido, levando-se em consideração que a Constituição Federal de 1988, nos artigos 6º e 196, garantiu a todos o direito à saúde, sendo dever do Estado sua oferta, se este não consegue efetivá-lo de modo que todos possam desfrutar de uma vida digna, e, ao contrário, permite que pessoas sejam submetidas, invariavelmente, à prática da eutanásia na forma de mistanásia, como negar o direito daqueles desejantes da morte, por não mais gozarem de dignidade em suas vidas, e ainda, terem que se submeter a tratamentos desumanos e cruéis, tendo como suporte a manutenção da “vida” a qualquer preço?

2.2 A eutanásia e o Estado Democrático de Direito

Partindo do pressuposto de que não existe direito absoluto, é perfeitamente cabível ao ser humano a possibilidade de definir sobre o direito de morrer, haja vista, não ter sido dada a este, a oportunidade de viver de forma digna. Assim, prolongar a morte seria submeter o ser humano a um sofrimento prolongado, dolorido, cansativo, e, logo, desumano, pois viver sendo submetido a intenso sofrimento, sem as mínimas condições de usufruir e gozar dos mais elementares componentes necessários a uma vida digna é alijar o ser humano dos seus direitos fundamentais, alicerçados na Carta Magna.

A título de esclarecimento, a Carta Constitucional de 1988 apregoa que “[…] ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano e degradante”(BRASIL, 2013, p. 08). Nesse diapasão, permitir, por exemplo, que a Ciência faça daquele que já não tem mais o prazer de viver uma cobaia humana, com tratamentos dolorosos, prolongados e sem uma certeza de que o quadro será revertido, é infringir o preceito constitucional em comento, proporcionando tratamento desumano e degradante.

Vale lembrar ainda, o direito à vida, previsto no caput do art. 5º da Constituição Federal abarca duas vertentes, vale dizer, a da vida biológica e a da digna. Nesse sentido, só se tem vida se essa for digna. Logo, pode-se afirmar tratar-se incoerência oferecer um prolongamento da existência, sem a garantia que a pessoa possa viver com o mínimo de qualidade, violando a circunstancia, em última instância, o fundamento do nosso Estado dignidade da pessoa humana, insculpido no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal.

Assim, como o direito à vida é amplamente defendido formalmente falando, há que se respeitar o direito do paciente de ter uma boa morte, o qual é resguardado à Pessoa Humana em um Estado Democrático de Direito, consagrado no caput do art. 1º da Constituição Federal, pois quando se pensa no direito à autonomia da vontade, deve-se conceber que a decisão acerca do objeto deste trabalho seja fruto da liberdade da pessoa, no sentido de escolher pelo que melhor lhe aprouver.

2.3 A eutanásia e o direito comparado

A partir do Direito Comparado, tem-se uma visão global de como variados Países lidam com o tema Eutanásia em seus ordenamentos jurídicos. Dentre os Estados possuidores de legislações favoráveis à prática da eutanásia, temos: na Europa, a Holanda, Bélgica, Suíça, Alemanha, Luxemburgo e Áustria. Na América do Norte, os Estados Unidos, nos Estados de Oregon, Washigton, Vermont, Montana, Texas, e na América do Sul temos o Uruguai e a Colômbia (MOLINARI, 2014, p. 01).

2.3.1. Holanda

Em abril de 2001, o Parlamento holandês alterou os artigos 293 e 294 da Lei Criminal holandesa, permitindo assim, a prática da Eutanásia e do Suicídio Assistido (MOLINARI, 2014, p. 03).

Os requisitos legais para que seja permitida a eutanásia, de acordo com a nova lei são: quando o paciente tiver uma doença incurável e estiver com dores insuportáveis; o paciente deve ter pedido, voluntariamente, para morrer; depois que um segundo médico tiver emitido sua opinião sobre o caso.  A nova lei permite, inclusive, que a eutanásia seja prática a partir dos 12 anos, sendo que, dos 12 aos 16, há necessidade de uma autorização dos pais (MOLINARI, 2014, p. 03).

A respeito, Maria Helena Diniz assevera:

Na Holanda, a eutanásia hoje está regulamentada por lei, mas era tolerada pela justiça se feita a pedido do paciente em estado terminal, atestado por dois médicos, sob diretrizes específicas estabelecidas, desde 1984, pela Comissão Governamental Holandesa para Eutanásia, disciplinada pela Royal Dutch Medical Association (RDMA) e pelo Ministério da Justiça” (DINIZ, 2006, p. 387).

2.3.2 Bélgica

A Bélgica, acompanhando a Holanda, legalizou a prática da eutanásia em 2002.  No início, somente maiores de 18 anos poderiam ser submetidos a ela.  Já em 2014, a prática foi permitida para pessoas de qualquer idade, desde que sua efetivação fosse acompanhada por uma comissão fiscalizadora. Porém, em relação às crianças, “a Lei definiu que a mesma deverá passar por uma avaliação, tanto do médico responsável quanto de um psiquiatra infantil, com objetivo de atestar maturidade do paciente” (MOLINARI, 2014, p. 04).

Importante ressaltar que o País possui um programa governamental em apoio de todos os que decidem dar fim a vida, porém não possuem recursos.  Nesse sentido, “o Estado arca com todos os gastos necessários para que se concretize a prática” (MOLINARI, 2014, p. 04).

2.3.3 Estados Unidos da América

Nos Estados Unidos da América, a definição da proibição ou permissão da Eutanásia é de autonomia de cada Estado da Federação.  Nesse sentido, “apenas cinco Estados lidam com o tema, porém, suas legislações não permitem a Eutanásia propriamente dita, apenas flexibilizam para que aja o suicídio ou morte assistida, onde o próprio paciente ingere medicamentos prescritos por um médico” (MOLINARI, 2014, p. 05).

2.3.4. Uruguai

O Uruguai é um dos pioneiros quando o assunto é Eutanásia.  “Mesmo não tendo uma legislação específica, seu código penal, desde 1934, prevê a possibilidade de isenção de pena a quem auxiliar a pessoa, no chamado homicídio piedoso” (MOLINARI, 2014, p. 02).

2.3.5. Colômbia

Em relação à Colômbia, a permissão do homicídio piedoso, “desde que houvesse assentimento do paciente, se deu a partir de 1997 pela Corte Constitucional, apesar de seu Código Penal prever pena para tal ato. Em meio a essa insegurança jurídica, o País convive com muitos casos de Eutanásia clandestina” (MOLINARI, 2014, p. 04).

3 A eutanásia frente à Constituição Federal de 1988

Uma análise mais profunda da Constituição Federal demonstra que o direito a vida, como citado acima, é um direito fundamental que não pode ser suprimido do texto constitucional, por se tratar de limitação material ao poder de reforma da Constituição, nos termos do inciso IV do § 4º do art. 60 da Constituição Federal.

Porém, analisando a alínea a do inciso XLVII do art. 5º da Constituição Federal, percebemos que o próprio ordenamento jurídico admite que a vida possa ser ceifada a partir da pena de morte, em caso de guerra declarada a outro País pelo Presidente da República.

Nesse horizonte, mister se faz suscitar o direito à liberdade individual, que o sujeito de direitos tem de se autodeterminar, vez cada indivíduo ter o livre arbítrio no sentido de decidir sobre o que é melhor para si. Podemos, portanto, avistar, de acordo com Raquel Sztajn “a conclusão que se segue é que a vida é uma espécie de direito cuja tutela se faz pela propriedade e cujo titular é o ser humano capaz, competente, apto a se autodeterminar […]” (SZTAJN, 2009, p. 253-254).

4 A autonomia da vontade e a dignidade da pessoa humana

A autonomia da vontade tem sua essência na liberdade que o ser humano tem em tomar decisões a partir de suas convicções. Dentro desta concepção, o indivíduo é autor de uma “lei”, a qual terá que seguir. Cumprir sua própria “lei” é sinal de maturidade daquele que vê na sua liberdade de decidir a concretização de uma vontade personalíssima e intransferível.

Para Immanuel Kant (2003) a autonomia é, portanto, o solo indispensável da dignidade na natureza humana ou de qualquer natureza racional, o que faz crer que, é nato da condição humana a garantia de que sua autonomia será, a qualquer modo, respeitada.

Sobre o assunto e sua relação com a proposta deste trabalho, Maria Helena Diniz alude que:

“O principio da autonomia requer que o profissional da saúde respeite a vontade do paciente, ou de seu representante, levando em conta, em certa medida, seus valores morais e crenças religiosas. Reconhece o domínio do paciente sobre a própria vida (corpo e mente) e o respeito à sua intimidade, restringindo, com isso, a intromissão alheia no mundo daquele que está sendo submetido a um tratamento” (DINIZ, 2006, p. 16).

Ser livre para decidir pela morte, quando não há mais vida, nem a garantia que vai tê-la, é a expressão mais sublime de que a autonomia da vontade ocupa espaço elevadíssimo no ordenamento jurídico, que só existe e se justifica no respeito à pessoa humana.

Sobre a autonomia da vontade e a eutanásia, desenvolve Volnei Ivo Carlin:

“Não há dúvida que a Eutanásia pode cessar o sofrimento físico e emocional do paciente, assim como de seus familiares, bem como cada um é dono de si mesmo. E se o suicídio é um direito do titular da vida, como negar-lhe o mesmo quando não mais lhe convém viver, quando ele mesmo renuncia, abdica, deste direito. Não pode a lei interferir na decisão, pois o paciente terminal, embora mantido vivo, artificialmente, por meio de sofisticados aparelhos, já não possui mais condições de interagir, ou atuar em situações singelas do cotidiano. "Retirar do ser humano sua dignidade, em nome de um direito absoluto, não é muito diferente do que sentenciá-lo à própria morte, em vida” (CARLIN, 1998, p. 143)

Nesse sentido, conforme desenvolvemos alhures, o inciso III do art. 1º da Constituição brasileira, evidencia o papel da pessoa como ente central de todo ordenamento jurídico a partir do princípio basilar da dignidade da pessoa humana. Assim, a razão da existência do Estado é a pessoa. Logo, todas as ações se convergem para garantir que o ser humano tenha uma existência digna. 

O Estado existe em função dos indivíduos que o compõem e não o contrário. Nessa perspectiva, escreveu José Afonso da Silva:

Dignidade da Pessoa Humana, é um valor supremo que atraí o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida, "concebido como referência constitucional unificadora a todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da Dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos dos direitos sociais, ou invocá-la para construir "teoria do núcleo da personalidade" individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana". Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 270), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc, não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana” (SILVA, 2000, p. 109).

Proporcionar ao ser humano dignidade é muito mais que garantir subsídios materiais necessários a sua existência.  É fornecer conjunto de direitos essenciais para se viver bem.  Estar vivo, ou seja, ter a garantia da vida, sem estar sustentado por um arcabouço de outros direitos é como lançar a pessoa humana em um vazio e querer que ela se satisfaça apenas com o mínimo.  Se existe vida, mas esta não é abundante, devido ao fardo pesado que está submetido o paciente, tendo que suportar tratamentos com a desculpa de manter a vida, que o expõem a experiências de dor e tortura, não significa dizer que se está respeitando a dignidade da pessoa humana.

A partir da dignidade da pessoa humana, viver e morrer devem ser defendidos da mesma forma, pois só há morte se houver uma vida que a preceda, logo, se essa vida não pode ser garantida de forma plena, que seja dado o direito de se ter uma morte digna, como Anderson Röhe assevera: “[…] quando a Carta de 1988 consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana – tornando-se a primeira Constituição brasileira a reconhecê-lo expressamente – foi aberta uma porta, não só para o direito a uma vida digna, também para o direito de morrer com dignidade. (RÖHE, 2004, p. 31).

Rizatto Nunes defende que sendo a dignidade um princípio basilar, não pode vir impregnado de dúvidas que desvirtuam seu caráter pleno: “A dignidade é garantida por um princípio, logo, é absoluta, plena, não pode sofrer arranhões nem ser vítima de argumentos que a coloquem num relativismo.” (NUNES, 2002, p. 48)

Ser portador de direitos, sem que estes sejam precedidos de dignidade, é como alimentar pessoas com fome, utilizando papel.  Ou seja, dá-se o que comer, porém, o alimento não é digno, o que gera malefícios maiores do que o seu não oferecimento.  Nessa seara, se é garantido, por exemplo, a todo cidadão os direitos à educação, saúde, moradia e inviolabilidade a tantos outros expressos no extenso rol do artigo 5º da Constituição, todos devem estar vinculados à Dignidade da Pessoa Humana.

Portanto, assegurar a vida a qualquer custo, sem que essa seja ornada pela dignidade é desrespeitar e sentenciar o ser humano a viver preso e torturado numa cadeia que não escolheu estar.  Prolongar a vida é prolongar o tempo de prisão e tortura.  Não seria esse um crime maior do que, atendendo à autonomia da vontade, permitir que se tenha uma morte repleta de dignidade?

5 Considerações finais

Este trabalho apresentado trouxe várias considerações acerca da Eutanásia.

Com seu desenvolvimento, pôde-se observar existirem vários Países onde a prática já está consolidada e assegurada em suas legislações. De outro lado, no Brasil, o tema ainda é tratado como tabu evidenciando seu atraso quando se pensa na consecução de direitos como liberdade, autonomia da vontade e vida digna, violando-se, em última instância, o fundamento do nosso Estado dignidade da pessoa bem como o princípio fundamental Estado Democrático de Direito.  

Por derradeiro, necessário frisar, valendo aqui, da Constituição Federal, a partir do supra Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, combinado com o Princípio da Autonomia da Vontade procurou-se voltar à discussão para quem, de fato, sofre ou é forçado a viver em intenso sofrimento, quando na verdade a sua vontade não é essa.

Resta claro, por tudo o que foi explanado, não há nada em nossa Constituição que vede ao indivíduo, a oportunidade de “escrever” o seu destino. Pelo contrário, esta é a essência da vida, o livre arbítrio, já que todos somos, formalmente falando, livres e iguais. É preciso que isso se fortaleça no mundo dos fatos!   

Pautar a temática, tendo como foco o ser humano, é no mínimo, considerar e respeitar sua vontade, frente a uma situação irreversível. Não se pode esquecer que a Lei que trata a vida como bem inviolável é a mesma que tem como Princípio o direito à liberdade.  Ser livre é ter autonomia para decidir o que melhor lhe aprouver. Ainda mais, quando a vida que está sendo oferecida, ou forçada, desprovida de dignidade.  Se comete crime aquele que age a pedido do outro, retirando-lhe a vida por não mais aguentar tamanho sofrimento, incorre no mesmo crime, quem, por meio de tratamentos ineficazes, apenas prolonga e, com isso, tortura, submetendo o ser humano a uma vida morta. Ou seja, é estar morto em vida. Se a vida não pode ser Digna, como todo ser humano merece, que pelo menos a morte o seja.

Referências
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Informações Sobre os Autores

Jozabed Ribeiro dos Santos

Advogado

Hugo Garcez Duarte

Mestre em Direito pela UNIPAC. Especialista em direito público pela Cndido Mendes. Coordenador de Iniciação Científica e professor do Curso de Direito da FADILESTE


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