Princípio da presunção de inocência e a execução provisória da pena: uma análise acerca da histórica decisão do STF proferida no HC 126292

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a evolução do entendimento jurisprudencial e as alterações na legislação vigente referentes à execução provisória da pena, antes do transito em julgado da sentença penal condenatória, no direito penal brasileiro, diante da recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus 126.292, cujo tema divide o mundo jurídico acerca da violação ou não do princípio da não culpabilidade.

Palavras-Chave:Presunção da Inocência. Relativização. Processo Penal. Execução Provisória

Abstract: This article aims to analyze the evolution of jurisprudential understanding and changes in legislation relating to the provisional execution of the sentence before the final and unappealable decision of the criminal sentence , the Brazilian criminal law , before the recent decision by the Supreme Court in habeas Corpus 126,292 , whose theme divides the legal world about the violation or not the principle of no guilt .

Keywords: Presumption of Innocence. Relativization. Criminal proceedings. Provisional execution.

Sumário: 1. Introdução. 2. O princípio da presunção da inocência no direito brasileiro. 3. Breves considerações sobre a execução penal provisória. 4. Conclusão. Referências.

1. Introdução

O presente artigo tem como objetivo analisar a evolução do entendimento jurisprudencial e as alterações legais referentes à execução provisória da pena no sistema penal brasileiro, mormente diante da recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em fevereiro do corrente ano, no bojo do Habeas Corpus nº 126.292/SP.

No dia 17/02/2016, durante o julgamento do supracitado Habeas Corpus, o Supremo Tribunal Federal, superou seu próprio entendimento já consolidado desde o ano de 2009, ocasião em que, entendendo que a execução provisória da pena malferia o princípio da não culpabilidade, o guardião da constituição, de forma inédita na história da corte, concedeu Habeas Corpus individual, porém dotado de efeito geral, assim determinando que todos os Tribunais do Brasil liberassem quem estivesse custodiado pelo puro e simples efeito de acórdão condenatório nas instâncias ordinárias.Em um primeiro momento, a Suprema Corte entendeu que tal prática seria incompatível com a presunção de inocência, já que o Código de Processo Penal, de 1941, deveria ser lido à luz da Constituição de 1988, que, em seu art. 5º, inciso LVII, consagrava o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, daí extraindo-se a vedação à execução da pena, ainda que provisoriamente, antes do trânsito em julgado, momento esse em que efetivamente a culpa é formada.

O tema trazido à baila, na mesma medida que é importante, também é muito polêmico, tanto que a votação no julgamento do Habeas Corpus objeto dessas considerações foi tomada por maioria e trouxe uma grande discussão no mundo jurídico. Sendo assim, o presente artigo fará uma análise do princípio da presunção de inocência e sua relativização frente a execução provisória da pena, levando em consideração a novel decisão da Suprema Corte.

2. O Princípio da presunção da Inocência no Direito Brasileiro

Antes de adentrarmos nas considerações alusivas ao presente tópico, faz necessário para uma maior amplitude do tema, conceituar o que vem a ser princípio. Neste sentido, Guilherme de Souza Nucci:

“Princípio, etiologicamente, significa causa primária momento em que algo tem origem, elemento predominante na constituição de um corpo orgânico, preceito, regra, fonte de uma ação. Em Direito, princípio jurídico quer dizer uma ordenação que se irradia e imanta os sistemas de normas, conforme ensina José Afonso da silva (Curso de direito constitucional positivo, p.85), servindo de base para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo. Cada ramo do Direito possui princípios próprios, que informam todo o sistema, podendo estar expressamente previstos em Lei ou ser implícitos, isto é, resultar da conjugação de vários dispositivos legais, de acordo com a cultura jurídica formada com o passar dos anos de estudo de determinada matéria. O Processo Penal não foge à regra, sendo regido primordialmente, por princípios, que, por vezes, suplantam a própria literalidade da Lei(…).” (NUCCI, 2004. p. 36-37)

     O Direito Penal Brasileiro tinha suas raízes voltadas para uma execução rápida e uma imposição imediata da pena privativa de liberdade como uma resposta à agressão sofrida pela sociedade. A partir da Constituição Federal de 1988, mudanças ocorreram no sentido de dar mais estruturação a um sistema de direitos e garantias individuais, com isso consagrou-se o princípio da não-culpabilidade no artigo 5º, inciso LVII.

Inicialmente positivado no artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, como fruto da Revolução Francesa de 1789, este princípio foi reafirmado no art. 26 da Declaração Americana de Direitos e Deveres e no art. 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ambas de 1948, bem como no art. 8º, item 2, da Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969.

De forma mais especifica, a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica) destaca expressamente a presunção de inocência enquanto não comprovada a culpa do acusado, de modo diverso da redação dada ao art. 5º, LVII, da CF/88, que consagra a necessidade do trânsito em julgado da condenação para o reconhecimento da culpa. Entretanto, no meio doutrinário e jurisprudencial, o princípio da presunção de inocência é utilizado como sinônimo do princípio da presunção de não culpabilidade.

Sobre o tema, destaca-se o posicionamento adotado, entre outros, por Renato Brasileiro de Lima[1], segundo o qual a Convenção Americana de Direitos Humanos não exige o trânsito em julgado, mas, sim, a comprovação da culpa para ser afastada a dita presunção de inocência. Por meio de uma interpretação sistemática, extrai-se que restaria comprovada a culpa após o exercício do duplo grau de jurisdição. Por outro lado, a Constituição Federal de 1988, exige o trânsito em julgado da condenação para o afastamento da presunção de não culpabilidade.

A diferença acerca do momento da verificação da culpa, acima exposta, resulta, em verdade, da existência de dois sistemas mundiais para se afastar a presunção de inocência e, consequentemente, possibilitar a imediata execução da pena:  a) o sistema do trânsito em julgado final; e b) o sistema do duplo grau de jurisdição.

Conforme leciona Luiz Flávio Gomes:

“No primeiro sistema, somente depois de esgotados ‘todos os recursos’ (ordinários e extraordinários) é que a pena pode ser executada (salvo o caso de prisão preventiva, que ocorreria teoricamente em situações excepcionalíssimas). No segundo sistema a execução da pena exige dois julgamentos condenatórios feitos normalmente pelas instâncias ordinárias (1º e 2º graus). Nele há uma análise dupla dos fatos, das provas e do direito, leia-se, condenação imposta por uma instância e confirmada por outra.” (GOMES, 2016. p, 2.)

Neste sentido, assevera Antônio Magalhães Filho, em relação à Constituição Federal de 1988 e a Convenção Americana que:

As duas redações se completam, expressando os dois aspectos fundamentais da garantia. (…) diante da duplicidade de textos que proclamam a garantia, pode-se concluir que estão agora reconhecidos, ampla e completamente, todos os seus aspectos, não sendo possível negar-lhe aplicação mediante argumentos relacionados à interpretação meramente literal. (MAGALHÃES FILHO, 1994. p, 30.)

Assim, corroborando como pensamento exposto a Carta Magna no art.5º, §2º: “os direitos e garantias expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Neste ponto, vem à tona o Estatuto de Roma do Tribunal Internacional, art.66, promulgado no Brasil em 25 de setembro de 2002 mediante o Decreto nº. 4.388:

“Art.66. Presunção de Inocência. 1. Toda pessoa se presume inocente até prova de sua culpa perante o Tribunal, de acordo com o direito aplicável. 2. Incumbe ao procurador o ônus da prova da culpa do acusado. 3. Para proferir sentença condenatória, o Tribunal deve estar convencido de que o acusado é culpado, além de qualquer dúvida razoável.”

Tecidas algumas considerações, pudemos ver que a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, a qual autorizou a execução provisória da pena após sentença confirmada em segundo grau, trouxe uma evolução nesse aferente corroborando com várias legislações vigentes em outros países. Nesse sentido, entendemos que a novel decisão é um avanço e de sumo acerto, senão vejamos.

O princípio do duplo grau de jurisdição tem caráter materialmente constitucional em razão de ter o artigo 8, 2, “h”, da Convenção Americana de Direitos Humanos sido incorporado ao texto não escrito da Constituição (art. 5, § 2º da CF/88). Sendo assim, tendo o direito ao duplo grau assegurado tal como previsto, em um primeiro momento o réu é julgado por um juiz monocrático, que avalia fatos, provas e direito, se for o caso de impetração de recurso, já em um segundo momento, aquele é julgado por órgão colegiado, competente para análise fática, jurídica e probatória. É mister destacar que nem a Convenção, menos ainda a Constituição Federal de 1988, confere direito a terceiro grau de jurisdição. Nesta esteira, para Djanira Maria Radamés de Sá[2] o duplo grau de jurisdição consiste na “[…] possibilidade de reexame, de reapreciação da sentença definitiva proferida em determinada causa, por outro órgão de jurisdição que não o prolator da decisão, normalmente de hierarquia superior”.

É sabido, também, que há em nosso ordenamento jurídico a possibilidade de recorrer de forma excepcional, através do Recurso Especial e Recurso Extraordinário. O Recurso Especial tem por finalidade manter a hegemonia das leis infraconstitucionais, proteger o direito objetivo, ou seja, a norma jurídica de natureza infraconstitucional, está previsto no art. 105, III, da Constituição da República Federativa do Brasil, e no art. 541 do Código de Processo Civil. O STJ passou a ser órgão de cúpula da Justiça Comum, tanto Estadual quanto Federal, ao lado das Justiças Especializadas. Por outro lado, o Recurso Extraordinário que tem por finalidade manter a guarda e a proteção da Constituição da República Federativa do Brasil. É um recurso especial e tem por finalidade a proteção do direito objetivo, ou seja, a norma jurídica, de natureza constitucional. O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário que prima pelo controle da constitucionalidade, resguardando as normas constitucionais e seus princípios basilares. O recurso extraordinário está previsto no art. 102, III, da Constituição da República Federativa do Brasil. Em ambos os recursos o efeito é apenas devolutivo, ou seja o acórdão poderá ser executado provisoriamente.

Haja vista os recursos excepcionais não serem dotados de efeito suspensivo, o que o Supremo Tribunal Federal decretou em sua novel decisão, foi nada além do que fazer cumprir o que sempre esteve expresso no texto constitucional desde 1988, no caso, a possibilidade de se prender alguém por ordem escrita e fundamentada, emanada de autoridade judiciária competente, conforme aduz o art. 5º, LVII da CF/88.

Ademais, em momento algum a Constituição vedou a prisão antes do trânsito em julgado, pois, o suposto direito fundamental violado, art. 5º, LVII, da CF/88, apenas veda que alguém seja "considerado culpado” antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ou seja, daí se infere a vedação à emissão de nota de culpa, o que inexiste na execução provisória, sobre a qual traremos algumas considerações.

3. Breves Considerações sobre a Execução Penal Provisória

     Antes de adentrarmos ao tema central, traremos para maior compreensão algumas lições sobre os recursos no ordenamento jurídico pátrio.

Em linhas gerais, conforme leciona E. Magalhães Noronha[3], “recurso é a providência legal imposta ao juiz ou concedida à parte interessada, objetivando nova apreciação da decisão ou da situação processual, com o fim de corrigi-la, modificá-la ou confirmá-la”.

Portanto, nada mais é que um exercício de direito, pela parte vencida, de provocar o reexame de uma decisão que lhe foi desfavorável, seja ela condenatória ou absolutória, por meio de um recurso previsto em lei para outro órgão jurisdicional, “em regra ele pressupõe dualidade de instância: a inferior – juízo a quo-, de quem se recorre, e a superior – juízo ad quem– para quem se recorre”[4].

Uma vez interposto o recurso, deverá ele produzir efeitos da decisão recorrida. Nos dizeres de Greco Filho[5],“o efeito essencial do recurso e que decorre da recorribilidade da decisão é o de impedir a preclusão, propiciando a competência do juízo ou tribunal ad quem”. Pode, então, o recurso, nas lições de Mirabete[6] "produzir diferentes efeitos, conforme sua natureza ou disposição legal”. Os principais efeitos dos recursos são: o devolutivo e o suspensivo.

Já mais especificamente, se tratando dos recursos excepcionais, assevera Grinover[7] que “os recursos de natureza extraordinária são meios de impugnação que estão à disposição das partes, mas que visam na verdade à tutela do próprio direito federal: prestam-se somente ao reexame de questões de direito, excluída a análise de matéria de fato”.

     Em suma, os recursos de natureza extraordinária (recurso extraordinário e recurso especial), buscam na realidade uniformizar a interpretação das normas constitucionais e infraconstitucionais e não discutir o mérito ação, sendo assim, não se torna óbice a execução provisória da pena.

     Em 17 de fevereiro de 2016, a Suprema Corte, por maioria de votos, proferiu decisão no Habeas Corpus nº 126.292/SP, de relatoria do Ministro Teori Zavascki, no sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência.

Referida decisão representou posicionamento diametralmente oposto ao então construído, mediante verdadeira relativização do princípio da presunção de inocência, sob o argumento de que deveria ser buscado um equilíbrio entre este princípio e a efetividade da função jurisdicional penal.

Por se tratar de tema polêmico, achamos de suma importância transcrever trecho do voto vencedor do Ministro Relator:

“Para o sentenciante de primeiro grau, fica superada a presunção de inocência por um juízo de culpa – pressuposto inafastável   para condenação –, embora não definitivo, já que sujeito, se houver recurso, à revisão por Tribunal de hierarquia imediatamente superior. É nesse juízo de apelação que, de ordinário, fica definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se for o caso, da responsabilidade penal do acusado […].

Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é, portanto, no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado. É dizer: os recursos de natureza extraordinária não configuram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não são recursos de ampla devolutividade, já que não se prestam ao debate da matéria fática probatória. Noutras palavras, com o julgamento implementado pelo Tribunal de apelação, ocorre espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa.

Os recursos ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do STF – recurso   especial e extraordinário – têm, como se sabe, âmbito de cognição estrito à matéria de direito. Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então HC 126292/SP observado. Faz sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos extraordinários, como o fazem o art. 637 do Código de Processo Penal e o art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990. […]

Realmente, a execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não   compromete o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Não é incompatível com a garantia constitucional autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis ou pendentes de julgamento de recursos extraordinários, a produção dos efeitos próprios da responsabilização criminal reconhecida pelas instâncias ordinárias.

Nessa trilha, aliás, há o exemplo recente da Lei Complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), que, em seu art. 1º, I, expressamente consagra como causa de inelegibilidade a existência de sentença condenatória por crimes nela relacionados quando proferidas por órgão colegiado. É dizer, a presunção de inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado”.

Por fim, salientou-se o voto proferido pela Ministra Ellen Gracie quando do julgamento do HC 85.886 (DJ 28/10/2005), no sentido de que “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema”

Especificamente sobre este último ponto, Eugênio Pacelli já havia salientado parecer ser o Brasil o único país de que se tem notícia a prever o julgamento do processo penal em três instâncias para a execução da sentença condenatória. “Nos demais ordenamentos – a maioria deles essencialmente garantista – privilegia-se o julgamento das instâncias ordinárias, reservando às Cortes Constitucionais ou Tribunais Superiores a excepcional revisão dos julgados”[8].

Pode-se dizer que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal possibilita a execução provisória da pena – que, nesse caso, não tem natureza cautelar -, desde que haja acórdão condenatório proferido por órgão colegiado, tendo como argumentos centrais:

O fato de a execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não comprometer o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal e, esgotando-se a via de análise fática, mediante decisão condenatória proferida por órgão colegiado, merece relativização o princípio da presunção de inocência; O necessário preenchimento do requisito constitucional inserido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, pertinente à comprovação de repercussão geral para a análise de eventual recurso extraordinário interposto, e o significativo número de recursos improvidos; O fato de que o impedimento de execução provisória de qualquer condenação, enquanto não esgotado definitivamente o julgamento de todos os recursos, ordinários e extraordinários, tem permitido e incentivado a indevida e sucessiva interposição de recursos das mais variadas espécies, com indisfarçados propósitos protelatórios, visando, não raro, à configuração da prescrição da pretensão punitiva ou executória; E a possibilidade de ajuizamento de medidas cautelares de outorga de efeito suspensivo ao recurso extraordinário ou especial como instrumentos inteiramente adequados e eficazes para controlar situações de injustiças ou excessos em juízos condenatórios recorridos.

Vale salientar que, embora sem efeito vinculante, dita decisão já repercute nos tribunais pátrios, sendo, inclusive, noticiado pela imprensa a expedição de mandados de prisão com fundamento no citado precedente.

Portanto, se houve confirmação por um Colegiado, não seria razoável prestigiarmos manobras jurídicas unicamente destinadas à condução da prescrição, valendo-se o advogado do condenado da morosidade do Judiciário, e pior, contribuindo ainda com esse mesma morosidade para outros processos. No mais, se houve condenação por órgão colegiado, a presunção seria outra, no caso, de culpabilidade, donde se infere não ser razoável conferir o mesmo tratamento deferido àquele que ainda não fora julgado por órgão mais qualificado.

Em conseguinte com a observação anterior, destaco que a Constituição também prestigia o princípio da duração razoável do processo, erigindo-o como direito fundamental (art. 5º, LXXVIII, da CF/88), que aliado à garantia prevista no inciso LXI do mesmo dispositivo, deve sobrepor a eventual entendimento que reduza sua eficácia, à luz do critério da ponderação.

4. Conclusão

O Supremo Tribunal Federal, no dia 17/02/2016, durante o julgamento do Habeas Corpus 126.292, superou seu próprio entendimento consolidado desde o ano de 2009, autorizando a execução provisória da pena, em termos práticos, sendo o réu condenado em segunda instância, poderá o mesmo ser preso imediatamente, sem necessidade de aguardar o exame de recursos ao Superior Tribunal de Justiça e ao STF.

Foi-se de um extremo a outro, antes da novel decisão da Suprema Corte, o réu poderia percorrer quatro instâncias: Vara, Tribunais de Justiças, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Isto fazia com que os réus com recursos econômicos para contratar bons advogados, passassem a valer-se de todos os recursos possíveis: embargos de declaração, embargos infringentes, recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, agravo regimental, recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, tudo, enfim, que pudesse adiar a decisão final.

Discretamente nas prateleiras dos tribunais ou, mais recentemente, nos arquivos dos processos eletrônicos, os processos penais envelheciam. As coisas eram um pouco diferentes quando a mídia noticiava e acompanhava o andamento. Aí, às vezes, poderia haver um resultado, mesmo que muito tempo depois. Era clara a necessidade de uma mudança nesse aferente, pois a espera do trânsito em julgado para poder iniciar a execução da pena era ineficiente e injusta, porque réus pobres, que são a imensa maioria, defendidos por advogados menos capacitados, nem sequer recorriam aos Tribunais Superiores e, para eles, a execução da pena era imediata.

Muitos no mundo jurídico demonstraram grande preocupação com o resguardo da Constituição, porque entendem que o Supremo julgou contra regra explícita e isto poderia abrir um precedente perigoso.  Não há, todavia, motivos para temer tal fato. Em maio de 2011, atento à realidade da existência de milhares de uniões de pessoas do mesmo sexo, o Supremo decidiu que eles poderiam casar-se. No entanto, no artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição, está escrito que é reconhecida a união estável entre homem e mulher. Por óbvio, da mesma forma, o casamento. A Corte adequou a Carta Magna à realidade existente, na forma que Carlos Maximiliano chamava de método sociológico de interpretação.

Há, também, previsão no Pacto de São José da Costa Rica, como é conhecida a Convenção Americana de Direitos Humanos. Nele está assegurado que toda pessoa tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpae que tem o direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior (artigo 8, itens 2 e alínea “h”). É dizer, dá a Convenção direito a duas instâncias e em nenhum momento a três ou quatro, ou que se aguarde o trânsito em julgado da sentença definitiva.

Por fim, houve uma evolução no entendimento da Corte Suprema, a partir de então veremos maior celeridade no cumprimento de uma sanção, o que até então não se via, haja vista os inúmeros recursos, o que enseja a prescrição dos crimes. Vale salientar, também, que o novo posicionamento da Suprema Corte permite que réus condenados em primeiro grau com condenação confirmada em segunda instância sejam intimados para cumprimento da pena. Tal sanção não será necessariamente uma pena de reclusão, com recolhimento prisional, dado que esta modalidade é reservada para os crimes mais graves, como homicídio, estupro, roubo, corrupção, narcotráfico, lavagem de dinheiro etc. Para a grande maioria dos outros tipos penais, a execução penal se resolve fora da cadeia, com regime aberto ou sanções alternativas, previstas na legislação penal.

No tocante aos direitos do réu na execução penal, nada muda, já que o acusado que estiver sujeito a prisão preventiva ou a prisão decorrente da sentença penal condenatória continuará a ter direito a progressão de regime e aos demais benefícios previstos na Lei de Execuções Penais, como a detração penal e a remição. Além de tudo, o Direito Penal deverá buscar a pacificação social, acertada, então, a decisão do Supremo Tribunal Federal, pois restaurou o equilíbrio entre à liberdade e eficiência.

 

Referencias
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. O Princípio da Presunção de Inocência na Constituição De 1988 e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Revista do Advogado. AASP. N.º 42, abril de 1994.
GOMES, Luiz Flávio. Execução provisória da pena. STF viola Corte Interamericana. Emenda Constitucional resolveria tudo. Disponível em: <http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/307339417/execucao-provisoria-da-pena-stf-viola-corte-interamericana-emenda-constitucional-resolveria-tudo>. Acesso em 07/04/2016.
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
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LENZA, Pedro. Presunção de Inocência: novo entendimento do STF. Retrocesso? HC 126.292. Disponível no endereço eletrônico: <https://www.youtube.com/watch?v=ht8Wu6hiZxs>. Acesso em 07/4/2016.
LIMA, Renato Brasileiro de. Execução Provisória da Pena. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eQkz 5fB9rr4>. Acesso em 7/4/2016.
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em 06/04/2016.
 
Notas:
[1] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 3ª ed., Salvador: Editora Juspodivm, 2015, p. 101.

[2]SÁ, Djanira Maria Radamés de. Duplo Grau de Jurisdição: Conteúdo e Alcance. São Paulo: Saraiva, 1999. p, 132.

[3]NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual penal. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 451.

[4] NORONHA, E. Magalhães.Ibidem, p. 452.

[5]GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 362

[6]MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. 1999. p. 617.

[7]GRINOVER, Ada Pellegrini. As Nulidades no Processo Penal, 2008, p.163.

[8]PACELLI, Eugênio. Curso deProcesso Penal. 17ª ed., São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 607.


Informações Sobre o Autor

Isadora Rodrigues da Silva

Advogada. Especialista em Penal e Processo Penal


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