Estado democrático de direito: o nascimento do constitucionalismo moderno e a questão ambiental

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Resumo: Abordar a importância conferida à causa ambiental desde o Estado Liberal até a emergência do Estado constitucional ambiental, que surge como uma dimensão do Estado Democrático de Direito, destacando o fato de o Brasil não ter vivido, de forma plena, a experiência do Estado Social, o qual surgiu para tentar amenizar as questões sociais mais urgentes, não tendo, contudo, logrado êxito, pela insuficiência e escassez de recursos financeiros. A pesquisa justifica-se pela importância e premência que assumiu a questão ambiental nos últimos anos e a necessidade de encontrar alternativas institucionais e coletivas para enfrentar os problemas ambientais. A metodologia utilizada foi o método dedutivo e a pesquisa bibliográfica. A conclusão, ainda que provisória, a que se chega é a urgência inarredável de a sociedade buscar de forma coletiva e comprometida uma mudança de paradigma, de forma a contemplar a natureza como um sistema no qual todos os elementos estão intimamente integrados.

Palavras-chave: Constituição. Estado. Meio Ambiente.

Sumário: Introdução. 1. A evolução histórica do estado e a questão ambiental. 2. A introdução do estado democrático de direito no constitucionalismo brasileiro. 3. Estado democrático de direito: tentativa de efetivação da proteção ao meio ambiente. 4. Estado democrático de direito no Brasil: a emergência do estado ambiental. Conclusão.

Introdução

Os movimentos de contestação ocorridos na década de 60, somados à desaceleração da economia em função da crise provocada pelo aumento do preço do petróleo na década de 70, provocaram desgastes no modelo do Estado de Bem-Estar-Social. Isso ocorre, sobretudo, porque o Estado precisa de uma economia sólida que propicie considerável arrecadação de impostos, para então, executar seus programas sociais.

É com a crise do Estado Social que se viabiliza a construção – ainda em pleno andamento – de um novo paradigma: o Estado Democrático de Direito. Ele decorre da constatação da crise do Estado Social e da emergência – a partir da complexidade das relações sociais – de novas manifestações de direitos. Desde manifestações ligadas à tutela do meio ambiente, até reivindicações de setores antes ausentes do processo de debate interno (minorias raciais, grupos ligados por vínculos de gênero ou de orientação sexual), passando ainda pela crescente preocupação com lesões aos direitos cuja titularidade é de difícil determinação (os chamados interesses difusos), setores das sociedades ocidentais, a partir do pós-guerra e especialmente da década de 1960, passam a questionar o papel e a racionalidade do Estado-interventor. (PINTO, 2003, p. 26-27).

Desde a década de 70, a sociedade civil brasileira reivindicava a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. A década de 80 caracterizou-se pela mobilização da sociedade para a realização de eleições diretas à Presidência da República.

Durante o processo de elaboração da Constituição, as principais reivindicações da sociedade foram contempladas, o que resultou na afirmação, já no preâmbulo do texto, de que o Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito e, portanto, comprometido com a questão social, com os direitos fundamentais, em suas três dimensões, e com as promessas da modernidade que, até aquele momento, não haviam sido cumpridas.

Contudo, mesmo tendo recepcionado as principais reivindicações da sociedade, ou talvez por isso mesmo, o texto constitucional de 1988 recebeu críticas por ser prolixo e utópico. Com efeito, a Constituição é longa, pois positivou um grande número de questões que preocupavam a sociedade civil e o fez precisamente para garantir sua efetividade, uma vez que, segundo STRECK, “no Brasil, a efetividade do sistema jurídico sempre deixou a desejar”. (2004, p. 452).

1 A evolução histórica do estado e questão ambiental

O fato de o Brasil não ter vivido a experiência do Estado Social, pois do modelo liberal, o país passou ao modelo democrático, deixou lacunas nas instituições e na própria estrutura do Estado, que nunca chegou a ser verdadeiramente forte. Nesse sentido, a Constituição de 1988, introduz um novo paradigma na história do país, pois pela primeira vez, tem-se o ideal de construção de um Estado Constitucional, cujos princípios basilares são a efetivação da democracia e dos direitos fundamentais. Pode-se dizer, então, que são as promessas da modernidade assumidas (e não cumpridas) pelo Estado que emergem da Constituição de 1988.

Nesse contexto, a observação de Barroso: “A constatação inevitável, desconcertante, é que o Brasil chega à pós-modernidade sem ter conseguido ser liberal, nem moderno. Herdeiros de uma tradição autoritária e populista, elitizada e excludente, seletiva entre amigos e inimigos – e não entre certo e errado, justo e injusto – mansa com os ricos e dura com os pobres, chegamos ao terceiro milênio atrasados e com pressa. (2002, p. 8).”

Em países como o Brasil, onde o Estado Social não se concretizou efetivamente, torna-se imperiosa a atuação do Estado como principal mecanismo de implementação de políticas sociais que assegurem o exercício da dignidade humana em um ambiente com sadia qualidade de vida. Assim, o Estado Democrático de Direito, que emerge com a Constituição de 1988, deve, segundo Streck, “representar a vontade constitucional de realização do Estado social, sendo, nesse sentido, um plus normativo em relação ao direito promovedor-intervencionista próprio do Estado Social.” (2007, p. 37). Contudo, ainda de acordo com o autor: “Se na Constituição se coloca os instrumentos para resgatar os direitos de segunda e terceira gerações, é porque no contrato social – do qual a Constituição é a explicitação – há uma confissão de que as promessas da realização da função social do Estado não foram (ainda) cumpridas.” (2007, p. 37).

2 A Introdução do Estado Democrático de Direito no Constitucionalismo Brasileiro

A partir da promulgação da Constituição de 1988, tem-se consagrado no Brasil o paradigma de Estado Democrático de Direito fundamentado em dois pilares básicos: a cidadania e a dignidade da pessoa humana, ressaltando-se, ainda, que um Estado Democrático não pode subsistir sem o suporte dos direitos fundamentais.

É impossível pensar, na atualidade, o exercício de qualquer poder, especialmente o Poder Público, sem ter por norte o respeito e a construção de um regime de efetiva realização dos direitos fundamentais. Assim, a relação dos mesmos com a Constituição é orgânica. O quadro dos direitos fundamentais se integra ao modelo de qualquer Constituição Democrática. São elementos, pois, indissociáveis, assim como órgãos vitais o são para o corpo humano. (CRUZ, 2001, p. 196).

Caracteriza-se, também, a Constituição de 1988, por ser analítica, programática, dirigente e pluralista. Considera-se analítica por ter um extenso rol de direitos e garantias fundamentais; é programática e dirigente, pois o artigo 5°, § 1° prevê a imediata aplicação dos dispositivos referentes aos direitos fundamentais; o conteúdo pluralista evidencia-se ao contemplar direitos sociais e políticos. Sobre o caráter pluralista assumido pela Constituição, Sarlet observa que “No texto se percebe posições e reivindicações nem sempre afinadas entre si, mas fruto de fortes pressões políticas resultantes das tendências envolvidas no processo constituinte”. (2001, p. 71-86).

Passados vinte e seis anos de sua promulgação, a “Constituição Cidadã”, assim denominada em função da ampliação dos diretos fundamentais, ainda não obteve os resultados esperados, em função da relevância que assume cada vez mais o aspecto econômico em detrimento do social. A situação agrava-se com o fenômeno da globalização e do neoliberalismo, propondo o “enxugamento” do Estado, a mínima intervenção estatal deixando os grandes grupos econômicos à vontade para impor sua lógica de mercado.

Ocorre que o Estado Democrático de Direito requer uma postura interventiva e constante do Poder Público no sentido de efetivar e concretizar as normas constitucionais e eliminar ou, pelo menos, amenizar essa característica de país injusto que acompanha o Brasil desde a chegada dos portugueses. Mesmo que a ideia de Estado-Nação encontre-se enfraquecida diante do processo de globalização, não há dúvida de que cabe ao Estado a função de garantir a realização dos direitos fundamentais sociais, sendo necessário, então, um Estado forte, que regule, eficientemente, as relações sociais. Para Roth, a crise explica-se pelo fenômeno da globalização, em que o “Estado Nacional já não está em capacidade de impor soluções, seja de um modo autoritário, ou seja, por negociação com os principais atores sócio-políticos nacionais, aos problemas sociais e econômicos atuais”. (1996, p. 18).

O Estado brasileiro encontra-se, hoje, em momento histórico decisivo: ou seremos capazes de transformá-lo, instituindo poderes incumbidos de dirigir de modo racional e democrático as transformações sociais, ou sucumbiremos na desintegração social, de que a presente crise aguda de anomia (desrespeito generalizado às normas de vida comum) é o sintoma mais alarmante. (COMPARATO, 2003, p. 98).

A característica predominante do Estado Democrático de Direito é a preocupação com sua função social e com a igualdade. Por isso, a cidadania é um elemento crucial, pois coloca os cidadãos como detentores de direitos civis, sociais e políticos. Nesse contexto, cabe ao Estado criar e implementar os instrumentos e mecanismos necessários à efetivação, tanto dos direitos fundamentais, como do exercício pleno da cidadania.

Ao enfatizar a cidadania e a participação popular, o direito público e o direito privado mantêm uma constante inter-relação, com o objetivo de promover a democracia alicerçada na soberania popular. Nessa perspectiva, as questões públicas não pertencem apenas ao Estado, assim como as questões privadas não dizem respeito apenas aos indivíduos.

Desta forma, o Estado Democrático de Direito configura-se como uma organização política pautada pelos princípios constitucionais de liberdade, igualdade e justiça social. A lei converte-se em um instrumento a serviço da sociedade, para transformar e reorganizar as relações sociais. Nesse paradigma de Estado a Constituição assume especial relevância no sentido de proteger os interesses da maioria.

Ao assumir novas finalidades o Estado assume, também, novas características. Por isso, a tradicional separação de funções exercidas pelos diferentes poderes, não tem mais validade. No Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário passa a ser mais atuante, mais presente nas decisões da sociedade.

Streck faz a seguinte análise a respeito das funções assumidas pelo Estado Democrático de Direito: “Quando assume o feitio democrático, o Estado de Direito tem como objetivo a igualdade e, assim, não lhe basta limitação ou a promoção da atuação estatal, mas referenda a pretensão à transformação do status quo. A lei aparece como instrumento da transformação da sociedade não estando mais atrelada inelutavelmente à sanção ou promoção. O fim a que pretende é a constante reestruturação das próprias relações sociais. (2008, p. 100).”

Um dos principais objetivos desse Estado é a efetivação da justiça social a qual está intimamente ligada à realização dos direitos fundamentais e a eliminação das desigualdades sociais. Por isso, no paradigma desse Estado, toda ação estatal deve ser pautada por princípios constitucionais como uma forma de garantir segurança e certeza jurídicas. Nessa perspectiva, o direito assume um caráter participativo para abranger, principalmente, os direitos de terceira dimensão – direitos de solidariedade e ressignificar os direitos de primeira e de segunda dimensões. Com esse paradigma, a comunidade desempenha papel de extrema relevância e a cidadania é concebida como um instrumento de atuação fundamental para a tomada de decisões.

A construção de um Estado Democrático de Direito pressupõe, portanto, a existência de um regime democrático em condições de conviver com os ideais de cidadania, participação popular, justiça, igualdade e liberdade, atribuindo especial relevância ao desenvolvimento social. Conforme Araújo, a Constituição de 1988, ao introduzir o paradigma do Estado Democrático de Direito, introduziu, também, elementos essenciais à concretização desse modelo: “Nesse sentido, o constituinte brasileiro de 1988, ao se definir pelo Estado Democrático de Direito, propôs um modelo de organização política na qual se deve levar em conta a liberdade, a igualdade, o pluralismo político e a justiça social”. (1997, p. 26).

A configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo. E aí se encontra a extrema importância do art. 1° da Constituição de 1988, quando afirma que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, não como mera promessa de organizar tal Estado, pois, a Constituição aí já o está proclamando e fundando. (SILVA, 1990, p. 105).

A efetividade dos dispositivos constitucionais ainda se apresenta como o grande desafio à completa edificação do Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal de 1988, promulgada pouco depois do término de um longo período em que a democracia e a justiça estiverem ausentes do cenário nacional, assumiu compromissos de resgatar demandas históricas da sociedade, como saúde e meio ambiente, sem ter conseguido, até o momento, operacionalizá-los eficientemente. Nesse sentido, procede a afirmação de Sarmento para quem “não basta que o voluntarismo de um texto constitucional prometa utopicamente mundos e fundos, pois do papel à realidade concreta medeia uma distância que muitas vezes não há como transpor”. (2004, p. 391).

3 Estado Democrático de Direito: Tentativa de Efetivação da Proteção ao Meio Ambiente

O processo de constitucionalização dos direitos fundamentais encontra-se, atualmente, integrado em todas as modernas constituições. No Brasil a Constituição Federal de 1988, inaugurou uma nova fase do constitucionalismo nacional. A inserção de direitos fundamentais de todas as dimensões, em seu texto, demonstra um compromisso com temas de extrema relevância ao país e à sociedade brasileira de modo geral.

A constitucionalização do meio ambiente que inicia, de modo específico, a partir do artigo 225, no título referente à ordem social, estando, porém, dispersa por vários outros artigos, explicita, finalmente, que o Estado Democrático de Direito pretende ser, também, um Estado Ambiental, o que significa dizer que o Estado implementará políticas públicas destinadas à proteção ambiental.

A leitura dos artigos referentes ao meio ambiente no texto constitucional requer, entretanto, um estudo interdisciplinar, transversal, com todos os outros artigos que, de forma direta ou indireta, fazem referência ao meio ambiente. Apenas para exemplificar pode-se mencionar o artigo 170, VI (Título VII Da Ordem Econômica e Financeira), o qual traz os princípios gerais da ordem econômica, entre eles, a defesa do meio ambiente. Assim, a questão ambiental deve ser vista, sempre, ao lado da questão econômica. Esse é o ponto diferencial entre a Constituição de 1988 e as anteriores, pois ao introduzir o meio ambiente como direito fundamental, e prever sua defesa como princípio da ordem econômica, o texto constitucional está indicando a relevância da questão ambiental.

No entanto, há, ainda, a preocupação em efetivar as normas ambientais, o que demandará esforços conjuntos dos poderes públicos e da sociedade organizada, além da compreensão do meio ambiente a partir de uma visão sistêmica e integrada. Nesse contexto, a questão ambiental deve ser compreendida em uma dupla perspectiva: como direito e como dever fundamental, os quais devem manter intensa conexão sob pena de se tornarem mero exercício de retórica.

Ao contemplar a questão ambiental com um capítulo específico, o que significa, sem dúvida, um passo significativo no sentido de tornar efetiva a preservação dos recursos ambientais, a Constituição Federal de 1988, introduz o paradigma do Estado Ambiental de Direito e evidencia a preocupação do Estado com a tutela e proteção de um típico direito de terceira dimensão como é o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Todavia, não se pense que a constitucionalização da questão ambiental, por si só, será suficiente para a manutenção desse direito-dever de inquestionável importância para a sobrevivência da espécie humana.

Sobre a eficácia das normas constitucionais, Medeiros elabora a seguinte afirmação: “Apesar de ser virtualmente pacífico o entendimento de que não há na Constituição normas destituídas de eficácia, o que se pode admitir é que, no concernente a ela, certas normas constitucionais não manifestam a plenitude dos efeitos jurídicos pretendidos pelo constituinte.” (2004, p. 143).”

Faz parte da cultura jurídica brasileira uma profícua produção legiferante, que, entretanto, nem sempre encontra ressonância na sociedade, por não atender as suas expectativas ou por necessitar de regulamentação (o que, muitas vezes não ocorre). Enfim, são muitas as digressões para o descumprimento de normas jurídicas, o que indubitavelmente, constitui-se em empecilho ao desenvolvimento pleno do país.

4 Estado Democrático de Direito no Brasil: a Emergência do Estado Ambiental

A Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova fase de proteção ao meio ambiente. A partir desse texto, a questão ambiental com todas as suas implicações, passa a ser vista como uma questão crucial ao desenvolvimento do país, à saúde e à qualidade de vida dos cidadãos.

Assim, embora o meio ambiente ecologicamente equilibrado, não esteja previsto entre os direitos fundamentais do artigo 5° da Constituição Federal, é irrecusável sua característica de direito fundamental de terceira dimensão, cuja preocupação central é a preservação da dignidade humana e da sadia qualidade de vida, o que está certamente ligado à proteção ambiental.

O advento do Estado Democrático de Direito, a partir da Constituição de 1988, fez surgir, no Brasil, uma nova concepção de meio ambiente, cuja proteção e preservação pertencem a toda a sociedade aliada ao poder público. A preocupação com o equilíbrio ecológico do meio ambiente está diretamente relacionada ao compromisso da geração atual com o presente e com o futuro.

A constitucionalização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado justifica-se por uma série de fatores, podendo-se destacar, entre eles, a institucionalização do dever de não degradar, o que implica, necessariamente, em adotar uma nova postura em relação à exploração dos recursos naturais, reconhecendo-os finitos e, também, em relação à propriedade que passa a exercer uma importante função social. Para Benjamin, a “grande diferença entre as Constituições mais antigas e as atuais é que nestas o direito de propriedade aparece ambientalmente qualificado”. (2007, p. 70).

Quando o artigo 225 da Constituição Federal de 1988 explicita o dever do Estado e da coletividade em preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, está nitidamente, superando um modelo de Estado que, ao abster-se de intervir, principalmente, nas atividades econômicas, legou à sociedade um complexo conjunto de problemas, cujas soluções passam pela intensificação da atividade estatal. Assim, ao contrário da agenda liberal de não-intervenção, a Constituição de 1988, introduziu um modelo de Estado que deve intervir, de forma preventiva e precaucional, com o intuito de implementar políticas públicas diante das necessidades sociais.

Outro aspecto relevante no que se refere à constitucionalização do meio ambiente, diz respeito ao fato de a Constituição de 1988 ter abandonado a visão cornucopiana do mundo, ou seja, a institucionalização da questão ambiental afastou a figura mitológica de Cornucópia (símbolo da agricultura e do comércio, que representava a abundância). Ao superar essa concepção o texto constitucional aproxima-se da realidade, reconhecendo a possibilidade concreta de extinção de muitos recursos naturais, antes considerados inesgotáveis.

Antes, o meio ambiente não era tutelado, ou se o era, não o era adequadamente ou para valer, exatamente porque a lógica do sistema jurídico alicerçava-se na falsa premissa da inesgotabilidade dos recursos naturais, totalmente negadas pela poluição dos rios, do ar e do solo, e pela destruição acelerada da rica biodiversidade do país. (BENJAMIN, 2007, p. 109).

A Constituição Federal de 1988 fez emergir, no cenário nacional, o que se tem denominado de Estado Ambiental de Direito, o qual para sua efetiva implementação, requer mudanças profundas na estrutura social, econômica, cultural e política da sociedade brasileira. Isso porque a crise ambiental pela qual passa o planeta exige uma abordagem complexa e sistêmica, com o intuito de oferecer alternativas viáveis à superação do atual estágio de degradação ambiental a que chegou a civilização industrial.  A esse respeito Nunes Junior faz a seguinte afirmação: “Busca-se assim um novo paradigma de desenvolvimento, fundado na solidariedade social, capaz de conduzir à proteção (concreta) do meio ambiente e à promoção (efetiva) da qualidade de vida”. (2005, p. 5).

A ameaça ao meio ambiente é uma questão que envolve princípios e valores éticos, além de um profundo compromisso de solidariedade para com os outros. Por isso, não é tarefa a ser levada a efeito por uma pessoa ou por um pequeno grupo de pessoas sensibilizadas com a crise ambiental. É tarefa para a sociedade como um todo, sem que se possa permitir qualquer exceção.

Não obstante a preocupação com a questão ambiental e sua inserção, pela primeira vez, na história constitucional do país, sob a forma de um capítulo específico, o Brasil está inserido em uma sociedade contemporânea, industrial e baseado na exploração econômica dos recursos ambientais, o que faz emergir situações de risco a toda a população.

Essa sociedade contemporânea, mesmo que desconheça as nefastas consequências do tratamento que dispensa ao meio ambiente, ao menos reconhece a existência de riscos concretos ou potenciais, embora não saiba ou não esteja disposta a enfrentá-los. Diante, então, dessa situação, impõe-se uma questão cuja resposta é essencial à compreensão do Estado de Direito Ambiental, considerando, sempre o fato desse Estado estar inserido em uma sociedade de risco. Leite e Ayala expressam essa preocupação com a seguinte pergunta: “É possível construir um Estado de Direito Ambiental na sociedade de risco”? (2004, p. 29).

A resposta é complexa, pois para ser ambiental, um Estado deve ser, primeiramente, de Direito, Democrático e Social, o que para Santos é, praticamente, uma utopia, considerando as características da moderna sociedade industrial. O constitucionalista tece os seguintes comentários sobre a complexidade dessa questão:

A configuração de um Estado de Direito Ambiental passa, necessariamente, por essa mudança de paradigma, pois é impensável a construção desse Estado de Direito na perspectiva dos outros modelos de Estado já vistos anteriormente. Como pensar em edificar um Estado Ambiental sob o paradigma liberal, quando, reconhecidamente, sob esse Estado, não houve a efetiva participação do Poder Público na resolução de questões cruciais à sociedade. Quanto ao Estado Social, intervencionista, pode ocorrer uma coletivização da economia sob o pretexto de proteger o meio ambiente.

Diante de um mundo marcado por desigualdades sociais e pela degradação em escala planetária, construir um Estado de Direito Ambiental parece ser uma tarefa de difícil consecução ou até mesmo uma utopia, porque se sabe que os recursos ambientais são finitos e antagônicos com a produção de capital e consumo existentes. (LEITE, 2007, p. 148).

O que se torna claro, nesse momento, é que a consolidação de um Estado de Direito Ambiental, somente pode ocorrer em uma sociedade democrática, justa, solidária e edificada sob um paradigma que considere, respeite e promova o direito das presentes e futuras gerações a usufruir uma sadia qualidade de vida, proporcionada por um meio ambiente não “apenas” equilibrado, mas ecologicamente equilibrado.

Nesse contexto de profundas e importantes transformações, o Estado brasileiro, sob o paradigma do Estado Democrático de Direito (Estado Ambiental de Direito), foi instado a constitucionalizar a questão ambiental e o fez, através de um capítulo específico que inicia a partir do artigo 225, mas que perpassa todo o texto constitucional em vários outros dispositivos, o que não significa, deve-se reconhecer, que os problemas ambientais encontraram, finalmente, soluções após séculos de exploração predatória do meio ambiente.

A constitucionalização do meio ambiente significa que o Brasil compromete-se a tratar a polêmica e complexa questão ambiental com a seriedade, a responsabilidade e o compromisso que a questão exige. Não é pouco, embora não seja suficiente, levando-se em consideração a longa trajetória de devastação e descaso com a questão ambiental.

Benjamin reforça a importância da constitucionalização do meio ambiente: “Embora não necessariamente imprescindível, o reconhecimento constitucional expresso de direitos e deveres ambientais é, jurídica e praticamente, benéfico, devendo, portanto, ser estimulado e festejado. Um regime constitucional cuidadosamente redigido, de modo a evitar dispositivos nebulosos e de sentido incerto, pode muito bem direcionar e até moldar a política nacional do meio ambiente. (2007, p. 68).”

O capítulo dedicado ao meio ambiente é considerado um dos mais modernos dentre as constituições que abordam a questão ambiental, prevendo uma democrática divisão de competências entre os entes da federação, além de prever e disciplinar os mecanismos de proteção ao meio ambiente. Para Milaré trata-se de “um dos sistemas mais abrangentes e atuais do mundo sobre a tutela do meio ambiente.” (2000, p. 211). Benjamin reforça essa ideia, com a observação abaixo: “Na verdade, saltou-se do estágio de miserabilidade ecológico-constitucional, própria das Constituições liberais anteriores, para outro que, de modo adequado, pode ser apelidado de opulência ecológico-constitucional”. (BENJAMIN, 2004, p. 86).

Considerando a complexidade da questão ambiental e os interesses econômicos envolvidos, os obstáculos para a proteção do meio ambiente são ainda maiores. Por isso, torna-se relevante incluir a afirmação de Bobbio sobre esse tema: “uma coisa é falar dos novos direitos e cada vez mais extensos, a justificá-los com argumentos convincentes; outra é garantir-lhes uma proteção efetiva”. (1992, p. 63).

Wolkmer e Leite enfatizam, ainda, a necessidade de outras conquistas para a efetivação do Estado de Direito Ambiental: “A par dos avanços da Constituição da República Federativa do Brasil, mister para atingir o Estado de Direito Ambiental, várias outras mudanças, entre estas, por exemplo, um novo sistema de mercado e uma redefinição do próprio direito de propriedade. Com efeito, um novo sistema de mercado que privilegie mais qualidade de vida e o direito ecologicamente equilibrado. (2003, p. 191).”

Importa ressaltar, também, que o Estado de Direito Ambiental, instituído pelo artigo 225 da Constituição Federal de 1988, introduz uma ideia nova no contexto político e econômico brasileiro, pois reconhece a unidade indissociável que deve haver entre os cidadãos e o Estado na implementação dos mecanismos de proteção ambiental, bem como na proteção aos bens ambientais. Canotilho reforça a ideia da relevância do Estado Ambiental com essa afirmação:

A forma que na nossa contemporaneidade se revela como uma das mais adequadas para colher esses princípios e valores de um Estado subordinado ao direito é a do Estado constitucional de direito democrático e social ambientalmente sustentado. (1999, p. 7).

Acrescente-se, ainda, a esse conjunto de novas configurações do Estado Ambiental, a questão da justiça ambiental. Esse Estado que emerge, a partir de novas exigências ditadas pelo contexto de riscos constantes e pelas exigências da sociedade que se organiza em defesa do meio ambiente, deve ser um Estado amplamente preocupado com a efetividade do conceito de justiça, sem a qual o Estado Ambiental não se consolida. Com base, ainda, em Canotilho, uma definição de Estado de ambiente:

Finalmente, o Estado de ambiente é um Estado de justiça ambiental. De novo, a justiça aponta para exigências de igualdade, sob pena de os riscos ambientais representados por indústrias, resíduos, descargas, serem deslocados para zonas deprimidas ou para Estados sem defesas ecológicas. As fórmulas plásticas utilizadas nos direito do ambiente, na legislação interna, internacional e comunitária, como as do “poluidor-pagador”, “produtor – poluidor –pagador”, “proibição de turismo de resíduos”, pretendem condenar algumas normas de conduta ambiental onde, justamente com exigências técnicas e científicas, não são alheios princípios materiais de justiça ambiental. (op cit, p. 17).

A constitucionalização do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado significa que esses direitos assumiram uma dimensão de essencialidade que somente a inserção em uma constituição consegue garantir, além de serem legitimados pela ordem constitucional. Ocorre, porém, que a consagração, no texto constitucional, não obstante a importância acima referida, não significa, necessariamente, que sua efetividade está assegurada. Recorre-se mais uma vez aos ensinamentos de Canotilho: “(…) não basta a consagração de direitos numa qualquer constituição. A história demonstra que muitas constituições ricas na escritura de direitos eram pobres na garantia dos mesmos. As “constituições de fachada”, as “constituições simbólicas”, as “constituições semânticas”, gastam muitas palavras na afirmação de direitos, mas pouco podem fazer quanto à sua efectiva garantia se os princípios da própria ordem constitucional não forem os de um verdadeiro Estado de direito. Isto conduz-nos a olhar noutra direção: a dos princípios, bens e valores informadores e conformadores da juridicidade estatal. (1999, p. 20).”

Já se fez referência, em outro momento desse texto, à preocupação de que as normas constitucionais e infraconstitucionais de proteção e tutela ao meio ambiente tornem-se efetivas e compatibilizem a complexa questão que se estabelece entre desenvolvimento e meio ambiente. A Constituição Federal de 1988, pródiga no elenco de direitos e garantias fundamentais, não encontrou a necessária ressonância na sociedade, bem como na implementação de políticas públicas de preservação ao meio ambiente, garantindo, conforme expressa disposição constitucional, o equilíbrio ecológico indispensável à sobrevivência humana com dignidade. A sobrevivência em uma sociedade de risco exige mais do que exercícios de retórica. Exige ações políticas concretas e firmes no sentido de incentivar toda a forma de preservação e respeito ao ambiente em que se vive. Exige, também, programas de educação ambiental que estimulem a prática consciente da cidadania e da responsabilidade para a concreta edificação de um Estado de Direito Ambiental.

Conclusão

Durante a vigência do Estado Liberal a questão ambiental foi relegada a um plano secundário, pois o ideário do Estado consistia na mínima intervenção da estrutura estatal sobre as atividades privadas. Com essa abstenção, o modelo Liberal criou uma grande lacuna, tornando as demandas sociais ainda mais urgentes.

Com a emergência do Estado Social, que surge para corrigir as mazelas e lacunas sociais e econômicas deixadas pelo modelo liberal, reacende-se a esperança de ver reconhecida a importância da questão ambiental. Contudo, mais uma vez, o Estado opta por um modelo de desenvolvimento baseado na aceleração da produção industrial, em detrimento da questão ambiental.

Na década de 80, gradativamente, a partir dos  movimentos sociais que reivindicam o fim do período militar e a elaboração de uma nova Constituição, começa a se desencadear uma série de preocupações sociais, anteriormente desprezadas, entre elas, surge  discussão sobre a necessidade de constitucionalizar a questão ambiental, introduzindo-a em um capítulo específico da Constituição Federal de 1988, fazendo, emergir, dessa forma, o que passou a ser denominado Estado de Direito Ambiental, o qual, é inegável, representa um considerável avanço histórico, não obstante, ser necessário reconhecer que ainda há um longo caminho a percorrer para a efetivação de um Estado de Direito Ambiental.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Nádia Awad Scariot

Professora da rede pública estadual mas disciplinas de História e Geografia. Advogada


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