Algumas considerações sobre a teoria da complexidade no auxílio à complementação do Direito

Resumo: A teoria da complexidade delineada por Edgar Morin pode ser de elevado valor para se trabalhar na proposição de formas de preencher lacunas onde o Direito não é capaz de encontrar soluções, nas variadas interações sociais da atualidade. Neste cenário, a interdisciplinaridade se faz extremamente necessária.

Palavras-chave: Teoria da complexidade. Lacunas. Direito. Interdisciplinaridade.

Abstract: Complexity theory outlined by Edgar Morin can be of high value to work in proposing ways to fill gaps where the law is not able to find solutions in various social interactions of today. In this scenario, interdisciplinarity becomes extremely necessary.
Keywords: Theory of complexity. Gaps. Right. Interdisciplinarity.

Introdução

     A partir do século XVI a racionalidade fez distinção entre conhecimento científico e conhecimento do senso comum e também entre natureza e pessoa humana, conforme explica Santos (1988, p.3). Desde então a ciência moderna mantém uma desconfiança frente às evidências da experiência cotidiana, o que acabou por separar o homem da natureza, que foi tida como passiva e eterna.

     Nesse contexto, toda a complexidade deveria ser reduzida e o que não era quantificável não era cientificamente relevante. Esse pensamento previa que a ordem ditava as regras do mundo, num ambiente em que já o passado se repete no futuro. Como se vê, constitui um conhecimento utilitário, focado na capacidade de explicar e transformar, ao invés de compreender a realidade do mundo.

     Desta forma, a filosofia da ciência moderna, a partir do pensamento cartesiano, fez surgir o positivismo do século XVIII, que até poucas décadas atrás ainda pregava que o conhecimento só era alcançado através do método científico-experimental. E isso tanto para as ciências naturais como para as ciências humanas.

     A grande revolução no paradigma da ciência moderna foi dada por Einstein, ao demonstrar que, por maior a quantidade de provas a favor de determinada teoria, esta nunca poderá ser aceita como definitivamente confirmada, já que até os mais sólidos esquemas podem sempre ser substituídos por novos. Logo, o progresso científico é revolucionário e complexo.

1 Ciência e complexidade

Os cientistas criam suas próprias redes, onde procuram captar o mundo real que, segundo Santos (1988, p.9), se inserem indivíduos que possuem um rigor de conhecimento estruturalmente limitado, que só podem aspirar a resultados aproximados, levando até as leis da física à apenas probabilísticas.

Nesse contexto,o determinismo mecanicista não é possível, porque a totalidade do real não se reduz à soma das partes em que são divididas para observar e medir. E mais, a distinção entre sujeito e objeto é muito mais complexa do que aparenta, pois a distinção deixa de ser dicotômica e assume a forma de um continuum. Por fim, a irreversibilidade nos sistemas abertos representa que estes são produtos de sua história.

No mundo complexo, a ciência caminha cada vez mais para a especialização. Onde o conhecimento é mais exigente quanto maior a especificidade do objeto. Destarte, esta organização do saber não permite a interdisciplinariedade na ciência moderna. Entretanto, hoje se reconhece que a disciplinarização do conhecimento são negativos.

Morin (2006, p. 13-14) permite uma melhor compreensão da complexidade ao expor:

“O que é a complexidade? A um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico. Mas então a complexidade se apresenta com os trações inquietantes do emaranhado, do inextricável, da desordem, da ambiguidade, da incerteza… Por isso o conhecimento necessita ordenar os fenômenos rechaçando a desordem, afastar o incerto, isto é, selecionar os elementos da ordem e da certeza, precisar, clarificar, distinguir, hierarquizar… Mas tais operações, necessária à inteligibilidade, correm risco de provocar a cegueira, se elas eliminam os outros aspectos do complexus; e efetivamente, como eu o indiquei, elas nos deixaram cegos.”

Um exemplo é o cristal que, a olho nu, aparenta uma perfeição que traduz o modelo de ordem. Mas, quando observados seus átomos, nota-se que a vibração destes é desordenada (PRIGOGINE e STENGERS, 1992). A turbulência em um gás, em contrapartida, que se impõe como a imagem da desordem, possui átomos girando de maneira ordenada. Desta maneira, se nota que nem toda a organização é perfeita.

2 Complexidade e Direito

O conhecimento é total e universal, mas não deixa de ser local. De forma que gira em torno de temas que são abraçados por certos grupos sociais como soluções de problemas locais, adaptados às necessidades de cada ambiente.

Hodiernamente, discutem-se aspectos globais até em nível municipal, inclusive quanto à legislação, como ocorre com as recomendações das Organizações das Nações Unidas, quanto à diminuição dos acidentes de trânsito no Brasil, por exemplo. Sem falar na economia, onde o comércio exterior influencia decisivamente nas culturas a serem plantadas e nos produtos a serem manufaturados. 

     Com isso, o Direito se volta à Filosofia e a Sociologia em busca da sensatez e do equilíbrio perdidos. Ou seja, apenas o Direito positivado não é capaz mais de atender os casos complexos.

Naveira (1998, p. 71) mostra um novo entendimento da realidade:

“Mas, ao longo do século XX, a ciência atualizou a sua visão clássica de uma realidade em permanente equilíbrio para uma visão de uma realidade sujeita, sim, a perturbações – mas que tendia naturalmente a retornar ao equilíbrio. Nessa nova etapa, a palavra-chave eficiência foi substituída pela palavra eficácia. Não bastava mais fazer bem-feito, era preciso agora que este bem-feito fosse adequado às circunstâncias vigentes. Era preciso fazer a coisa certa de um modo “suficientemente certo” enquanto ainda fosse tempo, de nada adiantando fazer certo a coisa errada, ou fazer a coisa certa tarde demais. Atributos como flexibilidade e criatividade adquiriram mais importância que a mera eficiência”.

     Por exemplo, na área de Administração Pública, o profissional de Direito não pode se fixar apenas no Direito Administrativo, mas também ter conhecimentos de Contabilidade e Economia. Isso leva à compreensão que o direito não é uma disciplina, mas uma instituição social complexa e interligada às demais, que pode ser verificada sob vários pontos de vista e que requer auxílio dos demais ramos do conhecimento tradicionais.

     A doutrina tradicional do Direito sempre primou pela visão jurídico-tecnicista, que excluía das análises jurídicas qualquer elemento não-jurídico, para supostamente garantir a cientificidade do direito, como preconizava Hans Kelsen na teoria pura do direito, em meados do século XX. Porém, o conhecimento técnico-jurídico foi mais importante para a atuação no campo técnico-profissional e, mesmo neste, o Direito puro não é mais suficiente, quiçá para resolver as questões mais profundas.

Considerações finais

     A epistemologia complexa inclui o indivíduo no contexto da construção das realidades e na produção científica (SERVA, 1992). A atual confrontação das regras jurídicas às situações concretas não são mais possíveis senão a partir do auxílio de outros ramos do saber, como a Filosofia, Sociologia e a Economia.

Os estudos sobre a complexidade de Edgar Morin e o discurso sobre as ciências de Boaventura de Souza Santos abriram caminho, há mais de três décadas, à melhor interpretação e aplicabilidade do Direito. Assim como, atualmente, o entendimento da importância da interdisciplinaridade no Direito se fez presente.

Referências:
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo.tradução do francês Eliane Lisboa. Porto Alegre: Sulina, 2006.
NAVEIRA, Rubens Bauer. Caos e complexidade nas organizações. Revista de Administração Pública, v. 2, n. 5, p. 69-80, 1998.
PRIGOGINE, Ilya. STENGERS, Isabele. Entre o tempo e a eternidade. Tradução do francês Roberto Leal Ferreira. São Paulo. Companhia das letras, 1992.
SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. Porto: Edições Afrontamento, 1988.
SERVA, Maurício. O paradigma da complexidade e analise organizacional. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v. 32, n. 2, p. 26-35, abr./jun. 1992.

Informações Sobre o Autor

João Carlos Parcianello

Mestre em Desenvolvimento pela UNIJUÍ. Bacharel em Direito pela UNIJUÍ


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