Odontologia forense na investigação criminal: importância e aplicação prática

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Resumo: A Odontologia Forense é a especialidade que investiga os processos físicos, psíquicos, químicos e biológicos que podem atingir ou ter atingido o homem, vivo, morto ou esqueletizado, e mesmo fragmentos ou vestígios, resultando lesões parciais ou totais reversíveis ou irreversíveis. Possui diversas aplicações e auxilia a Justiça na constatação e caracterização de lesões corporais e na identificação de pessoas, vivas ou mortas, em casos correlacionados com fatos supostamente delituosos. O objetivo do presente trabalho é elucidar como a Odontologia Forense contribui na Investigação Criminal, descrevendo seu emprego e focando na preservação do corpo de delito de relevância para o campo odontolegal.

Palavras-chave: Odontologia Forense. Identificação humana. Investigação Criminal.

Abstract: Forensic Dentistry is the specialty that investigates the physical, psychological, chemical and biological agents that can reach or has reached man, alive, dead or skeletonized, and even fragments or traces, resulting in partial or total damage reversible or irreversible. It has many applications and assists the Court in finding and characterization of injuries and the identification of persons, living or dead, in cases correlated with facts that may involve crime. The aim of this paper is to elucidate how Forensic Dentistry contributes to Criminal Investigation, describing its use and focusing on the preservation of the corpus delicti of relevance to the odontolegal field.

Key-words: Forensic Dentistry. Human identification. Criminal Investigation.

Sumário: 1. Introdução. 1.1. Objetivo geral. 1.2. Objetivos específicos. 1.3. Justificativa. 1.4. Metodologia. 2. Aplicações da odontologia forense. 2.1.Lesões corporais. 2.1.1.Erro odontológico. 2.2.Identificação humana. 2.2.1.Características fundamentais. 2.2.1.1.Espécie. 2.2.1.2.Idade. 2.2.1.3.Sexo. 2.2.1.4.Estatura. 2.2.1.5.Grupo Étnico. 2.2.2.Individualidade. 2.2.2.1.Elementos congênitos. 2.2.2.2.Estigmas resultantes de hábitos profissionais. 2.2.2.3.Estigmas culturais. 2.2.2.4.Traumas dentários. 2.2.2.5.Patologias fetais e da infância. 2.2.2.6.Tratamentos odontológicos. 2.2.3.Peculiaridades em relação à identificação de cadáveres putrefeitos, esqueletizados e carbonizados. 2.2.3.1.Cadáveres putrefeitos e esqueletizados. 2.2.3.2.Cadáveres carbonizados. 2.2.4.Estudo das Mordeduras. 3. Considerações finais. Referências.

1.INTRODUÇÃO

1.1.OBJETIVO GERAL

O objetivo do presente trabalho é apresentar as diversas maneiras em que a Odontologia Forense contribui na Investigação Criminal.

1.2.OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Pela descrição das principais técnicas utilizadas, serão demonstradas suas aplicações práticas, correlacionadas aos crimes cotidianos, com o intuito de conscientizar sobre a importância da preservação do corpo de delito de relevância para o campo odontolegal.

1.3. JUSTIFICATIVA

A Odontologia é uma profissão que se exerce em benefício da saúde do ser humano e da coletividade, sem discriminação de qualquer forma ou pretexto (Código de Ética Odontológica, 1991). Tem o seu exercício regulado pela Lei 5.081/1996, a qual também define as competências do cirurgião-dentista e o que lhe é vedado.

Já a Resolução n° 185/1993, do Conselho Federal de Odontologia, em seu artigo 54, define Odontologia Legal e seus objetivos:

“Art. 54 Odontologia Legal é a especialidade que tem como objetivo a pesquisa de fenômenos psíquicos, físicos, químicos e biológicos que podem atingir ou ter atingido o homem, vivo, morto ou ossada, e mesmo fragmentos ou vestígios, resultando lesões parciais ou totais reversíveis ou irreversíveis.

Parágrafo Único A atuação da Odontologia Legal restringe-se à análise, perícia e avaliação de eventos relacionados com a área de competência do Cirurgião-Dentista podendo, se as circunstâncias o exigirem, estender-se a outras áreas, se disso depender a busca da verdade, no estrito interesse da Justiça e da Administração.”

Sua finalidade é subsidiar a Justiça com elementos obtidos por meio de conhecimentos provenientes da Odontologia, de forma a elucidar conflitos judiciais.

A primeira citação do uso da Odontologia Legal foi em Paris, em 1897, quando ocorreu um incêndio no “Bazar de la Charité”, local onde ocorriam leilões beneficentes, frequentados pela alta sociedade francesa. A maioria das pessoas morreram carbonizadas. O cônsul do Paraguai na França sugeriu que os arcos dentários das vítimas fossem comparados com os tratamentos dentários documentados pelos dentistas da época, resultando em cerca de 90% de corpos identificados (VANRELL, 2002).

Assim, percebe-se que o sistema estomatognático é uma fonte segura de informações, posto que é um sistema perene, que não sofre grandes modificações durante a vida do indivíduo. Preenche requisitos técnicos para o uso em perícias, tais como:

1. Unicidade ou individualidade – não se ver repetição em um ou outro indivíduo. Relatou Sognnaes (1982) que a análise de marcas de mordidas em gêmeas monozigóticas demonstrou variações quanto à oclusão e posicionamento dos dentes, reforçando a idéia de unicidade das arcadas dentárias;

2. Imutabilidade – caracteres que não se alteram ao longo do tempo;

3. Perenidade – elementos resistem à ação do tempo durante a vida e após a morte;

4. Praticabilidade – processo aplicável à rotina pericial, tanto em seu registro quanto em sua aplicação e custo;

5. Classificabilidade – possibilidade de classificação, que facilite o arquivamento e localização desses arquivos.

Nos tempos atuais, a Odontologia Legal possui diversos campos de atuação na prática investigativa policial. Pode ser de grande valia na identificação de agressores, no caso de crimes sexuais, homicídios, casos de violência doméstica e infantil, em que este agride a vítima com mordidas ou quando a própria pessoa se defende do agressor, mordendo-o (SWEET, 1998). Nesses casos, há a possibilidade de que um médico legista realize o exame pericial, no entanto, é provável que resulte em uma avaliação deficiente, na qual se pode deixar de identificar um suspeito ou excluir um possível inocente.

No caso da identificação de cadáveres, especialmente em desastres em massa, muitas vezes não há outros subsídios para identificá-los. A avançada putrefação ou a carbonização muitas vezes destroem os caracteres faciais ou as papilas dérmicas, que possibilitariam a identificação visual ou papiloscópica, respectivamente. Por isso, muitas vezes a perícia dos elementos dentários é a única maneira de identificar o corpo.

A Odontologia Forense também tem seu papel na delimitação do dano provocado no caso de lesões corporais decorrentes de acidentes ou agressões, além de investigar os casos de erro odontológico, provocado por imperícia, imprudência ou negligência do profissional da área.

1.4.METODOLOGIA

Para o desenvolvimento do presente trabalho, foi realizada uma pesquisa bibliográfica descritiva, em que foram levantados trabalhos sobre o tema. As principais fontes foram livros e artigos científicos elaborados por profissionais da área, além de informações obtidas na Internet.

2. APLICAÇÕES DA ODONTOLOGIA FORENSE

2.1. LESÕES CORPORAIS

Os traumatismos alvéolo-dentários podem ser definidos como lesões ou danos produzidos nos tecidos ou órgãos que formam o complexo alvéolo-dentário, decorrente da ação de forças diretas aplicadas anteriormente ou lateralmente às regiões média e inferior da face, ou mesmo por ação de forças indiretas aplicadas na mandíbula que, ao se chocar com a maxila, promove esse tipo de trauma. (BENNETT, 1963 apud RIBEIRO, 2004). A extensão da lesão provocada depende de vários fatores como a natureza, a direção, a magnitude da força externa aplicada, a velocidade e o tipo de impacto.

Traumas faciais resultam em dentes fraturados, luxados ou perdidos, o que pode ter efeitos funcionais, estéticos e psicológicos negativos. A maior incidência de traumas na dentição decídua ocorre na idade de dois a três anos, quando a coordenação motora está em desenvolvimento. Já na dentição permanente, as causas mais comuns de lesões ocorrem devido a quedas, acidentes de trânsito, práticas desportivas e violência, sendo esta última a principal causa (BASTOS, 2005).

Para se determinar a extensão do trauma dental e de estruturas subjacentes, o estudo deve incluir análise do fato gerador, exame clínico acurado e tomadas radiográficas. Testes de palpação, percussão, mobilidade e avaliação dos tecidos moles da boca devem ser feitos para se determinar a extensão do dano. Radiografias intra-orais são úteis para detectar trauma dentoalveolar, e as extra-orais podem avaliar fraturas ósseas.

É preciso investigar a história, as circunstâncias, o tipo de trauma e sua localização precisa, pois estes fatores serão importantes para distinguir se o trauma foi acidental ou provocado. Esse exame averiguará o nexo de causalidade entre o dano ocorrido na vítima e o trauma pela qual fora acometido, além de avaliar suas consequências para fins de tipificação no artigo 129 do Código Penal Brasileiro, que descreve o crime de lesão corporal e suas qualificadoras. A tipificação permitirá ao Estado a aplicação de pena adequada ao ofensor.

O perito deve analisar se houve ofensa à saúde. Em caso positivo, a possibilidade de incidência das consequências previstas nos parágrafos 1° e 2° do mesmo artigo deve ser avaliada, principalmente as lesões:

– Graves: incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; debilidade permanente de membro, sentido ou função;

– Gravíssimas: incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável; perda ou inutilização do membro, sentido ou função; deformidade permanente.

Para determinar se alguma dessas agravantes ocorreu, o profissional deverá avaliar as funções mastigatória, estética e fonética, e saber o quão comprometida cada uma delas está.

Assim, o perito tem a responsabilidade de reconhecer e diferenciar os traumas orais agudos e, por isso, precisa de conhecimento técnico, treinamento e experiência no reconhecimento dessas lesões.

2.1.1. Erro Odontológico

Em certas ocasiões, o Cirurgião-Dentista, que deveria ser um profissional promotor da saúde de seus pacientes, pode promover um resultado adverso do esperado dentro de um ato odontológico, resultante de uma ação ou omissão. Pode ser causado por:

– Imperícia: falta de observação das normas técnicas, despreparo prático ou insuficiência de conhecimento;

– Imprudência: ação ou omissão em que o profissional assume procedimentos de risco para o paciente sem respaldo científico ou sem esclarecimentos ao paciente;

– Negligência: descaso, pouco interesse quanto aos deveres e compromissos éticos com o paciente.

Se algum desses aspectos for comprovado inequivocamente, imputaria a culpa do erro ao profissional que realizou a conduta.

Portanto, para constatar o erro produzido pelo profissional, é necessário avaliar sua intenção inicial, ao propor o trabalho realizado; seu modus operandi, ou seja, sua qualidade pessoal na realização do trabalho; seu respeito às limitações impostas pela ciência e seus resultados imediatos e mediatos.

Há fatos que podem ainda causar eventos imprevisíveis, tais como: materiais odontológicos com defeitos advindos da fábrica, reações idiossincráticas a medicamentos, sensibilidade individual a bimetais etc., casos esses que são escusáveis, desde que o profissional tenha usado a técnica correta, com todos os seus passos e regras pré-definidos. Estes devem ser excluídos numa análise acurada, para descartar uma possível culpa.

Os erros podem ser divididos em duas grandes categorias:

– Erros decorrentes da falta aos deveres de humanidade – recusa de socorrer um paciente em perigo; abandono de paciente; falta do dever de instruir o paciente sobre sua condição e obter seu consentimento; falta do dever de salvaguarda; violação do segredo profissional.

– Erros relativos à técnica odontológica – erros de diagnóstico; de planejamento; de execução; de prognóstico; erros específicos de especialistas; utilização inadequada ou imprópria de medicamentos e/ou instrumentos; falta de higiene.

Quando constatado o erro, esse pode levar à caracterização de alguns crimes. Exemplo é o de lesão corporal, previsto no artigo 129 do Código Penal Brasileiro (CPB), cuja pena é de detenção, de três meses a um ano. Há também o crime de estelionato, previsto no artigo 171 do CPB, cuja pena é de reclusão, de um a cinco anos, e multa, quando o profissional promete e cobra por certo serviço, realizado com um material determinado, e o realiza diferentemente do acordado ou utilizando material de qualidade inferior ao referido no contrato de prestação de serviços. Todos esses casos ainda podem gerar uma ação indenizatória ou de reparação de dano, que será discutida em juízo, com o auxílio de perícia odontológica, além da responsabilização administrativa perante o Conselho Regional de Odontologia, mediante processo ético-disciplinar.

Para isso, o perito primeiramente fará um exame clínico e radiográfico para analisar os seguintes aspectos: congruência entre queixa e tratamento realizado; existência de lesões e/ou sequelas e sua etiologia; tipo de procedimento realizado, sua coerência com o quadro clínico apresentado e se este era recomendado; qualidade do material usado e sua biocompatibilidade; relação custo-benefício entre procedimento adotado e resultado obtido; grau de informação fornecido ao paciente antes da realização do tratamento e seu grau de satisfação com o resultado do tratamento.

Depois, irá identificar os erros de diagnóstico – se foi feito com técnica defeituosa, se a interpretação dos dados obtidos foi equivocada, se deixou de usar algum recurso indispensável como, por exemplo, o exame radiológico.

Posteriormente, verificará se houve erros no planejamento do caso e também na execução do tratamento em si – uso de técnica errônea, uso de medicamentos, materiais ou instrumentos inadequados, ou a própria falta de tratamento.

Por último, fará a detecção de erros de prognóstico – avaliação incorreta da evolução após o tratamento, abandono do paciente, falta de orientações dadas ao paciente sobre a evolução do quadro, ou falta de conhecimento sobre a evolução natural da patologia.

2.2. IDENTIFICAÇÃO HUMANA

O conjunto de caracteres físicos, funcionais e psíquicos, natos ou adquiridos, mas permanentes, os quais tornam as pessoas diferentes umas das outras, e idêntica em si mesma é denominado identidade (VANRELL, 2002).

Para identificar uma pessoa, é necessário que se compare os caracteres pessoais com dados previamente registrados em prontuários civis ou outros tipos de documentos, com a finalidade de individualizar a pessoa.

A identificação odontolegal tem importância singular, posto que os arcos dentários oferecem numerosas variáveis individualizadoras, tornando praticamente impossível que duas pessoas tenham a mesma morfologia dento-esquelética. Além disso, as peças dentárias possuem grande resistência em situações que, em geral, provocam destruição dos tecidos moles, tais como a putrefação e as energias lesivas, como os traumas e as energias físicas e químicas. Nesses casos, os procedimentos elementares de reconhecimento, como os traços fisionômicos ou a identificação papiloscópica, tornam-se ineficientes.

Deve-se ter em mente que a perícia odontolegal tem um foco na comparação dos achados particulares no corpo em estudo com os dados encontrados em documentação odontológica fornecida por profissionais da área. No entanto, a análise não se resume à constatação de tratamentos odontológicos previamente realizados. É possível identificar muitos aspectos do corpo, por meio de características dos dentes e ossos subjacentes:

2.2.1. Características fundamentais

2.2.1.1. Espécie

Quando são achados dentes isolados, é importante reconhecer se são humanos ou não. A característica morfológica privativa dos humanos é que a coroa e a raiz se encontram em um mesmo plano, apresentando-se como segmentos de hastes retas.

2.2.1.2. Idade

Há alguns métodos utilizados para estimar a idade de pessoas vivas e cadáveres. Dentre os métodos mais atuais, há a racemização de aminoácidos, em especial a do ácido aspártico, que é considerado possuidor de baixo turnover metabólico, e consequente baixo índice de decomposição. O ácido aspártico tem o maior índice de racemização, sendo utilizado com segurança para estimar a idade, quando este é extraído da dentina.

Gustafson (1950, apud VANRELL, 2002) estabeleceu critérios múltiplos, que levam em consideração o desgaste dentário e as estruturas e tecidos circunvizinhos: abrasão, paradontose, dentina secundária, aposição de cemento, reabsorção da raiz, transparência radicular. Em função da intensidade, cada aspecto recebe uma pontuação, de zero a três, e a soma dos pontos oferece um valor numérico para cada dente. São feitos diagramas de dispersão com esses valores, permitindo determinar a idade com um erro de ± 5 anos.

É possível ainda estimá-la pela erupção dentária, com base em tabelas cronológicas de mineralização dos dentes. Cabe ressaltar que são baseadas em valores médios, que podem sofrer modificações, devido a diversas causas como: estado nutricional, tipo de alimentação, deficiências e carências alimentares, transtornos do crescimento, doenças metabólicas, o que pode atrasar a erupção em meses.

2.2.1.3. Sexo

Incisivos superiores são mais volumosos no sexo masculino do que no feminino, apesar das diferenças serem milimétricas. A relação entre a largura mesiodistal do incisivo central superior e a do incisivo lateral superior é menor na mulher do que no homem, posto que a mulher possui dentes mais regulares, semelhantes entre si. Na cronologia de erupção, as mulheres iniciam a erupção dos dentes permanentes, em média, quatro meses antes que os homens.

2.2.1.4. Estatura

É possível estimar a altura máxima e mínima que um indivíduo pode alcançar com base em medições de diâmetros e distâncias entre os dentes e uso dessas medidas em fórmulas matemáticas. É usado em casos de fragmentação ou esquartejamento do cadáver.

1.1.1.1.  Grupo Étnico

É possível diferenciar raças ortognatas (brancos ou caucasóides), prognatas (negros, melanodermas e faiodermas) e primitivas (aborígenes com prognatismo maxilar variável, mas expressivo) pela morfologia dos dentes molares – o tamanho das cúspides, suas relações com o sulco principal e até a ausência delas.

2.2.2. Individualidade

Quando a dentadura está completa, a identificação se dá pelas particularidades encontradas nos dentes. Já quando há perdas dentárias devido a extrações, avulsões, fraturas, perdas post-mortem, o reconhecimento tornar-se-á mais difícil, pela exígua quantidade de informações presentes.

Para se fazer um diagnóstico identificatório que seja confiável, deve-se encontrar um número significante de coincidências no confronto entre o corpo em questão e a documentação odontológica previamente realizada. Um ou mais pontos de incompatibilidade permitem a exclusão de certa pessoa.

O paciente pode ainda ter realizado algum tratamento dentário em data posterior à da ficha que o perito dispõe, com extrações dentárias, realização de implantes e colocação de pinos. Esse tratamento, no entanto, não invalida a identificação, desde que os dentes subsistentes possibilitem o confronto com o registro anterior.

Há muitos elementos, de diversas naturezas, que são de grande valia no processo de identificação odontolegal, a saber:

2.2.2.1 Elementos congênitos

· Anomalias dentárias, como a hipoplasia dentária e displasia de esmalte;

· Anomalias diversas de forma, número, volume, disposição peculiar, diastemas;

· Forma dos arcos dentários: normal, trapezoidal, triangular, redonda, assimétrica;

· Forma da abóbada palatina: plana, ogival, “alça de balaio”;

· Exame das irregularidades da superfície do palato (palatoscopia): as rugosidades permanecem invariáveis por toda a vida do indivíduo, persistindo vários dias após a morte. São diferentes de uma pessoa pra outra e o seu confronto com um modelo prévio pode ser decisivo na identificação.

2.2.2.2 Estigmas resultantes de hábitos profissionais

· Por ação mecânica: causam pequenos desgastes ou perdas mínimas de esmalte. Exemplo: sapateiros que seguram pregos entre os dentes, provocando chanfraduras nos incisivos centrais;

· Por ação química: vapores corrosivos provocam destruição dos tecidos dentários, ensejando amolecimento e perda de dentes, além de aumento da incidência de lesões de cárie. Podem ainda causar colorações características do esmalte e dentina pelo contato duradouro do operário com produtos químicos.

2.2.2.3. Estigmas culturais

·  Mutilações ornamentais, para identificação de grupos étnicos;

·  Incrustações de pedras preciosas ou metais, como forma de demonstrar riqueza e poder.

 2.2.2.4.Traumas dentários

· Em acidentes ou agressões, podem-se encontrar fraturas, luxações ou avulsões dentárias.

· A análise da borda da fratura avalia a antiguidade da lesão, já que o ângulo se arredonda pelo desgaste diário.

2.2.2.5. Patologias fetais e da infância

· Transtornos sistêmicos, doenças graves ou iatrogenias que se instalem no embrião, da sexta semana até a infância, podem provocar modificações no desenvolvimento do broto dentário. Exemplos: Dentes de Hutchinson (sífilis congênita), coloração por bilirrubina (doença hemolítica do recém-nascido), coloração por tetraciclina.

2.2.2.6. Tratamentos odontológicos

A cárie é uma doença que deixa marcas características na dentição, sendo essas lesões tratadas ou não. Suas sequelas são facilmente identificadas por:

·  Restaurações de diversos materiais: amálgama, resina composta, metais, porcelanas;

·  Tratamentos endodônticos: com materiais radiopacos no sistema radicular, de fácil visualização radiográfica;

·Trabalhos protéticos: coroas, pontes fixas e removíveis, pinos, blocos;

· Radiografias antigas: detectam tratamentos restauradores anteriores, posicionamento dos dentes e configuração óssea.

Considerando-se que um adulto pode ter 32 dentes, as combinações possíveis entre os vários tipos de procedimentos realizados são infinitas, tornando a identificação, por meio do exame de tratamentos dentários previamente executados, uma perícia de alta confiabilidade.

2.2.3. Peculiaridades em relação à identificação de cadáveres putrefeitos, esqueletizados e carbonizados

2.2.3.1. Cadáveres putrefeitos e esqueletizados

As condições em que se encontre um cadáver, a influência atmosférica e o terreno em que permanece o corpo são fatores importantes que influenciam na maior ou menor rapidez dos fenômenos putrefativos. Estes fenômenos são mais rápidos quando se combina com o grau de umidade do terreno e sua constituição química. (PUEYO et al., 1994 apud PEREIRA, 2003).

Quando se tratam de cadáveres em avançado estágio de putrefação, é necessário que se faça uma dissecação que permita a visualização da cavidade oral e a obtenção de radiografias. A retirada da maxila e da mandíbula não é recomendada, exceto em casos excepcionais, em virtude do tempo que se gasta.

No caso de cadáveres esqueletizados, antes de iniciar a análise dos dentes e estruturas subjacentes, devem ser feitos procedimentos iniciais, os quais incluem limpezas sucessivas do crânio, com hipoclorito de sódio e peróxido de hidrogênio, posterior escovação, lavagem e secagem, com intuito de remover todo tipo de tecidos moles aderidos à superfície óssea.

2.2.3.2. Cadáveres carbonizados

A ação do fogo destrói a substância orgânica do osso, de natureza colágena, permanecendo a mineral. É o processo de calcinação, que se observa em vítimas de incêndios. Os restos ósseos ficam porosos, friáveis e muito brancos, e com facilidade se pulverizam.

As técnicas usadas para identificar dependem da condição em que a vítima de carbonização se encontra. A extensão do dano depende da temperatura e duração da exposição ao fogo.

Comparação radiográfica entre tratamentos dentários prévios e o cadáver são de grande valia. Ferramenta importante é a análise da conformação óssea dos seios da face, quando estes estão preservados, pois é um método confiável para confirmar ou rejeitar uma identificação, já que a configuração de seus septos é única para cada indivíduo.  Um problema encontrado nessa técnica é no caso de crianças e adolescentes, nos quais essas estruturas ainda estão em formação e em constante mudança, e nos idosos, devido à reabsorção óssea e ao alargamento das cavidades.

A alta resistência do dente à alta temperatura é bem conhecida. Os dentes mostram resistir a temperaturas entre 537,6 e 648,7°C. Coroas de ouro têm o ponto de fusão entre 870,9 e 1.093,2°C, porcelanas a 1.093,2°C, amálgama a 870,9°C. No entanto, após a exposição, os dentes ficam frágeis e tendem a se quebrar facilmente, fato este que dificultaria a análise visual, fotográfica e radiográfica para servir de evidência. Isso é mais comum nos dentes anteriores, já que são os mais expostos às altas temperaturas. Os dentes posteriores tendem a se preservar mais (CAMPOBASSO et al, 2007).

Como mecanismo natural de proteção, a boca pode se fechar e formar uma espécie de caixa forte que protege os tecidos do interior da boca, colaborando ao constante estado de umidade em que se encontra. O palato, de grande importância, pode ter valiosos elementos identificadores (rugas palatinas) que, caso tenha conservada a sua morfologia anátomo-macroscópica sem sofrer alterações pela ação do fogo, pode ser decisivo na identificação.

2.2.3.3. Estudo das Mordeduras

As marcas deixadas por uma mordida possuem características particulares, posto que a dentadura é única para cada indivíduo. Podem ser usadas tanto para identificar um agressor, como para excluir um suspeito (SWEET, 2001).

As mordeduras são frequentemente encontradas em casos de homicídios, crimes de natureza sexual, violência doméstica e maus-tratos a crianças. Podem ainda serem feitas em objetos inanimados, tais como alimentos mordidos pelo suspeito, e serem identificadas em qualquer cena de crime.

A análise cuidadosa das marcas de mordidas pode revelar, além da identidade do agressor, outros aspectos, tais como:

· Violência da agressão;

· Sequência na produção das mordidas, quando mais de uma;

·  Reação vital das lesões, para determinar se foram produzidas intra vitam ou post-mortem;

·  Data aproximada da lesão, ou seja, o tempo transcorrido entre sua produção e o exame.

As arcadas dentárias, quando da produção de uma lesão por mordedura, atuam como instrumentos contundentes ou corto-contundentes (ARBENZ, 1988). A lesão é produzida pelo fechamento da mandíbula, seguida de sucção da pele e ação de uma força em sentido contrário, impulsionada pela língua, que se projeta nas faces incisais e linguais dos dentes.

Para se examinar a lesão, primeiramente deve-se determinar se esta é uma mordedura. Depois, constatar se a mordida é humana ou não. Deve-se atentar para sua localização anatômica, as características teciduais das estruturas subjacentes e da pele. Durante o exame, o perito deve observar os seguintes aspectos, de fora para dentro da lesão:

· Equimose difusa, mais ou menos intensa, na área externa da lesão, provocada pela sucção labial;

·  Escoriações ou lesões corto-contusas, provocadas pelos dentes anteriores – incisivos, caninos e, excepcionalmente, pré-molares – ou pela superfície do palato. Serão observadas as características individuais dos dentes;

·  Equimose de sucção, provocada pela língua ou pelo vácuo criado no interior da cavidade oral.

O perito deve estar atento às particularidades anatômicas do indivíduo. Anomalias de volume, número, forma, posição, erupção e alterações devidas a hábitos do agente são de grande valia na identificação do agressor.

As marcas deixadas pelos dentes são características em cada um de seus subtipos. Os incisivos produzem um formato correspondente a um retângulo alongado. Já os caninos produzem marca em formato triangular ou estrelado. Normalmente, pré-molares e molares não deixam marcas. Em casos raros, as marcas têm formato de retângulos largos com diferentes pressões dadas pela altura das cúspides.

Cada lesão deve ser cuidadosamente fotografada, com tomadas mais abrangentes e “em close”, além de incluir uma escala ou régua milimetrada na tomada. A lesão deve ser fotografada em dias subsequentes, para acompanhar as mudanças de coloração. Deve-se também fazer a coleta da saliva, para identificação do DNA.

Para se fazer o confronto entre mordida e dentição do suspeito, a lesão será moldada, tanto no vivo quanto no cadáver, com uso de materiais de alta precisão, como a silicona, o vinilpolissiloxano e os polissulfetos. Pode-se realizar o mesmo procedimento em objetos inanimados. O suspeito fornecerá seus padrões para comparação, por meio de mordidas em lâmina de cera, moldagem dos arcos superior e inferior e coleta de sangue e/ou saliva.

A comparação das marcas colhidas sobre a vítima ou objeto e os padrões se dá em duas etapas:

· Análise métrica da mordida – Será feita sobre as fotografias, moldes, modelos, ou sobre as mordidas em cera. Abarca: a medida da largura e comprimento de cada dente; avaliação do tamanho comparativo dos dentes; distância entre as peças dentárias; tamanho geral dos arcos dentários;

·Associação e comparação de padrões – É feita por: comparação física da forma da lesão com a dos dentes do suspeito; orientação da marca, diferenciando arco superior do inferior; análise das rotações dentárias; verificação das posições relativas de cada peça no arco; registrar ausência de dentes, distância entre eles, curvatura dos arcos, fraturas, restaurações.

A análise das mordeduras pode propiciar alguns problemas práticos para sua efetivação, tais como:

·Dificuldade de reconhecimento das mordidas durante a perinecroscopia;

· As lesões se transformam com o passar do tempo. Portanto, o lapso temporal entre a produção da lesão e a perícia pode ser de extrema relevância;

· Os padrões das mordidas são bastante variáveis, posto que estas são produzidas entre dois instrumentos móveis: a mandíbula e a pele da vítima;

·  A pele não oferece suporte adequado para a conservação das marcas de mordida, nem facilita a coleta das impressões.

Assim, quanto mais rápido a vítima for submetida à perícia, com uso de uma técnica de coleta adequada e uma avaliação criteriosa, menos divergências serão incorporadas ao resultado final do estudo.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, fica evidente que as características presentes nos dentes e estruturas subjacentes, por não sofrerem grandes modificações durante a vida e após a morte, oferecem subsídios confiáveis para a identificação humana.

Assim, a Odontologia Legal é fundamental na identificação humana de cadáveres em avançado estado de decomposição, esqueletizados ou carbonizados, assim como dos agressores que deixaram marcas de mordida.  O sucesso da identificação dependerá do tempo entre o fato criminoso ocorrido e da época em que o exame pericial foi realizado. No caso de identificação de cadáveres, um fator decisivo no êxito será a existência de caracteres no cadáver que sejam únicos, quando comparados a um registro odontológico prévio, fornecido por um profissional da área.

No caso do erro odontológico, um resultado adverso do esperado é promovido por um profissional imperito, imprudente ou negligente. O perito odontólogo deve comprovar se alguma dessas condutas foi inequivocamente cometida, possibilitando a responsabilização penal, cível e administrativa do profissional, seja a conduta comissiva ou omissiva.

Assim, é necessário que se preserve todo tipo de vestígio que se configure como corpo de delito de interesse da Odontologia Legal, já que tal prova pode ser crucial no estabelecimento de uma identificação necroscópica ou de um possível suspeito.

 

Referências
ARBENZ, Guilherme Oswaldo. Medicina Legal e Antropologia Forense. São Paulo: Livraria Atheneu, 1988. 562 p.
BASTOS, Kátia Aparecida Bueno Santos. Análise da ocorrência e classificação penal das lesões maxilofaciais do Instituto Médico Legal do município de Taubaté. São Paulo, 2005. 65 p. Dissertação (Mestrado em Odontologia Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
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Informações Sobre o Autor

 

Tiago Euphrasio de Mello

 

Agente de Polícia da Polícia Civil do Distrito Federal lotado na seção de Perícias Criminais Contábeis. Pós-Graduado em Investigação Policial pela Academia de Polícia Civil do Distrito Federal com a chancela da Universidade Católica de Brasília. Pós-Graduado em Controladoria e Finanças Públicas pela AVM Faculdades Integradas da Universidade Cândido Mendes

 


 

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