A governança como mecanismo de garantia de acesso à saúde pública: As dificuldades do Brasil em implantar o Estado do bem estar social

Resumo: O acesso à Saúde Pública é um assunto que vem sendo debatido há muito tempo nos principais eventos mundiais. Entretanto, apenas há pouco tempo as Organizações Mundiais passaram a incluir em seus debates a importância da Governança no planejamento e execução das políticas Públicas na área da Saúde. O presente artigo traz a proposta de analisar como a Governança tem um papel fundamental para que todos tenham acesso a uma Saúde Pública de qualidade, além de garantir que os recursos públicos sejam utilizados de forma eficaz. [1]

Palavras-chave: Boa Governança. Direito. Saúde. Eficácia. Judicialização.

Abstract: The access to Public Health is a topic that has been debated for a long time in major world events. However, only recently did the World Organizations include in their debates the importance of Governance in the planning and execution of public policies in the area of ​​Health. This article presents the proposal to analyze how Governance has a fundamental role for everyone to have access to quality Public Health and to ensure that public resources are used effectively.

Keywords: Good Governance. Right. Health. Effectiveness. Judicialization.

Sumário: 1. Introdução. 2.Uma direção chamada Governança.2.1. Os elementos da “boa” Governança. 3. Um breve olhar sobre o direito à saúde e nosso modelo de política promocional. 4.As dificuldade do brasil em implantar o estado do bem estar social. 5.Conclusão. 6.Referências

1 INTRODUÇÃO

Data de 15 de fevereiro de 2007 a publicação pelo Banco Mundial do Relatório nº 36601-BR que trata das diretrizes para a governança do Sistema Único de Saúde. Neste documento, o citado Banco aborda diversos pontos que merecem atenção do nosso sistema governamental.

Identificar as causas e efeitos de um problema de governança é fundamental para que o Estado promova eventuais correções em sua aplicação, além de evitar que os mesmos equívocos sejam repetidos futuramente. Por este documento, o Banco Mundial tinha como principal escopo a garantia de uma melhor aplicação dos recursos públicos, abordando temas como planejamento, alocação de investimentos, elaboração de orçamento, dentre outros.

Sabe-se que dentre os direitos sociais que são previstos pela Constituição de 1988, a garantia de proteção à saúde é um daqueles que a população mais festeja. O Acesso igualitário ao sistema público de saúde mostrou-se como um verdadeiro avanço na consolidação dos direitos sociais com afirma Sarlet (2010):

“É espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do homem. E há de informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais.” (SARLET, 2010, p. 200)

Essa ideia do estabelecimento de um sistema público universal de saúde tem sua gênese por meio do Movimento Sanitarista, cuja ideias fundamentaram o estabelecimento do direito à saúde na Constituição de 1988 e estavam sintetizadas no relatório final da VIII Conferência Nacional de Saúde. Esse documento adota um conceito bastante amplo de direito à saúde, que praticamente foi repetido no texto constitucional.

Entretanto, foi com a edição Emenda Constitucional n.º 29 que se fixou a vinculação de receitas para atendimento da saúde, sendo que esta vinculação já existia na educação. Com essa vinculação, os Municípios foram obrigados a aplicar no mínimo 15% das receitas na área da saúde a partir do ano de 2004.

 Em relação aos Estados esse percentual foi fixado em 12%. Entretanto, não houve estabelecimento de percentual fixo em relação à União, sendo necessária a regulamentação da Emenda nº 29/00 para que seja fixado, em definitivo, qual o valor a ser aplicado pela União. A cada Ano, inclusive, a Câmara e o Senado discutem esse percentual.

Como é sabido, cada Ente Público precisa elaborar e aprovar o seu orçamento para o exercício regular de todas as políticas públicas, respeitando-se, pois, a Lei Orçamentária. É neste momento, por exemplo, que são previstas campanhas de vacinação, de prevenção e liberação de novos medicamentos pelo Sistema único de Saúde. Como o orçamento é algo pré-fixado, cada Ente Público tem o dever de zelar por sua aplicação, sob pena de responder por crime de responsabilidade fiscal.

Fica evidente, desde logo, que o Ente Público é atualmente o responsável pela aplicação dos recursos públicos na execução das políticas públicas destinadas aos programas e saúde, dependendo da atuação daquele para que estes programas tenham executoriedade.

Entretanto, como demonstrado no Relatório emitido Pelo Baco Mundial, diversos são os pontos que merecem e necessitam de atenção para que estes recursos sejam melhores empregados. Esta preocupação tem o objetivo de ampliar o alcance do Sistema único de Saúde, promovendo o benefício de uma parcela maior da população brasileira.

Neste sentido, a governança é fundamental para que haja a garantia à população dos diversos programas de saúde que são executados pelos Entes Públicos, mas não apenas a garantia de sua execução, mas principalmente de sua eficácia. É nesse sentido que se passa a demonstrar que a Governança é mecanismo de garantia da saúde pública.

2 UMA DIREÇÃO CHAMADA GOVERNANÇA

Conceituar Governança não é tarefa fácil e durante o decorrer dos tempos o debate sobre este tema vem ganhando importância nos principais encontros das potências mundiais. Sabe-se que o termo “Governança” tem origem de um vocábulo grego que significa “direção”. Mas, direção de que? Para onde? Sobre o que?

São apenas algumas indagações feitas para que se chegue, ou pelo menos, se tente chegar a um conceito razoável do que vem a ser Governança.

Imaginar um Estado mais abrangente, com visões sociais e não apenas políticas foi um ponto de partida para entender como o Estado poderia se tornar um Ator eficiente. Ou seja, a capacidade governativa deveria também ser avaliada pela forma como o Estado exercia seu poder.

Para o Banco Mundial, Governança seria ¨o exercício da autoridade, controle, administração, poder de governo¨. Com efeito, depreende-se desse conceito que a governança poderia ser entendia como a forma que o Estado administra seus recursos, sempre com o objetivo de buscar o desenvolvimento.

Desde já, imperiosa a distinção entre o termo Governança e Governabilidade, uma vez que, não raramente, aplicamos, de forma indevida, os dois termos para uma mesma finalidade. Isso não pode ocorrer. Explica-se: O termo Governabilidade está ligado mais às condições institucionais do exercício do poder pelo Estado. Ou seja, vincula-se mais à forma de governo e a relação entre os poderes.

Pode-se entender o termo Governabilidade também como a capacidade do Estado identificar as diversas necessidades e anseios sociais, transformando-as em políticas públicas.[2]Importante esclarecer que essas políticas públicas precisam ter com consequências bons resultados, ou melhor, resultados eficazes e que deem respostas aos problemas que buscam enfrentar.

Um Estado Eficiente precisa se fazer presente em tempos de crise, entretanto isso não quer dizer que isso tenha como consequência o isolamento do poder executado. Isso, sem dúvida, iria comprometer a racionalidade governativa. Governabilidade é a "capacidade política do governo de intermediar interesses, garantir legitimidade, e governar" (PEREIRA, 1997, p. 49).

Para Michael Focault (2004, p. 286), governabilidade no sentido de regulação do indivíduo é conceituada como o "conjunto das práticas pelas quais é possível constituir, definir, organizar, instrumentalizar as estratégias que os indivíduos, em sua liberdade, podem ter uns em relação aos outros". Assim, governar é tanto dirigir condutas individuais ou coletivas que envolvam poder e liberdade.

Trazendo um conceito mais claro, Paludo (2013, p. 128) entende que governabilidade significa que:

“O governo deve tomar decisões amparadas num processo que inclua a participação dos diversos setores da sociedade, dos poderes constituídos, das instituições públicas e privadas e segmentos representativos da sociedade, para garantir que as escolhas efetivamente atendam aos anseios da sociedade, e contem com seu apoio na implementação dos programas/projetos e na fiscalização dos serviços públicos.”

Finalmente, a governabilidade pode ser entendida como a capacidade do governo conciliar divergências sociais e uni-las em um único objetivo.

De forma diversa, o termo “Governança” guarda um significado próprio, mas não completamente distinto do termo ”Governabilidade”. Na verdade, alguns autores entendem que a Governança é uma “governabilidade” mais ampla. Ou seja, agrega outros objetivos. Pensando de forma mais simples, a Governabilidade teria um alcance mais restrito, enquanto a Governança um alcance mais amplo.

Neste sentido, ao tratar de Governança Pereira (1997, p. 49) afirma que “existe governança em um Estado quando seu governo tem as condições financeiras e administrativas para transformar em realidade as decisões que toma”.

 A Governança deve ser compreendida como um formato político institucional de um processo decisório, já que também estaria dentre suas atribuições a implementação de políticas públicas, bem como o alcance desses programas. Todavia, não se pode liminar a extensão de responsabilidade e abrangência da Governança apenas aos aspectos administrativos do Estado.

Como dito, um Estado eficiente não pode se restringir ao arcabouço político. Precisa, antes de tudo, ouvir a sociedade, seus anseios, suas necessidades, suas mazelas. Desta forma, o conceito de Governança engloba a sociedade como um todo.

Desde já, importa esclarecer que Governança não é Governo como aduz Rosenau (2000, p. 15), “governança não é o mesmo que governo”.

A Governança deve ser aborda de forma sistemática para que possa ser compreendida. Desta forma, com o fito de atingir o objetivo deste artigo que é o de demonstrar que a Governança é o meio garantidor da saúde pública, quatro elementos básicos devem ser analisados: Planejamento, Orçamento, Execução e Accountability.

2.1 Os elementos da “boa” Governança

Não é raro encontrar autores que afirmam que não existe “má” governança, sob o argumento de que se a governança não é boa, então é porque ela não existe. Entretanto, é importante que se analise os termos com calma e zelo, para que sejam evitados quaisquer equívocos no entendimento sobre o tema.

De fato, uma “má” governança dá a entender, de início, que na verdade não há governança. Os defensores dessa tese tomam como base justamente o que identifica a governança: A eficácia do Estado frente aos problemas sociais. Portanto, se a sociedade continua a ter problemas é porque, na verdade, o Estado não tem governança.

Entretanto, principalmente quando da implementação de políticas públicas na área de saúde, o Estado atua com Governança para que os diversos anseios nesta área sejam atendidos, a citar: implantação de campanhas de vacinação, campanhas de conscientização e prevenção de patologias, além de distribuição de medicamentos. Apenas alguns exemplos de políticas públicas voltadas para a área de saúde.

Conforme adiantado no tópico anterior, para se compreender bem o que vem a ser a governança, é importante analisarmos quatro elementos que montam sua estrutura: Planejamento, Orçamento, Execução e Accountability.

O primeiro elemento a ser observado na Governança é o planejamento. Planejar é na verdade antever algo que deverá ser colocado em prática, bem como a formo como isso ocorrerá. Ademais, Planejamento envolve acompanhamento de resultados para ser verificado se o objetivo foi alcançado.

Importante destacar que quanto mais planejada é uma ação maior a possibilidade da mesma gerar as consequências esperadas e, com isso, os resultados perseguidos. Philip Kotler (1975, p. 79), traz o seguinte conceito: “o planejamento estratégico é uma metodologia gerencial que permite estabelecer a direção a ser seguida pela organização, visando maior grau de interação com o ambiente”.

Evidente que nem todo planejamento estratégico é de longo prazo, e nem todo planejamento a longo prazo é estratégico, mas o que importa é que qualquer ação a ser posta em execução deve ser previamente analisada, realizando um verdadeiro diagnóstico do problema que se busca enfrentar e, com isso, tentar identificar todos os pontos importantes a serem abordados.

Na área da saúde, imperiosa esta análise para que o recurso público não seja empregado, por exemplo, em uma campanha que não tem em determinada região um público alvo. Por exemplo: Campanha de vacinação contra febre amarela em alguns municípios que nunca apresentaram um único caso desta patologia. Neste caso, o planejamento precisa identificar os focos da doença para que o recurso público seja empregado de maneira mais eficaz.

Aliás, a eficácia é algo que precisa ser buscado com constância e faz parte com o nível gerencial dessa governança. Isso quer dizer que, para grandes autores, uma governança sem eficácia na verdade não é governança. Para esta corrente, se a governança não alcança os objetivos planejados ela simplesmente não existe. Não haveria, portanto, uma má governança.

Portanto, um bom planejamento precisa observar a eficiência, eficácia, efetividade e produtividade de uma determinada ação para que o recurso público seja empregado da melhor forma possível e alcance o maior número de pessoas.

Um segundo elemento a ser observado é o Orçamento Público. Figura como um importante instrumento do Governo que consiste em uma Lei que determina as despesas e receitas para um determinado exercício. Essa Lei precisa ser aprovada pelo poder Legislativo para que tenha eficácia.

Entretanto, este é um conceito amplo de Orçamento Público, pelo que deve ser observado o seu sentido estrito para que se compreenda o objeto deste artigo. Quando o Poder Público se propõe a planejar uma nova política Pública um dos pontos que precisa observar é justamente o Orçamento destinado àquela ação para ser averiguado se há receita ou não para sua execução.

Isso quer dizer que não adianta uma Política Pública ser planejada sem orçamento para sua execução (terceiro elemento a ser analisado). Caso isso ocorra, é evidente a ineficiência da Política idealizada, pelo que não haveria, para muitos, a Governança.

O Próprio Governo Federal traz essa definição do que vem a ser um orçamento Público:

“É um instrumento de planejamento governamental em que constam as despesas da administração pública para um ano, em equilíbrio com a arrecadação das receitas previstas. É o documento onde o governo reúne todas as receitas arrecadadas e programa o que de fato vai ser feito com esses recursos. É onde aloca os recursos destinados a hospitais, manutenção das estradas, construção de escolas, pagamento de professores. É no orçamento onde estão previstos todos os recursos arrecadados e onde esses recursos serão destinados”.[3]

O Orçamento precisa ser observado para que haja a execução da política Pública Planejada. É ponto primordial para que haja eficácia e eficiência daquela, sendo que tais recursos devem ser empregados da forma mais benéfica possível.

O terceiro elemento a ser observado é a Execução da Política Pública. Na verdade, esse elemento é uma consequência dos dois primeiros. Ou seja, havendo Planejamento e Orçamento, o normal é que seja posta em execução a Política Pública Planejada.

No campo da Saúde fica muito evidente esse elemento quando, por exemplo, o Estado promove campanhas de vacinação para uma determinação faixa etária ou localidade. Em sendo atendido o objetivo da Política Pública sem qualquer falha, temos a eficácia e eficiência pretendida na fase planejamento.

Um último elemento que merece atenção é a chamada accountability, ou prestação de contas. Sabe-se que um dos objetivos de um regime democrático é justamente aumentar a responsabilidade do Governante frente aos atos que pratica. Ou seja, aquele que governa precisa ser responsabilizado por seus atos.

Desta forma, o Poder Público precisa criar mecanismos para que seus atores possam prestar contas da aplicação dos recursos públicos e, com isso, evitar o desvio de finalidade do mesmo.

Importa destacar que essa noção de prestação de contas vincula-se mais ao fato de que o titular da coisa pública é o Cidadão e não o político eleito. Revela-se por meio da accountability três dimensões, a saber: informação, justificação e punição.

A accountability é fundamental para a Governança já que é por meio desta que o Poder Público presta contas à sociedade, indicando, inclusive, para quais fins foram destinados determinados recursos públicos. Atualmente, se mostra ainda mais importante já que se começa a utilizar no Estado Brasileiro o chamado “orçamento participativo” com intensa interferência da sociedade no planejamento do Estado como um todo.

Para Mota (2006, p. 102) accountability “consiste na relação obrigacional que determina que quem recebeu um múnus de alguém deve prestar esclarecimentos de seus atos, motivando-os, e, se apurada alguma irregularidade, estará sujeito a sanção”.

Nossa própria Constituição prevê em seu artigo 70, parágrafo único que: “Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”.

Percebe-se, portanto, uma grande preocupação em se administrar o recurso público e, principalmente, lhe dar uma destinação correta e eficaz. Esta preocupação não é apenas necessária como fundamental para que a Governança alcance seus objetivos e, com isso, os recursos sejam aplicados da forma mais eficiente possível.

Analisados os quatros elementos básicos da “boa” Governança, passa-se a compreender melhor o objetivo deste artigo que é demonstrar que o acesso a saúde pode ser alcançado por todos, desde que o Poder Público tenha Governança.

3 UM BREVE OLHAR SOBRE O DIREITO À SAÚDE E NOSSO MODELO DE POLÍTICA PROMOCIONAL

O direito à saúde é um direito fundamental do indivíduo. Sabe-se que na Constituição Federal a saúde está prevista no artigo 196 sendo que no artigo 6º figura como um direito social.

Entretanto, em grande parte das vezes as políticas de saúde não conseguem alcançar de forma universal e igualitária a todos, o que faz com que ocorra uma busca pelo Poder Judiciário no intuito de garantir a efetivação do direito à saúde.

O Poder Judiciário, por sua vez, não pode deixar de apreciar as demandas judiciais que lhe são apresentadas, tendo que apresentar uma solução para cada caso em específico, mas também não pode ser o centro de realização e implementação de políticas, promovendo os direitos de uns e causando grave lesão a direitos da mesma natureza de outros tantos.

As leis orçamentárias são normas que condicionam o planejamento estatal como um todo, determinando despesas e receitas necessárias ao funcionamento do Estado e também a promoção de direitos que acabam por envolver as mais diversas formas de política pública (VASCONCELOS, 2010).

       O Estado possui muitas atribuições positivas, sendo necessário planejar os gastos e condicioná-los a recursos obtidos direta ou indiretamente da população. A política pública, ao condicionar os recursos que são escassos, acaba por determinar que se façam escolhas trágicas quanto a sua aplicação, programas e prioridades, gerando assim certo distanciamento muitas vezes conflituoso, entre a sociedade e os objetivos constitucionais.

A reserva do possível foi uma prática jurídica alemã importada e adequada à realidade brasileira a partir da década de 1990, sendo invocada como um limite fático e intransponível diante de uma alegada escassez de recursos. Há, portanto, a real importância de haver um planejamento orçamentário antes de se iniciar qualquer política pública de saúde.

Muito se fala sobre a saúde no Brasil, principalmente a escassez de determinados medicamentos, leitos e, principalmente, a falta de uma política preventiva de patologias. Tornou-se comum nos noticiários o caos que virou o atendimento de saúde pública em nosso país nas últimas décadas, pelo que se passou a questionar a própria competência do poder Público para gerir os recursos de uma forma mais eficiente.

A tendência, como já dito, é que o Governo se aproxime cada vez mais da sociedade por meio do planejamento participativo, o que poderia sugerir, para alguns, uma Governança “sem governo”. Entretanto, certa cautela precisamos ter sobre essa nova tendência para evitarmos o regresso ao próprio medievalismo, baseado no fim do Estado-Nação. Sabe-se que a maior parte dos problemas domésticos ou internacionais surgem da ineficiência do Poder Público em gerir o recurso público, pelo que existe uma tendência a uma nova ordem mundial que teria como essência a descentralização do Poder estatal, porém com seu fortalecimento.

Sobre o tema, Slaugther defende que:

“Governança sem governo é governança sem poder, e governo sem poder raramente funciona. Muitos dos problemas internacionais e domésticos urgentes resultam do poder insuficiente dos Estados para estabelecer a ordem, realizar a infraestrutura, e prover serviços sociais mínimos. Atores privados podem assumir algum papel, mas não há substituto para o Estado.” (SLAUGHTER, 1997, p. 195).

Nosso próprio ordenamento, por meio do Decreto-Lei 200/1967, prevê em seu artigo 10º que as atividades da Administração Federal deverão ser descentralizadas, cabendo à estrutura central de direção (ESTADO) a atribuição de normas, critérios e programas. Desta forma, percebe-se, desde já, uma tendência do Estado em atribuir a terceiros (organismos não governamentais) funções originariamente suas, porém sob sua supervisão.

Não se contesta que esta é uma forma de Governança que vem dando certo em diversos lugares do mundo, porém não se pode imaginar que todas as atividades do Estado devam ser “terceirizadas” para organizações.

O que se percebe em nosso país é uma tendência para a gestão organizacional nos órgãos públicos, deixando as marcas da política tradicional cada dia mais fracas.

Entretanto, ainda vivemos em um país que culturalmente elege políticos e não gestores. Infelizmente, grande parte dos eleitores brasileiros votam por cabresto, ainda que não admitam. Isso quer dizer que continuamos elegendo políticos que não têm o objetivo de realizar uma boa gestão, mas uma boa politicagem. Explica-se: Um gestor se preocupa com o equilíbrio entre receitas e despesas, planejando cada passo de sua empresa para que possa cada dia dar mais lucro e ter menos custo.

O Político não vê dessa forma. Sua visão é que quanto mais se mostra o que foi feito maior a chance de se reeleger ou se eleger para um novo cargo. Este cenário é tão verdadeiro que não se identifica em nenhum outro lugar do mundo um país que gaste tanto recurso público com propaganda. Ou seja, é o dinheiro público sendo utilizado para promoções pessoais, o que é um absurdo.

Claro que este cenário começa a melhorar com algumas medidas que estão sendo adotadas, com opor exemplo no Estado de Santa Catarina existe um Comitê Estadual de Monitoramento e Resolução de Demandas de Assistência da Saúde (COMESC), que foi criado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) onde se aprovou em 2015 um enunciado com o seguinte texto: “ Os Secretários Municipais de Saúde deverão ter, preferencialmente, formação superior e experiência em gestão pública). [4]

Fica evidente que enquanto não for alterado o modelo de política que possuímos pouca coisa poderá ser mudada, já que mesmo que haja uma “boa” governança, caso esta não esteja alinhada com o interesse social, acaba por não atender ao seu real objetivo.

O direito à saúde é, com dito, um direito Constitucional assegurado a todos e deve ser preservado pelo poder Público. Caso contrário, e é que vemos na prática, o Estado passa a ser alvo de uma intensa e crescente judicialização da saúde, forçando de uma forma indireta que o poder Judiciário “garanta” ao cidadão o direito ao acesso ao sistema de saúde.

Entretanto, esse caminho da judicialização apenas demonstra quão desorganizado pode ser nosso Estado. Veja, em um cenário onde um cidadão precise provocar a justiça para ter resguardado seu direito constitucional é um cenário, no mínimo, questionável. A judicialização é um processo comum em qualquer lugar e precisa existir, mas não na proporção que estamos vivenciando em nosso país.

Não se pode permitir que o Poder Judiciário “invada” de verta forma a competência o do Poder Executivo para garantir, por exemplo, um tratamento de saúde. O Estado precisa criar políticas públicas para que esta judicialização seja evitada ou, pelo menos, minorada. A crescente distribuição de ações judiciais apenas comprova quão ineficiente é a Governança do Estado, o que nos leva a concluir que, talvez, não haja sequer uma Governança.

Enquanto nossos políticos promoverem a política promocional, ou seja, aquela que tem como objetivo garantir a perpetuação do candidato no poder, deixaremos de ter a aplicação correta dos recursos públicos principalmente na área da saúde, o que trará como consequência sua própria judicialização. A “boa” governança é, sem dúvida, o melhor caminho para o acesso à Saúde e se praticada da forma correta trará como consequência a redução da judicialização e um maior alcance das políticas públicas para quem realmente precisa.

4 AS DIFICULDADE DO BRASIL EM IMPLANTAR O ESTADO DO BEM ESTAR SOCIAL

Já se falou outrora que o Estado do Bem estar Social não teria sido implantado no Brasil da forma correta como em outros países do mundo. Por este motivo, seus objetivos jamais teriam sido alcançados, o que justificaria sua extinção. Com isso, certamente voltaríamos a um Estado Liberal que tanto foi criticado no passado e que certamente não traria praticamente nenhum benefício novo. Entretanto, tal cenário não poderia ocorrer por expressa vedação do princípio do retrocesso social. Neste sentido, vejamos o que afirma J. J Gomes Canotilho:

“O princípio da proibição de retrocesso social pode formula-se : o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas (“lei da segurança social, “lei do subsídio de desemprego”, “lei do serviço de saúde”) deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios se traduzam na prática numa “anula”, “revogação” ou “aniquilação” pura a simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado”. [5]

Há quem diga que essa trágica tentativa de implantação do chamado Wellfare State acabou por não dar certo justamente por conta de seus próprios fundamentos. Ou seja, paradoxalmente ao seu sucesso, veio sua derrota já que com a divulgação ampla dos direitos sociais e, por consequência, sua cobrança pela sociedade, o Estado tornou-se inchado, não dando conta das demandas que a partir dali passaram a surgir.

Além da crise financeira, há que se pontuar a crise funcional do Estado. Isso porque, o próprio Poder Público vem tornando suas atividades cada dia mais descentralizada. Além disso, estamos vivenciando a chamada “sociologia dos Tribunais”[6], deslocando o poder de decisão do Executivo para o Judiciário.

Em tempos de crise, com escassez de recursos, é importante que o Estado dê um destino responsável para o dinheiro público, não havendo espaço para um “mau governo”. Neste ponto, contrariando o posicionamento majoritário da literatura, entende-se que haveria, de certa forma, uma “má” governança.

Isso porque, como todo e qualquer planejamento, a implantação de uma política pública ineficaz e ineficiente não significa que não houve governança, mas sim falhas em determinados pontos do seu processo. Isso quer dizer que o fato do Estado não ter alcançado seu objetivo com uma determinada política pública não quer dizer que sequer não teve Governança.

Fatores como economia, crises políticas, mudanças nos arranjos sociais, pragas, dentre outras, podem influenciar todo o contexto social. Por exemplo: suponhamos que o Poder Público tenha executado uma política pública que tinha como objetivo a distribuição de vacina contra a febre amarela em determinados municípios do Nordeste. A política foi planejada, orçada, e executada normalmente. Entretanto, durante sua execução, aqueles municípios que seriam objeto da vacinação triplicaram os casos de febre amarela, fato que não poderia ter sido previsto.

Diante desta nova realidade, as vacinas disponibilizadas não eram suficientes para atender a demanda por falta de orçamento, fazendo com que o Estado passasse a selecionar quem seria vacinado. Veja, o fato da execução da política pública não ter sido exatamente compatível com aquela planejada, não quer dizer que não houve Governança. Na verdade, na fase inicial de planejamento houve uma falha, já que não foram consideradas algumas variáveis.

Com efeito, entende-se, nestes casos, que houve uma “má” governança e não uma ausência de governança. Entretanto, importa deixar claro que este é um posicionamento minoritário, já que, como dito, a maior parte da doutrina entende que não haveria, nestes casos, a própria governança.

Neste ponto, a implantação do Estado do Bem Estar Social no Brasil enfrenta diversos desafios, principalmente na área da Saúde. Além disso, a corrupção que nos assola há décadas impede que as políticas públicas devidamente planejas sejam executadas de uma forma correta.

Não se duvida que o acesso à saúde precisa ter como aliada a Boa Governança, fazendo com que os recursos públicos sejam empregados em ações devidamente planejadas e que tenham o maior alcance possível. Entretanto, não se pode esquecer que em virtude da escassez da verba pública, nem sempre esse Direito Social será integralmente respeitado.

Infelizmente, não é raro o Estado precisar se utilizar do princípio Utilitarismo[7] , onde precisar definir a quem será destinado o recurso público. Para tanto, deverá fazer uma ponderação entre a ação e seu resultado. Isso quer dizer, em outras palavras, que o Poder Público precisará definir que recebe ou não o acesso à saúde, o que, a uma primeira análise, nos parece injusto.

Sendo o dinheiro “público” todos deveriam ter o mesmo acesso, porém não é isso que ocorre na prática, tendo as mais diferentes explicações. Crise financeira, Crise política, elevação de impostos.. em fim, em tempos de escassez de recursos, infelizmente o acesso à saúde se torna cada vez mais difícil.

Entretanto, por ser um direito social Constitucional não se pode entender que o mais rápido a procurar o judiciário terá acesso mais fácil. Primeiro que a judicialização da saúde não deve ser incentivada, segundo porque ainda existe uma massa que não tem acesso à justiça. Neste sentido, Ana Paula de Barcellos:

“E é assim não porque essas necessidades estejam sendo atendias perfeita e espontaneamente pelo Poder Judiciário, mas porque a questão não chega aos olhos do judiciário e a doutrina não tem discutido o tema a ponto de formar uma massa crítica consistente. Ou seja: a saúde básica não é acudida nem pelo legislador nem pelo administrador, embora seja um dever jurídico que lhes é imposto pela Constituição e nem pelo Judiciário”. (BARCELLOS, 2010, p. 807)

Diante dos fatos expostos, não nos resta outra alternativa que não esperar que o Poder Público exerça a Boa Governança cada vez mais e que se criem métodos para emprego dos recursos públicos, principalmente na área de saúde, fazendo com que este Direito Social se torne cada dia mais acessível. Ademais, que as políticas executadas sejam mais eficientes e eficazes, erradicando as mazelas sociais e permitindo uma vida mais digna para sua população.

5 CONCLUSÃO

Conclui-se, depois dos argumentos esposados neste artigo, que a boa governança é pressuposto para o atingimento do direito fundamental à saúde que, dentre os demais, demanda investimento de uma grande quantidade de recursos públicos.

Demonstrou-se que a boa governança pode ser compreendia como a condução responsável do Estado frente ao recurso público, deixando claro, desde logo, que tal conceito não pode ser confundido com o de governabilidade.

Ademais, que a má governança cria óbices à consolidação dos direitos sociais, já que a ineficácia da política pública mal planejada e até mesmo sua inexecução, faz com que haja uma crescente judicialização da saúde, transferindo ao Poder Judiciário uma responsabilidade que é originária dos demais poderes.

Não se duvida que a implantação do Sistema único de Saúde (SUS) foi um grande passo para a garantia do acesso à Saúde de uma forma ampla e geral, entretanto, diante das imensas dificuldades que o próprio sistema enfrenta, a sensação que temos é que a obra está inacabada.

Percebe-se, desta forma, um déficit de efetividade do próprio sistema, mas que encontra em alguns pontos a justificativa da constante variação do direito e sua incansável adaptação ao momento social. Acrescenta-se, ainda, as diversas mudanças ocorridas na sociedade nas últimas décadas e os novos anseios sociais que passaram a ser prioridade nas reivindicações.

Tudo mudou, nada é como antes. Neste caminho, a Governança também vai se adaptando para não deixar sua importância ser reduzida, principalmente em tempos de crise onde os recursos públicos estão cada dia mais escassos e as crises políticas eclodem diariamente.

Entretanto, algo é certo: o direito ao acesso à saúde continua em vigor, garantindo ao cidadão brasileiro o mínimo de cuidado pelo Poder Público que tem a obrigação constitucional de garantir este acesso. A Boa Governança assume um papel fundamental para que esta garantia seja efetivada, sendo imprescindível sua observância pelo Estado, principalmente nos tempos atuais.

 

Referências
BARCELLOS, Ana Paula de. O direito a prestações de saúde: complexidade, mínimo existencial e o valor das abordagens coletiva e abstrata. In: SARMENTO, Daniel. Direitos Sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 807
BRASIL. Disponível em: http://www.orcamentofederal.gov.br/perguntasfrequentes Acesso em 15.06.2017.
CANOTILHO, J.J GOMES. Direito Constitucional e teoria da constituição. 3. Ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000. p. 2000. p. 327
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Notas
[1] Artigo apresentado como requisito para aprovação na disciplina Estado, Organizações Não Governamentais e Governança. Docentes: José Gileá de Souza e João Apolinário da Silva

[2] Szwako,Jose; Moura, Rafael; D’Avila Filho,Paulo. Estado e Sociedade no Brasil: a obra de RENATO BOSCHI e ELI DINIZ. São Paulo.2016.

[3] Disponível em http://www.orcamentofederal.gov.br/perguntasfrequentes. Acesso em 15.06.2017.

[4] Demais informações podem ser obtidas diretamente no link do TCU http://portal.tcu.gov.br/fiscalizacao/saude/informacoes/governanca-de-saude/introducao.htm

[5] CANOTILHO, J.J GOMES. Direito Constitucional e teoria da constituição. 3. Ed. Coimbra:Livraria Almedina, 2000.p.2000.p.327

[6] LUCAS, Doglas César. A crise funcional do Estado e o cenário da jurisdição desafiada. In: MORAIS, José Luis Bolzan de (org). Estado e suas crises. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.p.171.

[7] A teoria utilitarista foi defendida, como uma doutrina ética, principalmente pelos filósofos e economistas ingleses John Stuart Mill Jeremy Bentham, durante os séculos XVIII e XIX. No entanto, o pensamento utilitarista já era explorado desde a Grécia antiga, principalmente através filosofo grego Epicuro. Utilitarismo é uma teoria filosófica que busca entender os fundamentos da ética e da moral a partir das consequências das ações.


Informações Sobre o Autor

Thácio Fortunato Moreira

Advogado. Sócio Coordenador do Escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia. Pós graduando em Direito Civil na Unifacs. Aluno Especial em Direito Civil no mestrado da UFBA


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