A inserção do regime disciplinar diferenciado no texto constitucional. Rigor ou necessidade?

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Resumo: O presente artigo busca analisar, rigorosamente, a constitucionalidade da inserção do regime disciplinar diferenciado na Constituição Federal. Além disso, não podemos deixar de abordar o aspecto meritório da PEC n.º 9/2007, que inspirou a elaboração do texto. Cuida-se, sem dúvida, de uma necessidade urgente, com o objetivo de individualizar determinados criminosos dentro do sistema carcerário. O regime disciplinar diferenciado, inserido dentro do regime fechado, é mais rígido, penoso e degradante, entretanto só poderá ser decretado em casos de extrema necessidade, e preencher os requisitos obrigatórios da legislação. Trata-se da prática de crime doloso que constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: I – duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; II – recolhimento em cela individual; III – visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; IV – o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.

Palavras-chave: Proposta de emenda. Constitucionalidade. Regime disciplinar diferenciado.

Abstract: This article aims to analyze rigorously the constitutionality of the inclusion of differentiated disciplinary regime in Brazilian Federal Constitution. Besides, we must address the merits aspect of PEC 9/2007, which have motivated the present work. The analysis showed that differentiated disciplinary regime has the following characteristics: I – maximum duration of 365 days, but may be reapplied to prisoners who commit the same type of grave crime, with up to one-sixth of the sentence; II – prisoners are kept in individual cells; III – they may have weekly visits of two people, not counting the children, which last two hours; and IV – criminals are entitled to exit the cell for two hours daily for sunbathing. This regime is more rigid, painful and degrading for the prisoners when it is inserted in the closed regime, however, it can only be demanded in cases of extreme need, which meet the mandatory requirements of Brazilian legislation. Provisional arrested or convicted prisoners are just subjected to the differentiated disciplinary regime, with no interference in their original penalty, if they commit felony practices, that constitutes serious misconduct and subversion of internal order or discipline. Undoubtedly, it is an urgent need, since it enables the system to individualize certain criminals within the correction facilities.

Keywords: PEC. Constitutionality. Differentiated disciplinary regime.

Sumário: Introdução – Finalidades da pena – Espécies de pena – Regime de penas – Regime disciplinar diferenciado – Proposta de Emenda à Constituição – Conclusão – Referências

INTRODUÇÃO

Uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir a pena privativa de liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere. Esta vertente importa claramente na busca de outras sanções para delinquentes sem periculosidade ou crimes menos graves. Não se trata de combater ou condenar a pena privativa da liberdade como resposta penal básica ao delito. Tal como no Brasil, a pena de prisão se encontra no âmago dos sistemas penais de todo o mundo. O que por ora se discute é a sua limitação aos casos de reconhecida necessidade[1].

As críticas que em todos os países se têm feito à pena privativa da liberdade fundamentam-se em fatos de crescente importância social, tais como o tipo de tratamento penal frequentemente inadequado e quase sempre pernicioso, a inutilidade dos métodos até agora empregados no tratamento de delinquentes habituais e multirreincidentes, os elevados custos da construção e manutenção dos estabelecimentos prisionais, as consequências maléficas para os infratores primários, ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena expressão, sujeitos, na intimidade do cárcere, a sevícias, corrupção e perda gradativa da aptidão para o trabalho[2].

Esse questionamento da privação da liberdade tem levado penalistas de numerosos países e a própria Organização das Nações Unidas a uma “procura mundial” de soluções alternativas para os infratores que não ponham em risco a paz e a segurança da sociedade[3].

A pena é a consequência natural imposta pelo Estado quando um indivíduo comete uma infração penal. Quando o agente pratica um fato típico, ilícito e culpável, abre-se a possibilidade para o Estado de levar a efeito o seu direito de punir[4].

Obviamente que o Estado, na posição de detentor do direito de punir, deve atribuir ao criminoso à retribuição do mal causado. Trata-se de um dos fundamentos da pena.

No Brasil, há três regimes de cumprimento de pena: se o crime for punido com reclusão, os regimes iniciais serão: fechado, semiaberto e aberto; e se o crime for punido com detenção, os regimes iniciais serão: semiaberto e aberto.

A Lei n.º 10.792 de dezembro de 2003, que modificou a redação da Lei n.º 7.210/84 – Lei de Execução Penal –, introduziu o regime disciplinar diferenciado no ordenamento jurídico brasileiro e provocou grande debate, na medida em que tal instituto tem se mostrado um tanto rigoroso e cruel.

O presente artigo busca verticalizar o Regime Disciplinar Diferenciado na Constituição Federal, levantando uma dúvida: rigor ou necessidade?

Tal possibilidade surgiu através da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) n.º 9, de 2007, de iniciativa do Deputado Carlos Souza e outros, cujo teor trata de acrescer alínea ao inciso XLVI, do art. 5º da Constituição Federal para prever o cumprimento das penas privativas de liberdade em regime disciplinar diferenciado por integrantes de organizações criminosas.

FINALIDADES DA PENA

Pena, como compendia Cuello Calòn, é o sofrimento imposto pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado de infração criminal[5].

Sem dúvida, a pena representa um sofrimento. Ainda que se lhe procura afastar o aspecto aflitivo, como tal é recebida por aquele a quem se destina. Sendo um sofrimento, exaurirá nesse atributo toda a sua natureza? A devassa concerne ao problema da finalidade da pena[6].

Para alguns, a pena é simplesmente aflitiva. Para outros, constitui, especialmente, precípua ou subsidiariamente, um caminho para a obtenção de certos benefícios, quer para o condenado, quer para a coletividade[7].

Ainda que o Direito Penal não tenha conseguido livrar a pena da eiva de castigo, são incontestáveis as suas múltiplas utilidades. Nestas duas fórmulas – prevenção geral e prevenção especial, cabem as vantagens da pena. Sob a regra da prevenção especial, tem-se em apreço a pessoa do delinquente, sobre o qual se exerce a medida repressiva. Embora destinada à repressão, a pena realiza uma função preventiva, quando afasta o indivíduo do seio social, impedindo-o de delinquir, e quando visa criar estímulos para que não torne a praticar crimes, quer infundindo-lhe o temor do castigo, quer procurando corrigi-lo, para que ele, melhorando moralmente, se sinta tendente a uma conduta compatível com a vida em sociedade[8].

A prevenção especial realiza-se, pois, de diversas maneiras. Norteia-a, de forma relevante, o desejo da correção dos criminosos. Tendo-a em vista, todos os esforços são empregados no sentido de tornar-se utilitária a pena privativa da liberdade. Essa esperança frequentemente se frustra. Mas, quando não seja possível corrigir determinado delinquente, a pena poderá, pelo menos, intimidá-lo, e servirá para livrar a comunidade, às vezes por dilatado tempo, da sua presença nociva[9].

Como meio de prevenção geral, a pena exerce, na coletividade, uma função intimidativa genérica, dirigida à massa dos cidadãos. Exerce-a através da cominação, em abstrato, na lei, e através da sua aplicação, nos casos concretos[10].

Imposta e executada pelo Estado, através do Direito Penal, a pena é providência de feito necessariamente público. Colima-a o processo movido contra o delinquente, o qual, julgado e condenado, por sentença que fundamentadamente examina a infração praticada, passa a cumprir a sanção que lhe coube consoante o preceituado na legislação penal, preenchida, nessa fase executória, por normas administrativas[11].

ESPÉCIES DE PENA

De acordo com o art. 32 do Código Penal brasileiro, temos as seguintes espécies de pena: privativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa.

As penas privativas de liberdade são: reclusão, detenção e prisão simples. As duas primeiras constituem consequência da prática de crimes e a terceira é aplicada às contravenções penais[12].

As penas restritivas de direitos são: prestação pecuniária; perda de bens e valores; prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.

A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

REGIMES DE PENA

A nova Parte Geral de 1984 do Código Penal e a Lei de Execução Penal expressam que a pena privativa de liberdade será cumprida de forma progressiva, passando o condenado para regime menos rigoroso, segundo o seu mérito, e define o Diploma Penal as particularidades de cada um dos regimes de execução de pena, bem como suas regras[13].

O regime, entendido como as características da forma de execução da pena privativa de liberdade, ou, como sustentam Andreucci e Pitombo, um conjunto de situações e de regras de uma modalidade de cumprimento de pena[14], tem como primeira referência o tipo de estabelecimento em que se executa a privação de liberdade[15].

O Código Penal apresenta os seguintes regimes de pena: fechado, semiaberto e aberto[16].

a) Regime fechado:

Considera-se regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média, com pena superior a 8 (oito) anos. A Lei n.º 11.671, de 08 de maio de 2008, estabeleceu regras de transferência e inclusão de presos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima.

A referida lei, em seu art. 3º, verbis: “serão recolhidos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima aqueles cuja medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso, condenado ou provisório”.

Além disso, pertinente mencionar o disposto na Lei n.º 7.210, de 11 de julho de 1984, Lei de Execução Penal, Capítulo II, Da Penitenciária, arts. 87 e 88, acerca do regime fechado, verbis:

“Art. 87. A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado.

Parágrafo único. A União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios poderão construir Penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em regime fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, nos termos do art. 52 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003).

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados)”.

O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para individualização da execução.

A Carta Cidadã ostenta em seu art. 5º, XLVI, “a lei regulará a individualização da pena”. Trata-se de aprimorar as circunstâncias particulares de cada condenado, com o foco de reinseri-lo no convívio social. Nesta senda, diz a Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal, verbis: “a cada sentenciado, conhecida a sua personalidade e analisado o fato cometido, corresponda tratamento penitenciário adequado”.

A Lei n.º 10.792, de 1º de dezembro de 2003, alterou a redação do art. 6º da Lei de Execução Penal. Hodiernamente, o art. 6º da Lei de Execução Penal esclarece que a classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório.

Embora haja divergências na doutrina sobre o exame criminológico, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o assunto. Vejamos:

“EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO. DETERMINAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO LEGAL. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. 2.  Consigna a Súmula n. 439 do Superior Tribunal de Justiça, verbis: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada, para aferir o requisito subjetivo da progressão”. Tal prova técnica pode ser determinada pelo magistrado de primeiro grau, ou mesmo pela Corte estadual, diante das circunstâncias do caso concreto e adequada motivação, para formação de seu convencimento. 3. Na hipótese, o Tribunal de Justiça de origem entendeu correta a exigência de avaliação do condenado por equipe multidisciplinar (exame criminológico), diante da vida carcerária conturbada do paciente – prática de falta de natureza grave no curso da execução penal. 4. Efetuado o exame criminológico, sua conclusão foi desfavorável ao deferimento do pedido de progressão de regime, salientando-se a imaturidade psicossocial do sentenciado e sua dificuldade em lidar com frustrações, capaz de gerar reações imprevisíveis. 5. Inexistência, portanto, de constrangimento ilegal, a justificar a concessão da ordem de ofício. 6. Habeas corpus não conhecido.

HC 342416 / SP; HABEAS CORPUS 2015/0300353-4; Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA (1170); Órgão julgador T5 – QUINTA TURMA; Data do julgamento 04/02/2016; Data da publicação DJe 15/02/2016.”

O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno.

O trabalho é um direito do preso, de acordo com o inciso II do art. 41 da Lei de Execução Penal. Sendo assim, se o Estado, em decorrência de sua ingerência administrativa, não lhe proporciona trabalho, ele não poderá ser prejudicado por isso, uma vez que o trabalho gera o direito à remição da pena, fazendo com que, para cada 3 (três) dias de trabalho, o Estado tenha de remir 1 (um) dia de pena do condenado[17].

O trabalho será em comum dentro do estabelecimento, na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do condenado, desde que compatíveis com a execução da pena.

O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina.

b) Regime semiaberto:

Considera-se regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, cuja a pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito).

Aplica-se, também, como no regime fechado, a realização do exame criminológico.

O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar.

O trabalho externo é admissível, bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior.

O trabalho do condenado em regime semiaberto possibilita, também, a remição de sua pena[18].

c) Regime aberto:

Considera-se regime aberto a execução da pena em casa do albergado ou estabelecimento adequado, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos.

O regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado.

O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga.

Com o advento da Lei n.º 12.433, de 29 de junho de 2011, alinhado com o art. 126, § 6º da Lei de Execução Penal, apontam que “o condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que usufrui liberdade condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino regular ou de educação profissional, parte do tempo de execução da pena ou do período de prova, observado o disposto no inciso I do § 1o deste artigo.” Cabe salientar que a Lei de Execução Penal isenta o trabalho nos moldes do art. 117 e seus incisos, “somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I – condenado maior de 70 (setenta) anos; II – condenado acometido de doença grave; III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV – condenada gestante.

O condenado será transferido do regime aberto, se praticar fato definido como crime doloso, se frustrar os fins da execução ou se, podendo, não pagar a multa cumulativamente aplicada.

REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

Após a megarrebelião de 2001, na qual a facção Primeiro Comando da Capital (PCC) expôs publicamente as fraquezas do governo estadual paulista na área da administração penitenciária, o Estado percebeu a necessidade de executar medidas de grande impacto para dar uma resposta à desmoralização imposta pela facção. Foi somente diante da exposição pública sofrida que o governo reagiu. O Regime Disciplinar Diferenciado foi o elemento central dessa reação[19].

O Regime Disciplinar Diferenciado é uma sanção disciplinar carcerária imposta a determinados presos e que se consubstancia em um conjunto de regras de extrema severidade que irá orientar o cumprimento da pena privativa de liberdade por certo período[20].

A Lei n.º 10.792/2003 introduz no ordenamento jurídico o regime disciplinar diferenciado para os presos provisórios e condenados, que pode ser aplicado nas seguintes hipóteses: a) quando a prática de fato previsto como crime doloso ocasione subversão da ordem ou disciplina internas; b) para presos nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade; c) para o acusado em que recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando[21].

O novo regime, inserido dentro do fechado, deve ser cumprido em total isolamento, devendo haver nos presídios equipamento de bloqueio de comunicação por telefone celular e outros aparelhos, além de detectores de metais para a submissão de qualquer pessoa que queira ingressar no estabelecimento, seja ocupante de cargo público ou não[22].

O regime disciplinar diferenciado é, em tese, caracterizado pelo seguinte: a) duração máxima de 360 dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; b) recolhimento em cela individual; c) visitas semanais de duas pessoas, sem contar crianças, com duração de duas horas; d) direito de saída da cela para banho de sol por duas horas diárias[23].

O Regime Disciplinar Diferenciado somente poderá ser decretado pelo juiz da execução penal, desde que proposto, em requerimento pormenorizado, pelo diretor do estabelecimento penal ou por outra autoridade administrativa, ouvido previamente o Parquet e a defesa. Embora o juiz tenha o prazo máximo de 15 dias para decidir a respeito, a autoridade administrativa, em caso de urgência, pode isolar o preso preventivamente, por até dez dias, aguardando a decisão judicial. O tempo de isolamento provisório será computado no período total de regime disciplinar diferenciado, como uma autêntica detração[24].

Note-se o rigor inconteste do mencionado regime, infelizmente criado para atender às necessidades prementes de combate ao crime organizado e aos líderes de facções que, de dentro dos presídios brasileiros, continuam a atuar na condução dos negócios criminosos fora do cárcere, além de incitarem seus comparsas soltos à prática de atos delituosos graves de todos os tipos[25].

Há discussão quanto à possibilidade da imposição do Regime Disciplinar Diferenciado de ofício pelo juiz. A lei não prevê, mas há autores que veem no poder geral de cautela do juiz uma justificativa que permitiria a decretação de ofício[26].

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO

Encontra-se na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição n.º 9, de 2007, de iniciativa do Deputado Carlos Souza e outros, cujo teor trata de acrescer alínea ao inciso XLVI do art. 5º da Constituição Federal para prever o cumprimento das penas privativas de liberdade em regime disciplinar diferenciado por integrantes de organizações criminosas.

Argumenta-se, para justificar a iniciativa, que, tendo em vista que líderes de tais organizações muitas vezes continuam a comandá-las e mesmo a praticar delitos mesmo quando se encontram presos, mostra-se apropriado então obriga-los a cumprir suas penas privativas de liberdade no regime disciplinar diferenciado já previsto em lei.

“Art. 1º O inciso XLVI do artigo 5º da Constituição Federal passa a vigorar acrescido da seguinte alínea:

“XLVI – ….

f) cumprimento da pena em regime disciplinar diferenciado, por parte de integrantes de organizações criminosas.”

Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.”

Esta Proposta de Emenda à Constituição visa a introduzir, no texto de nossa Carta Magna, dispositivo que permita o enfrentamento de organizações criminosas, como o famigerado P.C.C. (Primeiro Comando da Capital).

É sabido que os líderes de organizações desse tipo continuam a comandá-las durante o cumprimento das penas a que são condenados. Basta recordar o exemplo do ocorrido em maio de 2006, quando atos terroristas foram organizados e comandos por presos que deveriam estar isolados.

A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial. É teoria geral do Direito, não interpretação de particulares normas jurídicas, nacionais ou internacionais. Contudo, fornece uma teoria da interpretação[27].

Como teoria, quer única e exclusivamente conhecer o seu próprio objeto[28].

Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental[29].

Os direitos fundamentais – os quais advêm da própria natureza do indivíduo, sendo inalienáveis – a pesar de significarem “elementos constitutivos de legitimidade constitucional e, por conseguinte, elementos legitimativo-fundamentantes da própria ordem constitucional”[30], somente estão aptos a ser efetivamente materializados, a partir do momento em que passam a se constituir em normas. Noutras palavras, é a sua constitucionalização, ou seja, a sua incorporação ao sistema normativo, no espaço de norma fundamental, que os torna vinculativos. Daí percebe-se a importância da ordem constitucional, pelo prisma jurídico: é ela, afinal, quem estrutura o Estado, apresentando os princípios que o alimentam e, ao mesmo tempo, delimitam o seu poder de atuação, a respeitar a diversidade e a pluralidade das normas fundamentais[31].

Nesse diapasão, assume importância ímpar o ato de interpretação constitucional, de modo que alcança uma “série de particularidades que justificam seu tratamento diferençado, num estudo de certa maneira autônomo dos demais métodos interpretativos presentes no sistema jurídico”[32]. E, ainda mais relevante, no particular, é a concretização das normas constitucionais fundamentais, o ato da função jurisdicional do Estado. Com efeito, nesse momento é que, ultima ratio, se está a dizer e acentuar a significância de cada princípio informante e limitador dos atos estatais e das garantias dos cidadãos[33].

Verticalizando a PEC no Direito Constitucional Positivo, não há, em nossa concepção, óbice para impedir o andamento técnico da proposta. Trata-se de uma interpretação mais do que meritória, uma verdadeira benesse à coletividade, afinal a segurança é uma garantia fundamental de todos os cidadãos.

CONCLUSÃO

O crime é um fenômeno social que provavelmente não será extinto da face da terra. O direito penal, único ramo capaz de intervir nesse plano, protege todos os bens jurídicos tutelados pelo Estado.

Ao analisar a finalidade da pena, com o viés retributivo, contata-se o seguinte: trata-se de realizar a justiça, mediante a retribuição do mal causado pelo criminoso da norma penal, infligindo lhe outro mal, que é o rigor da pena criminal.

A pena, de acordo com Hegel, seria a negação da negação do direito, que é o crime. Pelo sofrimento do condenado, o direito lesado restaria restabelecido[34].

O regime disciplinar diferenciado é severo, rígido, eficaz ao combate do crime organizado, mas nunca desumano. Muito ao contrário, a determinação de isolamento em cela individual, antes de ofender, assegura a integridade física e moral do preso, evitando contra ele violências, ameaças, promiscuidade sexual e outros males que assolam o sistema penitenciário[35].

O tratamento legal mais rigoroso está em sintonia com a maior periculosidade social do seu destinatário. Quem busca destruir o Estado, criando governos paralelos tendentes ao controle da sociedade, deve ser enfrentado de modo mais contundente. Não se pode tratar de igual maneira um preso comum e um preso ligado a organizações criminosas. Além disso, o interesse público exige a proteção das pessoas de bem, mediante a efetiva segregação de indivíduos destemidos e incrédulos com a força dos poderes constituídos pelo Estado[36].

O regime disciplinar diferenciado tem se mostrado seguro, sem rebeliões e sem evasões, e justamente por esse motivo se apregoa a sua justiça. A Constituição Federal assegura a todos o direito à segurança, e o legislador andou acertadamente ao instituir um regime capaz de efetivar esse direito inerente a todas as pessoas[37].

 

Referências
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Notas:
[1] Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal, Lei 7.209/1984. Das penas, p. 236.
[2] Op. cit., p. 237.
[3] Op. cit., p. 237.
[4] GRECO, Rogério. Curso de direito penal, p. 533.
[5] EUGENIO CUELLO CALÓN Apud GARCIA (2008).
[6] GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal, v. I, tomo II, p. 05.
[7] Op. cit., p. 05.
[8] Op. cit., p. 05.
[9] Op. cit., p. 06.
[10] Op. cit., p. 06.
[11] Op. cit., p. 06.
[12] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, p. 359.
[13] REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal, p. 338.
[14] ANDREUCCI; PITOMBO Apud REALE JÚNIOR (2012).
[15] REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal, p. 338.
[16] Importante mencionar o regime especial insculpido no art. 37 “As mulheres cumprem pena em estabelecimento próprio, observando-se os deveres e direitos inerentes à sua condição pessoal, bem como, no que couber, o disposto neste Capítulo.”
[17] GRECO, Rogério. Código Penal Comentado, p. 150.
[18] GRECO, Rogério. Código Penal: comentado, p. 152.
[19] NUNES DIAS, Camila Caldeira. A instituição do regime disciplinar diferenciado para o controle da população carcerário: efeitos práticos e simbólicos, p. 405.
[20] BAROSI JUNIOR, Antonio Carlos. Regime disciplinar diferenciado – Sanção desumana ou medida adequada aos presos de alta periculosidade? p. 25.
[21] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal…, p. 658.
[22] NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, 261.
[23] Op. cit., p. 261.
[24] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal, p. 377-378.
[25] Op. cit., p. 378.
[26] GAMA; GOMES Apud BAROSI JUNIOR (2009).
[27] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, p. 1.
[28] Op. cit., p. 1.
[29] Op. cit., p. 1.
[30] PORTELLA Apud GOMES CANOTILHO (2005).
[31] PORTELLA, Glória Maria G. de Pádua Ribeiro. Princípios fundamentais constitucionais (A norma constitucional e a adaptação de seu sentido ao tempo hodierno, na perspectiva de Otto Pfersmann), p. 559.
[32] PORTELLA Apud BASTOS (2005).
[33] PORTELLA, Glória Maria G. de Pádua Ribeiro. Princípios fundamentais constitucionais (A norma constitucional e a adaptação de seu sentido ao tempo hodierno, na perspectiva de Otto Pfersmann), p. 560.
[34] TELES, Ney Moura. Direito Penal: Parte Geral – I (arts. 1º a 31 do Código Penal), p. 42.
[35] MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1, p. 666.
[36] Op. cit.
[37] Op. cit.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Cleudemir Malheiros Brito Filho

 

Bacharel em Direito pela Universidade Paulista; Especializando-se em Direito Penal e Processual Penal na Escola Paulista de Direito; Mestrando em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Professor de Direito Penal e Processual Penal na Associação de Ensino e Cultura do Estado do Mato Grosso do Sul AEMS

 


 

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