A crítica escandinava a Hans Kelsen e o surgimento da teoria da norma escandinava em Karl Olivecrona

Resumo: Desenvolver o problema da norma jurídica empírica em Karl Olivecrona, explicitando seus pressupostos epistemológicos da Escola de Uppsala de 1911. A norma jurídica de Karl Olivecrona originou mediante criticas à norma jurídica de Hans Kelsen. O objetivo é explicitar esse problema, dada a analise conceitual sueca.

Palavras-chave: Norma jurídica empírica em Karl Olivecrona. Escola de Uppsala de 1911. Analise conceitual escandinava.

Abstract: To develop the problem of rule of law in Karl Olivecrona, explaining his epistemological assumptions of the School of Uppsala of 1911. The rule of law of Karl Olivecrona originated through critics to the rule of law of Hans Kelsen. The objective is to explain this problem, given the Swedish conceptual analysis.

Keywords: Rule of law of Karl Olivecrona. Uppsala School of 1911. Scandinavian conceptual analysis.

Sumário: 1.Introdução. 2. Filosofia de Uppsala de 1911. 3. Karl Olivecrona e o problema da norma jurídica de Hans Kelsen. 4. Karl Olivecrona e norma jurídica  empírica como imperativos independentes. 5. Considerações Finais. 6. Referências

I – Introdução

O objetivo do presente artigo é colocar o problema da teoria da norma em Karl Olivecrona e ver como se originou mediante a teoria da norma de Hans Kelsen.  Kelsen não manteve um pensamento estático durante a sua vida, sua dinamicidade de pensamento revela pelas diversas críticas.  Von Wright, numa nota de roda pé, em artigo dedicado ao pensamento de Kelsen, coloca essa dinamicidade: No final de sua vida, Kelsen mudou de opinião, mudando para uma posição "nihilista", que lembra a de Hägerström, em relação à possibilidade de "lógica de normas" ou "lógica deontica[1]. Olivecrona foi discípulo de Axel Hägerström, fundador da Escola de Uppsala de 1911, esse movimento filosófico ficou conhecido como realismo escandinavo e os membros deste movimento filosófico desenvolveram diversas criticas à Kelsen, bem como numa dessas criticas ocasionou o surgimento da teoria da norma empírica de Olivecrona.

Existem pontos de semelhança e dessemelhança entre Kelsen e Olivecrona: (i) ambos compartilham do entende-se por força: (a) monopólio institucionalizado do uso da violência legitima pelo Estado; (b) ambos afirmam pela independência entre Direito e Moral, todavia sugerem caminhos diversos. Por um lado, Kelsen afirma a possibilidade de um caminho normativo, indene de valoração, senão que afirma pelo conjunto de normas validas e justificadas unicamente por sua validade, enquanto dinâmica e estática. Norma é valida, se (i) existir no espaço e tempo; (ii) remissão da norma e sua norma superior e (iii) mínimo de eficácia. De outro lado, Olivecrona afirma pela não possibilidade de cognição da norma jurídica. Não há um mundo do dever-ser, senão que tal categoria “dever-ser” remete-se a dois fins: declaração do estado de emoção de quem enuncia e tentativa de influenciar na conduta do receptor deste enunciado.

Assim o nosso objetivo é: (i) colocar o contexto e as teses da filosofia de Uppsala de 1911, a filosofia moral, teoria dos atos psicológicos e o objetivo da filosofia sueca; (ii) colocar o problema da teoria da norma de Hans Kelsen, dado a analise conceitual escandinava; (iii) teoria da norma empírica de Karl Olivecrona na obra “Lei como fato” 1939.

II – Filosofia de Uppsala de 1911

Karl Olivecrona foi discípulo de Axel Hagerstrom, fundador da Escola de Uppsala de 1911. A obra “Lei como Fato” de 1939 exemplifica a crítica empírica empregada pelas teses de Uppsala (i) analise conceitual; (ii) subjetivismo é falso; (iii) não há valores objetivos, o que configura o nihilismo axiológico.  Estas teses podem ser condensadas em duas teses: (a) julgamento de valores e julgamentos de obrigação não expressam julgamentos, mas expressam associações simultâneas entre ideias de sentimentos e a referencia a uma ideia de conduta, ao objeto de valoração; (b) esses julgamentos não podem ser empiricamente confirmados e, logo, tais julgamentos não são nem verdadeiros e nem falsos. As teses de Uppsala plantam, pela primeira vez no século XX, condições de possibilidade para o desenvolvimento de teoria meta-ética e, por isso, teoria não-voluntarista. Qual o objetivo de Axel Hägerström? Destruir a metafisica, assim era o seu lema, parafraseando Catão: “praeterea censeo metaphysicam esse delendam”[2][3]Essa batalha contra a metafisica, não limita-se as estruturas do pensamento, como formas explicitas de metafisica, “o império da metafisica engloba muito mais do que deixam conhecer suas manifestações históricas.”[4]  Essa batalha desenvolve até seus últimos redutos, e nestes redutos Hägerström encontra metafísica implícita, como disposição natural, enraizada tanto na consciência popular como na consciência cientifica.  Tanto a linguagem popular, como a linguagem cientifica referem-se a coisas e propriedades, tanto como a jurisprudência fundamenta o Direito vigente dado uma vontade do Estado, isso tudo configura uma metafisica dissimulada e implícita e como, de acordo Hägerström, todas as representações metafísicas não contêm em si qualquer efetivo conteúdo, mas simplesmente se referem ao reino da superstição”[5].

Veja que Hägerström não está diretamente ligado aos problemas jurídicos, senão aos problemas morais: principalmente o animismo nas mais diversas formas que explicitam no Direito: desde o Estado, vontade coletiva, interesse coletivo, direito subjetivo, etc. Os problemas jurídicos serão desenvolvidos por seus discipulos: Karl Olivecrona e Vilhelm Lundstedt. Assim, neste item desenvolvemos o ponto principal de Uppsala: a metafísica, e assim colocar a filosofia moral e como é entendida a filosofia desta escola.

O conceito empregado por Hägerström de metafisica não é unívoco no corpus de sua obra filosófica, senão que remetemos a dois conceitos centrais: (i) A metafísica domina não só na filosofia, mas na ciência em geral. Mas não é senão uma série de combinações de palavras, a respeito de cujo caráter o metafísico não conhece nada.”[6]; (ii) "devemos designar como metafísica todas as visões que tornam algo real da própria realidade – a realidade em si (por si) – se alguém fala simplesmente de ser puro, como se alguém tivesse representado alguma coisa real, ou se alguém faz alguma coisa real em particular E considera sua realidade como se toma algo particular real e considera sua realidade como uma propriedade junto com outras"[7].   

Hägerström pretende adentrar nesta batalha contra a metafisica, postulando outra metafisica: manter o caráter completamente lógico da realidade sensível.”[8] A crítica anti-idealista desenvolvida por Hägerström mantém dois pontos de alicerce: o conceito de realidade e a investigação da natureza do juízo. A investigação do juízo, ou como julgamento, desenvolve pela separação entre cognição e valoração e, de outro lado, o conceito de realidade do mundo empirico como uma realidade lógica, sustentado pelos principios de não-contradição e de igualdade.  Assim, diante desta distinção, soergue um distinção entre conhecimento lógico e conhecimento não lógico, isto é o conhecimento valorado. Veja que Hägerström coloca o conhecimento enquanto uma condição lógica de possibilidade, diversamente do subjetivismo, que empreende uma ficção do conhecimento. Conhecimento é apenas uma apreensão de algo não contraditório, como real e determinado.

Essa batalha contra a metasifica, ou mais especificamente contra o subjetivismo, Hägerstöm apontou que em nenhuma consciência pode ser dada imediatamente, pois “o apreendido é sempre algo distinto da apreensão.”[9]  A apreensão, enquanto cognição, e o apreendido, enquanto ao que foi valorado, devem ser distinguidos.  A valoração é repudiada pela filosofia de Uppsala, não há conhecimento cientifico acerca dos valores: Direito, moral, religião, história, etc, pois “quando se considera o valor e o mundo da experiência como um todo real, não tem determinação.[10]Assim, um julgamento ou a emissão de um juízo valorativo é na realidade apenas uma expressão na forma indicativa de um sentimento ou interesse em conexão com a ideia de algo”[11] ou o julgamento ou a emissão de um juízo valorativo é a apreensão de uma expressão de sentimento ou de vontade pertencente ao objeto ou ação “que tem o significado que evoca em nós um sentimento ou vontade correspondente.”[12] Isso configura o nihilismo axiológico: proposições que dizem respeito à moral ou valores não pode ser nem verdadeiro e nem faso, assim uma ciência moral não diz nada de moral, mas sobre a moralidade, isto é a confissão cientifica da não possibilidade de conhecimento pratico em termos teoreticos e, de outro lado, a teoria emotiva de Hägerström. 

Vejamos esta teoria emotiva[13] de Hägerström que Olivecrona se funda, pois tratam-se, na verdade teoria dos atos psicologicos, composta pela teoria dos atos mentais entre ideias ou/e emoções[14], que vai desenbocar nas associações simultaneas e assim configurando a teoria do erro moral.  O ato mental decorre por seu conteúdo, todo ato mental diz respeito ou a ideia ou a emoção, cada ato mental especifico tem conteúdo próprio, e que este conteúdo é algo diferente do ato em si. Isto é, a findalidade desta teoria é distinguir cognição, dado pelo ato mental que diz respeito à ideia, e valoração, ato mental complexo dado pela associação simultanea entre cognição e valoração. Por um lado, o conteúdo da ideia é algo que tem ou poder ter real existência no mundo empirico e independentemente do sujeito, esses atos mentais, que dizem respeito à ideia, são ideias sobre coisas, essas ideias, no entanto, podem carecer de existência no sentido de carecer de conteúdo, p ex. um centauro ou Deus. De outro lado, o conteúdo emotivo: prazer, sede, etc, é algo fenomenico e, por isso, ligado à experiência, logo esse conteúdo é dependente da consciência, que tem essa experiência específica. Todavia, há atos mentais complexos que são combinações de atos mentais simples que constituem outros atos mentais complexos. Uma ideia de ação é um (i) dever associado a uma ideia de ação e (ii) um sentimento emotivo, isto é uma (i + ii) valoração, isto é o que se chama de associação simultânea é um ato mental complexo, onde há uma confusão entre atos mentais com seus respecitvos conteúdos, e, logo, não são nem verdadeiros e nem falsos. É desta teoria dos atos psicologicos que Olivecrona arranja sua teoria contida na obra “Lei como fato” de 1939.

Por outro lado, Hägerstrom, conforme a teoria dos atos psicologicos,  decorre a analise conceitual lógica, operada somente pelos atos mentais ou pela cognição, que é uma analise subsidiado geneticamente pelo conceito e pela analise linguística destes conceitos em relação à outros conceitos, isto é a relação dos objetos conceituados com outros objetos conceituados, assim a analise conceitual objetiva a determinação das possibilidades no mundo empírico. Essa analise conceitual é considerada como o método lógico linguístico para examinar conteúdos da realidade, tais como conceitos e concepções, bem como no exame na definição dos conceitos. Assim, como mostra a história, esse método lógico conceitual foi ampliado para examinar os sistemas imanentes de filosofia e ver suas contradições, dada suas premissas ou suas consequências absurdas, e Kelsen foi uma vitima deste método, tal como coloca Olivecrona. Veja que a analise conceitual de Uppsala é oriunda, senão:

Desde o tempo de Sócrates foi considerado que uma das tarefas mais importantes da filosofia é analisar as noções que são comumente usados ​​para obter um mundo real de conceitos científicos, que devem ser internamente consistente. Para a Realidade, a qual refere à ciência não pode ser descrito por juízos contraditorios. Não há dúvida de que é sempre possível expressar estas decisões em palavras, mas estas palavras não têm significado. Portanto, nenhuma ciência que procura descrever a Realidade pode elidir uma análise conceitual desse tipo.”[15]

Assim, a tarefa da filosofia de Uppsala decorre por sua criticidade conceitual dos sistemas imanentes de filosofia. Tal como a ciência busca descrever e captar a essência da realidade, conforme descrições e analises dos fatos, os sistemas de filosofia, ao seu turno, que buscam descrever e analisar a realidade, e assim captar a essência da realidade, e, nesta medida, a filosofia nada mais é do que criticas e criticas desses sistemas imanentes de conhecimento. Vamos relembrar a tese da realidade de Hägerström: a realidade sensível completamente lógica, assim o conhecimento é remetido às condições de possibilidade lógica, se mesmo tal conhecimento visa descrever e captar a realidade. Com essa tese Hägerström buscou colocar o subjetivismo diante de si mesmo e ver como os sistemas oriundos do subjetivismo são nada mais nada menos que ficção e nada refletem a realidade. Como é esse método lógico linguístico? Vamos dar dois exemplos: Berkeley e Kelsen. Neste item evidenciaremos o idealismo de Berkeley e suas contradições e, de outro lado, Kelsen, que evidenciaremos no seu devido lugar.

Berkeley sintetizou seu sistema filosófico pelos termos: “esse est percipi”[16]. Agora sob a perspectiva da analise conceitual de Marc Wogau[17], discípulo da  Escola de Uppsala de 1911.  O problema identificado por Wogau é que Berkeley necessariamente precisa adicionar premissas, ora buscar por premissas implícitas, neste seu sistema filosófico, o que faz confundir essencialmente seus conceitos. Assim, “esse est percipi”, Berkeley utiliza “esse” ou “ser”, oriundo do Renascimento, em dois modos: “ser” tanto como existência como essência. Assim percebe-se o ser enquanto posições do ser, na existência, e propriedades do ser, na essência. Agora, quanto ao termo “est” ou “é”, Wogau aponta dois sentidos: um forte e um fraco. O sentido é forte quando “est” ou “é” diz respeito à identidade. Por outro lado, há o sentido fraco, onde “est” ou “é” diz respeito a uma relação formal de equivalência. A argumentação lógica é para o sentido forte: se x existe, então x é percebido. Por outro lado, o sentido fraco o argumento lógico é: se x existe, implica que x é percebido.  Voltemos ao princípio, “esse est percipi”. Berkeley utiliza “percipi” ou “ser percebido” não em duas formas, mas em diversos sentidos, parece compreender tanto as coisas sensíveis quanto às ideias de memória e imaginação, mas também uma espécie de conhecimento não sensível do que algo é”.[18] Assim, diante destas possibilidades, o método lógico busca evidenciar essas possibilidades, ou melhor, essas contradições conceituais, o que inviabilizaria o próprio sistema de referência, dado suas contradições internas conceituais.

Por outro lado, o próprio Kelsen, junto com sua Teoria Pura do Direito, foi vitima e muito criticado pelos escandinavos.

III – Karl Olivecrona e o problema da norma jurídica de Hans Kelsen

Karl Olivecrona, em “Lei como fato” de 1939, aplica referido método lógico conceitual na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen. Olivecrona critica o que Kelsen edifica-se por validez da norma jurídica: (i) remissão da norma a outra norma até a CF; (ii) existência no espaço e tempo e  (iii) mínimo de eficácia. Assim, dado que a norma é valida, a norma possui obrigatoriedade para os súditos e há a força obrigatória soerguida desta validade. Hans Kelsen recebeu diversas criticas por parte dos escandinavos, tais críticas referem-se, em sua maioria, ao conceito de validade. Os escandinavos remetem-se ao pressuposto de Kelsen, o que ocasiona uma crítica conceitual do conceito de validade. De outro lado, os escandinavos interpretam Kelsen e sua Teoria Pura do Direito assim: (a) ideia positiva de que existe uma dogmática jurídica diversa da social; (b) Direito é um sistema de regras vinculadoras e obrigatórias, pois são validas; (c) posição de Kant, acerca da diferença entre ser e dever-ser; (d) Teoria Pura do Direito movido pela coerência, ao tentar ser cientifica.

Nesta moldura, os escandinavos afirmam pela não concretude da coerência formal na Teoria Pura do Direito. Por um lado, o dever-ser objetivo de Kelsen é um dever-lógico e não um dever-ser com sentido axiológico. Mas, o que significa o dever-lógico? De outro lado, os escandinavos mostram sua inconsistência teorética, pois este dever-ser lógico não está isento de interesse valorativo, tal como é a situação do assaltante. Os escandinavos consideram a Teoria Pura do Direito de Kelsen uma metafisica naturalista, pois validez diz respeito a um edifico ideal. Vejamos a crítica de Oivecrona: se na Teoria Pura do Direito, edifica-se uma teoria jurídica com pretensão de pureza, ao desenvolver o Direito como norma valida, esse desenvolvimento, cujo proposito é demonstrar como dever ser considerado o Direito, indene misturar elementos diversos de sua natureza, “que o direito deve ser nitidamente diferenciado da ética, por uma parte, e por outra , dos fatos sociais da vida social e do mundo da natureza em geral.”[19] Uma norma jurídica coloca os fatos em uma relação diversa das causas e efeitos, essa conexão dos fatos consiste que um fato deve seguir outro fato, tal como um castigo deve seguir o delito. Assim, esse “deve” tem uma conexão objetiva, uma conexão dita pura por Kelsen. Veja que neste sentido dado por Kelsen, as normas existem num plano diverso deste mundo empírico. Agora a pergunta de Olivecrona: como os fatos do mundo real podem produzir efeitos neste mundo do dever ser? Esse é o grande mistério.

IV – Karl Olivecrona e norma jurídica  empírica como imperativos independentes

Se em Kelsen, com a norma valida, surge sua obrigatoriedade em cumprir, sob pena de sanção do Estado. Assim, um cidadão pensa o que é a Lei e em como agir de acordo com as Leis, e esse pensar em como agir de acordo com as leis, surge à força obrigatória do Direito. De outro lado, Olivecrona opera analise conceitual sobre o que é essa força obrigatória. Há ou não há um lugar para força obrigatória no mundo empírico?  Força obrigatória é ou não é um fato? Ora, forca obrigatória é imaginação, não há lugar do que entenda-se por forca obrigatória neste mundo empírico: espaço x tempo, tampouco há uma correspondência do objeto jurídico: forca obrigatória, direito subjetivo, etc, no mundo empírico.  

O que pretende mostrar Olivecrona, dado que a realidade sensível é logica, é: Direito e dever só existem na cabeça dos humanos, Direito e dever são representações subjetivas, ou seja, são imaginações de modelos de conduta. Assim, dever não tem realidade no mundo empírico, senão na imaginação do homem, dado que não há uma realidade objetiva para força obrigatória, direitos subjetivos, linguagem jurídica, etc, o que configura ideias fictícias, Olivecrona, num segundo passo, analisa a essência do conceito de Direito: “a essência da noção de direitos é a ideia de poder”[20], essa ideia de poder fictício gera o sentimento de poder[21]. Logo, dado que o Direito refere-se a entes não naturais ou como poder fictício, Olivecrona aponta uma teoria da norma jurídica empírica fundamentada por associações simultâneas.

Veja que Olivecrona coloca que o dever ser, dever, não é conteúdo primário e redutível da consciência, senão que é uma situação psicológica. Essa situação psicológica busca estabelecer conexões entre ideias de ações[22] e expressões imperativas[23], p. ex., a ideia de cometer um roubo está ligada com a ideia de um imperativo: (a) “não roubarás!”; (b) “Tu deves não roubar”; (c) “É proibido roubar”. Veja que estas proposições expressam mesmo significado: são imperativos independentes, isto é são ordens sem determinado emissor. Em que pese mesmo significado, essas proposições possuem efeitos diversos. Na proposição (a), trata-se de  uma “pura norma” ou uma pura ordem independente de emissor, e nessa classe de imperativos, existem diversos gêneros, tais como sinais, símbolos, gestos, etc. Não trata de ordens ou comandos propriamente ditos, pois dependeriam de emissor determinados.  Essa classe de imperativos não evidencia transmitir ou conhecer sua natureza, senão que pretende influenciar na vontade do remetente, ou de outra forma, que esses imperativos independentes causam uma sugestão psicológica: surge uma ideia de ação mais uma ideia de conduta valorada.

“Em rigor, não transmitimos conhecimento através de nossa externalização, senão que sugerimos influenciar a mentalidade e nos atos das outras pessoas. Não há um juízo real atrás desses julgamentos. A natureza objetiva da ação não é determinada com dizer que deve ou não ser executada. O que está por trás dessas declarações é algo diferente de um julgamento, é a nossa ideia de que uma expressão imperativa está ligada à ideia de uma ação. Psicologicamente isso é uma ligação simples, embora de grande importância, em vida social; mas por certas razões a conexão é apresentada como existindo objetivamente.”[24]

Pois bem, agora rememorando o que foi disto neste tópico até agora, que (a) não há cognição acerca das normas, senão que são representações subjetivas de modelos de conduta ou entes imaginativos; (b) que a essência do Direito é um poder fictício que gera uma sensação de poder; (c) desta sensação de poder, criam-se sugestões psicológicas: ideia de conduta juntamente com o imperativo. Veja que essas sugestões psicológicas decorrem no fato de como os cidadãos pensam como é a Lei e pensam em como agir, e assim, de um lado, as representações subjetivas e, de outro, as noções imaginárias do Direito. Ou de outra forma, os cidadãos ao pensar em como agir conforme a Lei, e operam esse esquema: ideia de ação mais ideia de objeto valorado (finalidade da ação), isso configura uma norma jurídica fundamentada pela teoria do erro moral. O que evidencia que o Direito não é obrigatório, no sentido de que o cidadão tem consciência e conhecimento das normas, senão que há um efeito psicológico das normas, ou seja, os imperativos independentes, “se não há em realidade nem direitos e nem obrigações, o que chamamos de direito deve ser essencialmente força organizada, e em realidade é isso.”[25]  Assim, a norma jurídica dependerá da eficácia destes imperativos independentes. Como? Mediante a utilização da efetiva força organizada pelo Estado, dado pela função do medo, propaganda, ideias morais, etc, e isso é o monopólio institucionalizado do uso da violência legitima pelo Estado.

Portanto, a norma jurídica, em Karl Olivecrona, tem três funções: (a) ordenar conduta do cidadão, do Estado ou quem quer que efetivamente cumpra essa função, assim sua função é influir na conduta; (b) imperativa, como conteúdo, pois deriva entre a ordem e o comando, e (c) imperativo independente, como forma estrutural: são ordens sem emissor determinado. Isso configura a função da norma jurídica como imperativos independentes.

V – Considerações Finais

Assim, buscamos colocar o problema da crítica escandinava à teoria da norma jurídica de Hans Kelsen, e que tal crítica operada por Karl Olivecrona pela obra “Lei como Fato” de 1939 ocasionou o surgimento da teoria da norma jurídica empírica. Evidenciamos o pressuposto de Karl Olivecrona, isto é Axel Hägerström e sua crítica contra a metafisica, bem como sua teoria do erro moral, condição de possibilidade para a teoria da norma jurídica de Olivecrona. Tanto Hans Kelsen, como Olivecrona compartilham do uso do monopólio da força organizada pelo Estado; ambos compartilham acerca da separação entre Moral e Direito, mas divergem quanto ao caminho desta separação. Hans Kelsen propõe a cognição da norma jurídica, conforme sua obra “Teoria Pura do Direito” e, de outro lado, Olivecona propõe a não-cognição da norma jurídica, senão que há uma sugestão psicológica operada pelos imperativos independentes, onde a eficácia é efetivada pelo Estado e seus meios de comunicação, como a propagando, a função do medo, ideias morais, etc.

O objetivo, indene de exaurir seus conteúdos, foi colocar o problema da teoria da norma jurídica empírica, sob um ponto de vista sueco. Assim, no primeiro item colocamos fatos históricos e filosóficos no desenvolvimento da filosofia de Uppsala de 1911. E, num segundo momento, evidenciamos a norma jurídica empírica em Karl Olivecrona, a norma jurídica empírica configura como imperativos independentes que cumprem determinada funções. 

Referências
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HART. Herbert L. A. Scandinavian Realism. The Cambridge Law Journal, vol. 17, 1959, p. 233-240
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MARC-WOGAU. Konrad. Philosophical Essays. Library of Theoria Noº XI. Ejnar Munksgaard: Copenhagen, 1967.
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OLSON. Jonas. Moral Error Theory. History, Critique, Defense. Oxford University Press. 2014
PAULSON. Stanley L., PAULSON. Bonnie L. (eds). Normativity and Norms: Critical Perspectives on Kelsenian Themes. Clarendon Press: Oxford, 1998.
PETERSSON. B. Axel Hägerström and his early version of error theory, Theoria, 77, 55-70, 2011
 
Notas
[1]“Towards the end of his life, however, Kelsen changed his views, moving towards a 'nihilistic' position, reminiscent of that of Hägerström, with regard to the possibility of 'logic of norms' or 'deontic logic”. WRIGHT. G. W. Von. Is and ought, p. 366. In PAULSON S. L.; PAULSON B. L. Normativity and Norms: critical perspectives on Kelsenian Themes. Inglaterra: Clarendon Press: 1998.  Part iv, p. 365-383.
[2] “Além do mais, proponho que a metafisica deve ser destruída”

[3] “Praeterea censeo metaphysicam esse delendam, não é simplesmente uma avaliação desfavorável da metafísica. É uma declaração de opinião que devemos destruir a metafísica, se quisermos atravessar a névoa das palavras surgidas de sentimentos e associações e prosseguir "dos sons às coisas”. In HAGERSTROM. Axel. Philosophy and Religion. Trad. Robert T. Sandin. Muirhead Library of Philosophy. Routledge: New York, 2002 p. 74
[4] “el império de la metafísica abarca mucho más de lo que dejan conocer sus manifestaciones históricas”. CASSIRER. Ernst. Filosofia Moral, derecho y metafisica. Um diálogo com Axel Hagerstrom. Trad. Roberto R. Aramayo. Herder: Barcelona, 2010, p.  42

[5] “y como, según Hägerström, todas las representaciones metafísicas no encierran dentro de sí contenido efetivo alguno, sino que simplemente remiten al reino de la superstición.” cassirer43

[6] ““Metaphysics dominates not only in philosophy, but in Science generally. But it is nothing but a series of combinations of words, concerning whose character the metaphysician knows nothing.” HAGERSTROM. Axel. Philosophy and Religion. Trad. Robert T. Sandin. Muirhead Library of Philosophy. Routledge: New York, 2002, p. 60

[7] “We should designate as metaphysics every view which makes something real out of reality itself – reality in itself (an sich) – whether one speaks simply of pure being, as if one had thereby represented something real, or whether one takes some particular real thing and regards its reality as one takes some particular real thing and regards its reality as one property along with others.” Ibid., p.  60

[8] “to maintain the completely logical character of sensible reality.” Ibid., p. 37.

[9] “That which is apprenhended is always something other than the apprehension”. Ibid., p. 38

[10] “when one regards value and the world of experience as together real, lacks determinateness.” Ibid., p. 315.

[11] “in reality only a expression in the indicative form of a feeling or an interest in connection with the ideia of something.“ Ibid., 315.
[12] “which has the significance that it evokes in us a corresponding feeling or will.” Ibid., p. 315.

[13] Mais informações: PETERSSON. B. Axel Hägerström and his early version of error theory, Theoria, 77, 55-70, 2011; OLSEN. J. Moral Error Theory. Oxford University Press: Inglaterra, 2014.

[14] Veja que Hägerström é uma reação às teorias idealistas

[15] “Ever since Socrates’ time it has been held that one of the highest tasks of philosophy is to analyze notions which are in common use in order to attain a real world of scientific concepts, which must be internally coherent. For the reality, with which science is concerned, cannot be described by means of judgments which contradict each other. No doubt it is always possible to put such judgments into words, but these words have no meaning. Therefore no science which claims to describe reality can evade a conceptual analysis of this kind.” HÄGERTRÖM. A. The conception of a declaration of intention in the sphere of private law. In OLIVECRONA. K. (ed.) Inquiries into the nature of law and morals. Almqvist & Wiksells: Uppsala, 1953, p. 299-300.

[16] Ser é ser percebido

[17] MARC-WOGAU. Konrad. Philosophical Essays. Library of Theoria Noº XI. Ejnar Munksgaard: Copenhagen, 1967, p. 61-85.

[18] Ibid., p. 69

[19] OLIVECRONA. K. El derecho como hecho. Roque Depalma Editor: Buenos Aires, 1959, p. 8.

[20] Ibid., p. 67.

[21] “Este poder, sem embargo, não existe no mundo real.  (…) É um poder ‘ficticio’, um poder ideal ou imaginário. Este ‘poder’ é, em realidade, somente uma palavra vazia. Nada há atrás dessa palavra. Mas a ideia de ter um poder imaginário é capaz de engendrar um sentimento de poder, é dizer, um sentimento de atividade e de força. Este sentimento dá uma aparência de substancia da ideia e, por isso, ajuda a conservar a ilusão de que estamos na presença de um poder real.” Ibid., p . 67.

[22] Esquema de conduta soerguido pela representação subjetiva da Lei: “se A, então B”, na situação pensada.

[23] Não é exatamente nem uma ordem e nem um comando, mas entre os dois. Ou de outra forma: “Uma ordem em sentido próprio implica uma relação pessoal. A ordem é dada por uma pessoa a outra mediante palavras ou gestos destinados a influir na vontade. Agora; a mesma classe de palavras podem ser usadas em muitos aspectos em que não exista relação pessoal alguma entre a pessoa que ordena e quem recebe a ordem. Apesar disso, as palavras podem produzir efeitos similares quando não idênticos. Elas operam independentemente da pessoa que ordena, podemos falar deste caso como “imperativos independentes” a fim de chegar a uma expressão adequada.”  Ibid., p. 28.

[24] “En rigor no transmitimos conocimiento a través de nuestras exteriorizaciones, sino que sugerimos a fin de influír em la mentalidade y em los actos de otras personas. No hay um juicio real tras esas sentencias. La naturaleza objetiva de una acción no se determina con decir que debería o no ser ejecutada. Lo que hay tras esas sentencias es algo distinto de un juicio, es nuestra ideia de que una expressión imperativa va unida a la idea de una acción. Psicológicamente esto es una simple conexión, aunque de la mayor importância, em la vida social; pero por ciertas razones la conexión se nos presenta como existiendo objetivamente” Ibid., p. 31.

[25] Ibid., p. 95.


Informações Sobre o Autor

Gabriel Vinicius Zulli

Advogado em São Paulo. Acadêmico mestrando na PUC-SP núcleo filosofia do Direito


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