Paternidade responsável

Resumo: O intuito do presente artigo é lançar luzes sobre tema de especial relevância no Direito de Família, o exercício responsável da paternidade. Abordar a matéria sob uma perspectiva histórica e conceitual. Fazer um apanhado sobre suas bases jurídicas e seus diversos aspectos e conteúdos, através de uma revisão bibliográfica. Salientar os fundamentos principiológicos. Trazer noções conceituais a respeito do poder familiar, apontar suas características e pontuar as causas de sua extinção, suspensão e perda. Elaborar um traçado sobre as consequências da irresponsabilidade no desempenho das funções parentais, notadamente a falta, impropriedade ou negativa em seu exercício. Fazer uma reflexão sobre o dever de alimentar e as repercussões de seu inadimplemento. Analisar breve conteúdo interdisciplinar, trazendo à baila as consequências da omissão parental no âmbito penal, notadamente o abandono material, intelectual e moral. Contemplar as bases legais, doutrinárias e jurisprudenciais sobre a matéria. Destacar concepções atuais concernentes ao tópico em comento.

Palavras-chave: Paternidade Responsável. Poder Familiar. Irresponsabilidade. Consequências

Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 3. Conclusão. 4. Referências

Introdução

Ser pai é ser sujeito de direitos e deveres relativamente à pessoa dos filhos. A paternidade é amor e responsabilidade.

Reconhece-se extremamente incutida na noção de paternidade a afetividade.

É através do afeto que se consolida a relação parental, é a base de onde se sorve a matéria prima para o seu ideal exercício. Não basta, contudo, o afeto estritamente considerado, este deve estar ligado intimamente à noção da responsabilidade.

A paternidade pode ter origem biológica ou socioafetiva.

O pai consanguíneo pode ser pai biológico apenas, mas não pai de fato, posto que este, se existente, pode vir a se tornar pai de direito em detrimento daquele que foi apenas personagem da concepção.

Paulo Luiz Netto Lôbo conceitua paternidade, delineando-a em seu significado e conteúdo:

 “Envolve a constituição de valores e da singularidade da pessoa e de sua dignidade humana, adquiridos principalmente na convivência familiar durante a infância e a adolescência. A paternidade é múnus, direito-dever, construída na relação afetiva que assume os deveres de realização dos direitos fundamentais da pessoa em formação ‘à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar’ (art. 227 da Constituição). É pai quem assumiu esses deveres, ainda que não seja o genitor.” (2006, p. 796).

O citado autor sintetiza: “Pai é o que cria. Genitor é o que gera” (op. cit., p. 796).

O desejo de ser pai pode emergir na figura da adoção, instituto previsto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Código Civil Brasileiro. É um ato de escolha, de vontade de amar e de ser amado.

`A filiação oriunda da adoção confere ao adotado a condição de filho, assim reconhecido através de decisão judicial e consequente registro.

A paternidade também é alcançada por meio do fenômeno conhecido como adoção “à brasileira”, prática através da qual uma pessoa registra como seu filho alguém que sabidamente não o é.

A adoção à brasileira está tipificada no artigo 242 do Código Penal. Todavia, como anotado por Rolf Madaleno, o “mote de dar afeto e ascendência à prole rejeitada constrói a paternidade ou maternidade socioafetiva e retira por sua intenção altruísta a conotação pejorativa e ilícita, porque trata dos pais de coração” (2013, p. 661).

A paternidade não biológica advém, ainda, de técnica de reprodução assistida, a inseminação artificial heteróloga.

A citada técnica encontra previsão legal no inciso V, do artigo 1.597 do Código Civil Brasileiro. Decorre, de regra, da utilização do sêmen ou do óvulo doado por pessoa estranha, cuja identidade é mantida em sigilo, sendo conhecidos apenas os seus aspectos físicos e morfológicos.

A paternidade, seja ela natural ou de outra origem, possui suas bases no amor, no afeto, na responsabilidade em relação àquele que é carecedor da plenitude do comprometimento, em seu desenvolvimento digno, de quem lhe deu a vida ou o escolheu para ser seu filho.

Desenvolvimento

A compreensão dos aspectos atuais do exercício da paternidade se inicia no estudo da origem da figura do pai, com o pater familias da antiga Roma, evoluindo até os dias atuais, em que, informado por sólidas e arraigadas bases jurídicas, alcançou o caráter de máxima proteção.

Ao pater familias era dado o direito de matar seu filho, o jus vitae et necis, de vendê-lo, ius vendendi, e de entregá-lo como indenização, noxae deditio. Podia, ainda, selecionar os filhos, abandonando a criança considerada defeituosa, o ius exponendi.

Essa era a dimensão da potestade paterna. Tais poderes foram sendo restringidos com o passar do tempo, limitando-se ao direito de correção, na época de Justiniano e, com o advento do cristianismo, não havia mais lugar para aquelas leis.

No Brasil, vigia na época da colônia portuguesa o patriarcado, em que o pai exercia verdadeiro domínio sobre os filhos. Sob a influência do cristianismo o sentido de ser pai sofreu expressiva transformação.

A Constituição Federal de 1988 trouxe importantes alterações à noção da responsabilidade paterna, conteúdo da noção de pátrio poder, que se passou a denominar, com a reconhecida igualdade entre homens e mulheres, de poder familiar.

A sua evolução é sintetizada por Rolf Madaleno, nas seguintes palavras:

“Com a influência do cristianismo o poder familiar assumiu características de direito protetivo, tornando-se uma imposição de ordem pública, no sentido de os pais zelarem pela formação integral dos filhos, com o alcance determinado pelo artigo 227 da Constituição Federal brasileira, merecendo o menor especial destaque, alvo de absoluta prioridade, sendo assegurado à criança e ao adolescente e agora também ao jovem, em razão da Emenda Constitucional n. 65/2010, o direito à vida, à saúde, à alimentação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, deixando-o a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (2013, p. 676).

A evolução foi marcada pela busca de meios que assegurassem aos filhos, enquanto dependentes, direitos fundamentais específicos e prioritários.

A origem cruel, a que submetida a prole nos primórdios, deu lugar à especial proteção.

A paternidade responsável se fundamenta primordialmente na Constituição Federal. Encontra seu primeiro e mais amplo alicerce no princípio da dignidade da pessoa humana e, com maior especificidade nas disposições contidas nos artigos 226, 227 e 229.

O princípio da dignidade da pessoa humana, situado nas portas da Constituição Federal, constitui-se em suporte para toda relação jurídica, fundamento do Estado Democrático de Direito. É fonte inesgotável do direito das famílias. Eleva ao primeiro escalão de proteção constitucional a pessoa, notadamente o respeito aos direitos da personalidade.

Maria Berenice Dias ressalta sua importância nas relações familiares:

“A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares – o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum -, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas.” (2016, p. 49).

O estatuto menorista possui como referencial a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, oriunda da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Nacional das Nações Unidas em 1989 e aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 28, de 14 de setembro de 1990.

A doutrina da proteção integral constitui-se em ampla garantia aos singulares direitos da criança e do adolescente.

Nesse sentido, prevê o artigo 3º do citado diploma: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.

Considera-se criança, consoante a celebrada normatização, o menor entre zero e 12 anos, e adolescente, aquele que se encontra entre os 12 e 18 anos de idade (art. 2º, ECA).

Aos pais, a lei maior e o estatuto menorista conferem obrigações intransponíveis, de caráter cogente, cuja inobservância gera consequências jurídicas.

A este respeito, dispõe a Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (…).

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”

Estabelece o estatuto, em seu artigo 22, os deveres a serem observados pelos pais relativamente à pessoa dos filhos, assim dispondo: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”.

Os deveres paternos encontram também previsão no artigo 1.634 do Código Civil.

Compete aos pais, primordialmente, o dever de dar afeto, o amor gerador dos laços que perduram por toda a vida entre pai e filho.

Nesse sentido, as observações tecidas por Maria Berenice Dias:

“Nesse extenso rol não consta o que talvez seja o mais importante dever dos pais com relação aos filhos: o dever de lhes dar amor, afeto e carinho. A missão constitucional dos pais, pautada nos deveres de assistir, criar e educar os filhos menores, não se limita a encargos de natureza patrimonial. A essência existencial do poder familiar é a mais importante, que coloca em relevo a afetividade responsável que liga pais a filhos, propiciada pelo encontro, pelo desvelo, enfim, pela convivência familiar. Daí a tendência jurisprudencial em reconhecer a responsabilidade civil do genitor por abandono afetivo, em face do descumprimento do dever inerente à autoridade parental de conviver com o filho, gerando obrigação indenizatória por dano afetivo.” (2016, p. 461).

O feixe de direitos e deveres dos pais em relação aos filhos menores constitui o poder familiar.

Flávio Tartuce conceitua o poder familiar como “uma decorrência do vínculo jurídico de filiação, constituindo o poder exercido pelos pais em relação aos filhos, dentro da ideia de família democrática, do regime de colaboração familiar e das relações baseadas, sobretudo, no afeto” (2012, p.1191).

Ausentes os pais, algumas prerrogativas do poder familiar são atribuídas a terceiros, mas este não se extingue. A extinção do poder familiar, por sua vez, não redunda no fim da obrigação de sustento da prole, tal a dimensão da paternidade responsável.

O poder familiar é indelegável e indisponível, não podendo ser transferido a terceiro por iniciativa de seu titular.

Os pais não podem renunciar ao poder familiar por ato exclusivamente voluntário. A ele renunciam quando, em processo judicial, consentem com a adoção de seus filhos ou, de forma indireta, quando agem de modo incompatível com os postulados que o regem.

O poder familiar é indivisível. É, também, imprescritível, não se extinguindo pelo decurso do tempo do seu não exercício. A extinção ocorre somente nas hipóteses legalmente previstas.

O Código Civil prevê as hipóteses de extinção do poder familiar em seu artigo 1.635, a saber: morte dos pais ou do filho; emancipação; maioridade; adoção ou decisão judicial (art. 1.638).

 A irresponsabilidade dos pais no exercício do poder familiar, que se traduz na inobservância dos deveres inerentes ao seu exercício, pode levar à sua perda ou suspensão.

A suspensão do poder familiar é o afastamento temporário do genitor de seu exercício, pelo abuso de autoridade ou falta a dever a ele inerente.

Dispõe o artigo 1.637 do Código Civil brasileiro:

Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Parágrafo único. Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.”

Pode a suspensão se restringir a certos direitos do pai no exercício de sua função parental e a determinado filho, neste caso permanecerá o restante da prole sob o manto do poder familiar.

Trata-se de medida temporária, perdurando enquanto necessário à salvaguarda dos direitos do menor.

O citado dispositivo não encerra em si todas as situações geradoras da suspensão do poder familiar, inúmeras são as hipóteses de inobservância pelos pais de suas atribuições e obrigações relativamente aos filhos.

É motivo de suspensão do poder familiar a constatação da prática pelo genitor de atos de alienação parental.

Cuida o instituto da conduta paterna dirigida ao filho, com o fito de macular a imagem do ex-consorte. É forma de abuso emocional perpetrada em prejuízo do menor, que passa a engendrar sentimentos negativos em relação àquele dentre os pais que é alvo das mais odiosas maneiras de desqualificação.

Através da alienação parental um dos pais incute no filho falsas memórias, inclusive a de ter havido abuso sexual, de forma a afastá-lo da companhia do outro.

O artigo 2º da Lei nº 12.318/2010 traz o conceito do instituto:

“considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.

As hipóteses de perda do poder familiar encontram previsão no artigo 1.638 do Código Civil e decorrem do castigo imoderado ao filho, de seu abandono, de atos contrários à moral e aos bons costumes e da incidência reiterada nas faltas geradoras da suspensão.

A perda ou suspensão do poder familiar depende de decisão judicial, que será registrada à margem do registro de nascimento do menor. Persiste, quanto à perda, a obrigação alimentar.

Imanente aos deveres de assistir, criar e educar os filhos de forma responsável está o dever de alimentar.

Não raro o genitor descontínuo descumpre o dever de dar assistência material ao seu filho.

Assim ocorrendo, a lei processual civil traz a possibilidade de instaurar em desfavor do pai faltoso a respectiva ação de execução dos alimentos, por meio da prisão civil, tratando-se de dívida atual, ou da constrição judicial de bens.

Todos os meios possíveis, não vedados em lei, objetivando a localização de bens para o fim de saldar o débito alimentar, devem ser empregados.

Tal busca é viabilizada pelos modernos sistemas de consulta e penhora on line, com a quebra de sigilo bancário e fiscal e pesquisa em cadastro de veículos.

Prevista é, ainda, a inscrição do nome do pai inadimplente nos cadastros dos serviços de proteção ao crédito.

A par disso, pode o pai faltoso ser apenado criminalmente. O abandono material constitui crime previsto no artigo 244 do Código Penal.

Encontram-se dispostos no Código Penal, ainda, os crimes de abandono intelectual (CP, art. 246) e abandono moral (CP, art. 247).

O crime de abandono intelectual consiste na inobservância pelo pai, sem justa causa, do dever de proporcionar e dirigir a educação dos filhos.

A educação, a par de ser um dever paterno legalmente previsto, constitui-se em um direito que integra o conceito de dignidade da pessoa humana.

Compete ao pai, pois, adotar condutas no sentido de que seu filho exerça o sagrado direito à instrução primária, sob pena de responder penalmente pela injustificada omissão.

Incumbe ao pai zelar também pela educação moral do menor. A inobservância de sua responsabilidade pode configurar o crime previsto no artigo 247 do Código Penal.

O pai renitente pode ser compelido, ainda, no âmbito civil, ao pagamento de multa, a chamada astreinte, que se constitui em mecanismo para compeli-lo ao cumprimento de suas obrigações.

Maria Berenice Dias menciona que:

“As ações que têm por objeto interesses individuais próprios da criança e do adolescente (ECA, 208 § 1º) autorizam, no âmbito do poder geral de cautela do juiz, em caso de descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, a imposição de multa diária, liminarmente, após justificação prévia ou na sentença, independentemente de pedido do autor (ECA 213).” (2016, p. 532).

A falta dos pais redunda, também, no reconhecimento da responsabilidade civil, que no direito das famílias decorre da possibilidade de caracterização do ato ilícito, a ensejar a consequente reparação.

O alcance da ilicitude nesta seara, porém, é tema de notável discussão entre os juristas, gerando verdadeira polêmica a respeito do instituto, havendo quem ainda demonstre resistência.

Dividem-se entre duas expressivas correntes: aqueles que defendem a ampla incidência, decorrente da inobservância dos deveres familiares, e os que entendem que ensejam a responsabilização civil somente os casos que se amoldam às regras genéricas estatuídas nos artigos 186 e 187 do diploma civil.

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, adeptos da segunda corrente, entendem que:

“A aplicação das regras de Responsabilidade Civil na seara familiar, portanto, dependerá da ocorrência de um ato ilícito, devidamente comprovado. A simples violação de um dever decorrente de norma de família não é idônea, por si só, para a reparação de um eventual dano. Assim, a prática de adultério, isoladamente, não é suficiente para gerar dano moral indenizável. No entanto, um adultério praticado em local público, violando a honra do consorte, poderá gerar dano a ser indenizado, no caso concreto.” (2016, p. 135/136).

O pai que descumpre seu mister de proporcionar assistência afetiva ao seu filho, de forma a gerar em sua formação psíquica verdadeiro comprometimento negativo, pode ser condenado à reparação pelo abandono afetivo.

Sobre o tema, enuncia Rolf Madaleno:

“A desconsideração da criança e do adolescente no âmbito de suas relações, ao lhes criar inegáveis deficiências afetivas, traumas e agravos morais, cujo peso se acentua no rastro do gradual desenvolvimento mental, físico e social do filho, que assim padece com o injusto repúdio público que lhe faz o pai, deve gerar, inescusavelmente, o direito à integral reparação do agravo moral sofrido pela negativa paterna do direito que tem o filho à sadia convivência e referência parental, privando o descendente de um espelho que deveria seguir e amar.” (2013, p. 384).

Essa conduta gera dor e consequências psíquicas, sentimentos de rejeição, carência, baixa autoestima e insegurança, que acompanham o filho por toda a vida.

Tal conduta não pode passar ao largo do crivo do Poder Judiciário, o que significaria uma eterna impunidade do pai infrator. Trata-se de ato contrário à lei, uma vez que aos filhos é garantido pelo ordenamento jurídico a integral formação de sua personalidade, consoante os ditames do artigo 227 da Constituição e artigos 3º e 4º do estatuto menorista.

Maria Berenice Dias ressalta, no que pertine ao abandono afetivo e o dever de reparação:

“A omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação. A ausência da figura do pai desestrutura os filhos, que se tornam pessoas inseguras, infelizes. Tal comprovação, facilitada pela interdisciplinaridade, tem levado ao reconhecimento da obrigação indenizatória por dano afetivo.” (2016, p. 101).

O Superior Tribunal de Justiça, através de sua Terceira Turma, em feliz voto da Ministra Nancy Andrighi, reconheceu o direito à reparação pelo abandono afetivo, ocorrido, no caso concreto, sob a forma de descumprimento do dever de cuidado. (REsp 115942 / SP – Recurso Especial 2009/0193701-9, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, Data do Julgamento: 24/04/2012, Data da Publicação/Fonte DJe 10/05/2012, RSTJ vol. 226, p. 435).

Conclusão

O ser humano em formação necessita de cuidado, de afeto, amor, carinho, precisa ver naquele que lhe deu a vida um porto seguro, sua base e pilar, sua fundação. Tal não é possível se verificada a irresponsabilidade no exercício das funções parentais.

O descumprimento dos deveres paternos enseja consequências que podem ser nefastas para aquele que veio ao mundo com a expectativa de uma ideal criação.

Trata-se da realização dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, que só é possível com o escorreito exercício do poder familiar.

A paternidade responsável encontra seu primeiro e mais amplo alicerce no princípio da dignidade da pessoa humana, fonte inesgotável do direito das famílias, que aliado ao princípio da máxima proteção ou proteção integral, informa o exercício da autoridade parental, considerado na observância dos deveres a ele inerentes.

Não se trata, pois, de obrigações apenas morais, mas de competências expressamente previstas em lei ou oriundas dos princípios informadores do direito das famílias.

A inobservância de ditos deveres traz, pois, consequências legais.

Redunda na perda ou suspensão do poder familiar, que se traduzem no afastamento do pai, de forma temporária ou não, do seu exercício.

Prevista como causa de suspensão, a alienação parental constitui-se em abuso emocional perpetrado com o objetivo de negativar a pessoa do outro genitor, incutindo no filho falsas memórias, incluindo-se a de ter o menor sido vítima de abuso sexual, tamanha a gravidade da conduta.

Dentre as hipóteses de perda, está o abandono, enquanto omissão e negligência paternas.

Constituem crimes contra a assistência familiar o abandono material, intelectual e moral do filho menor.

Afora a reprimenda penal, o dever de alimentar traz como consequência, de natureza civil, a restrição da liberdade, através de processo executório, cujo meio de coerção é a prisão civil do pai faltoso.

Decorrem, ainda, da inobservância de tal dever, implicações patrimoniais de toda ordem, com a excussão de tantos bens do devedor quantos bastem para satisfação da obrigação alimentar, autorizando-se ampla utilização de mecanismos voltados à consecução de tal fim.

Traz, também, consequências morais, ante a negativação do nome daquele pai descumpridor do dever de sustento de sua prole.

Decorre, por fim, da irresponsabilidade, a possibilidade de reparação civil.

O superior direito de respeito à integridade moral e psíquica do filho, origina deveres correlatos ao pai, abrindo sua inobservância o caminho para a responsabilização.

Gera dano moral o descumprimento daquele que, nas palavras de Maria Berenice Dias, talvez seja o mais importante dever dos pais em relação aos filhos: o dever de lhes dar afeto, em seus diversos formatos.

A evolução experimentada no conceito de paternidade, partindo-se dos primórdios em que se conferia ao pai o assustador direito de matar seu filho, alcançando hodiernamente o reconhecimento da obrigação por abandono afetivo, autoriza o pensamento de que outras formas surgirão para estimular o cumprimento dos deveres intrínsecos ao sagrado ministério de ser pai.

 

Referências:
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DIAS, Maria Berenice. Incesto e alienação parental : realidades que a justiça insiste em não ver. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil : Direito das Famílias. 8. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Ed, JusPodium, 2016. v. 6.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal : parte especial. 12. ed. Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2015. v. 3.
ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente : doutrina e jurisprudência. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Paternidade Socioafetiva e o Retrocesso da Súmula Nº 301/STJ. In: Família e Dignidade Humana. Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família, IBDFAM, 2005, Belo Horizonte/MG. São Paulo: IOB Thompson, 2006, 922p. p. 796.
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MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
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TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 2. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro; São Paulo: Método, 2012.
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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

Informações Sobre o Autor

Camila Elizabeth Rodrigues

Graduada em Direito pela Faculdade Milton Campos. Pós-graduada em Direito Público e em Direito de Família e Sucessões. Analista de Direito do Ministério Público de Minas Gerais


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