O reconhecimento do jus postualnandi como instrumento de promoção do acesso à justiça: uma análise à luz do microssistema do juizado especial

Resumo: O presente trabalho pretende realizar o estudo do tema “O Reconhecimento do Jus Postulandi como instrumento de promoção do Acesso à Justiça: uma análise à luz do microssistema do Juizado Especial” dentro contexto político, social e econômico do nosso país, uma vez que o instituto do Jus Postulandi foi inserido no procedimento sumaríssimo como instrumento a facilitar o acesso à justiça e aproximar assim o jurisdicionado, principalmente a população mais carente, do Poder Judiciário. Entretanto, considerações relevantes, que põe em cheque a efetividade do instituto, foram aparecendo, valendo assim reflexão a respeito da eficiência e possíveis falhas existentes no procedimento dos juizados, que colidem com o princípio constitucional do Acesso à Justa Jurisdição. Este trabalho se faz relevante por apresentar uma visão mais realista da efetividade do procedimento dos Juizados ante a finalidade para qual foram criados.

Palavras-Chave: Jus Postulandi. Juizados Especiais. Acesso à Justiça.

Abstract: The present study aims to analyze the topic “The Recognition of Jus Postulandi as an instrument to promote Access to Justice: an analysis in the light of the Special Judicial System” in the political, social and economical contexts in Brazil, since the principle of Jus Postulandi has been offered as a tool to widen access to Justice and to bring the lower classes closer to the Judicial Power. However, important point of views have emerged and questioned the effectiveness of such principle, and it has raised the necessity to reflect on its efficiency and possible flaws in the procedures of the Special Civil Courts, which goes against the constitutional principle of Access to Fair Jurisdiction. The present work is relevant because it presents a more realistic view on the effectiveness of the procedures of the Special Civil Court in contrast with its original purpose.

Keywords: Jus Postulandi. Special Civil Courts. Access to Justice.

Sumário: 1 Introdução; 2 Jurisdição; 2.1. A “Propaganda” Pró Jurisdição; 2.2 A Jurisdição sob a ótica do Jurisdicionado; 3 Juizados Especiais Cíveis; 3.1 O Procedimento dos Juizados Especiais Cíveis: princípios norteadores e características; 4 O Princípio do Acesso à Justiça; 4.1. O Princípio do Acesso à Justiça e o jus postulandi nos Juizados Especiais Cíveis; 4.2 O Princípio do Acesso à Justiça e a falta de assistência técnica de qualidade no Brasil; 5 Considerações Finais

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta o tema “O Reconhecimento do Jus Postulandi como instrumento de promoção do Acesso à Justiça: uma análise à luz do microssistema do Juizado Especial”. A pesquisa se funda na análise da efetividade do instituto do Jus Postulandi nos juizados, como meio de propiciar a aproximação do jurisdicionado ao Poder Judiciário. A criação dos Juizados adveio da ideia central de promover a facilitação do acesso à justa jurisdição, bem como agilizar o processamento das chamadas causas de pequeno valor, considerando, como pequeno valor, as causas com importe de até quarenta salários mínimos, sendo que nas causas de até vinte salários mínimos é facultativa a assistência de advogado. O procedimento dos juizados é informado pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.

Interessante ressaltar que o número de processos nos Juizados Especiais vem crescendo rapidamente, nos fazendo questionar sobre a efetividade da criação das pequenas Cortes. No entanto, os trabalhos e pesquisas realizados sobre o tema, em sua maioria, tendem a serem distantes da realidade funcional dos juizados. Diante da proposta de criação dos juizados, imperativo se faz a análise da adequação e efetividade do órgão jurisdicional depois de passados vinte e um anos de sua instituição. E este se apresenta como o objetivo do presente trabalho, analisar a efetividade do Jus Postulandi nos Juizados Especiais Cíveis como instituto criado para facilitar o acesso à Justiça e promover aproximação do cidadão com o Poder Judiciário. Obviamente que o evidente trabalho não esgotará o assunto, mas traz a baila relevante tema de repercussão social, que é a busca pela justa justiça.

Diante do objetivo claro da Lei 9.099/95, que é se obter mais rapidamente uma prestação jurisdicional de causas consideradas de menor complexidade, sendo o instituto do jus postulandi, um dos principais instrumentos para se alcançar a finalidade da lei, é que se questiona se o instituto do jus postulandi garante o efetivo acesso à justiça, sendo esta a problemática que será apresentada no presente.

Importa destacar a necessidade e a importância do estudo do tema do Jus Postulandi nos Juizados Especiais Cíveis, para a ciência processualista, uma vez que a maioria dos trabalhos acadêmicos está voltada para discussões teóricas, e distantes da realidade apresentada no dia-a-dia dos Juizados, onde facilmente se verifica a dificuldade do cidadão sem conhecimento técnico de se obter a efetiva prestação jurisdicional almejada. Além do mais, preocupa-se muito com à efetividade do processo como forma de proteção de direitos, afim de se obter o real e verdadeiro acesso à Justiça

A aludida pesquisa tem natureza teórico-dogmática e jurídico exploratório, e diante disso será realizada por meio de levantamento bibliográfico realizado através de leitura crítica de doutrina, jurisprudência e legislação referentes ao tema em tela. Aderindo-se a pesquisa qualitativa, como a melhor forma de se realizar o presente trabalho

2 JURISDIÇÃO

O Estado Moderno tem por finalidade precípua o bem comum de seu povo, tende a ser o Estado “a providência deste”, reconhecendo como uma de suas principais funções a fomentação dos valores humanos, sendo a jurisdição um dos meios para alcançar tal função. A jurisdição surge com o intuito de pacificar os conflitos que atingem as pessoas, bem como alertar os encarregados do sistema quanto a relevância do processo como um meio efetivo de execução da justiça, dirimindo as lides e regulando a cooperação entre os indivíduos. Assim se revela a função jurídica do Estado.

“A jurisdição se desenvolve como uma longa manus da legislação, no sentido de que ela tem, entre outras finalidades, a de assegurar a prevalência do direito positivo do país” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2011, p.44). A função legislativa é responsável pela formação das normas, que devem reger as relações entre as pessoas de um povo, já a função jurisdicional tem por finalidade a aplicação das normas nos caso de conflitos entre as pessoas, o que se dá através do processo.

Antes de adentrar no conceito do instituto em tela, interessante se faz esclarecer a origem da palavra jurisdição, esta adveio do latim iuris dictio que significa dizer o direito. Quanto ao conceito de jurisdição a doutrina não é uniforme apresentando para o instituto distintos conceitos. Não cabendo no presente trabalho a explanação de todos eles, mas sim os mais relevantes.

“Jurisdição é a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la praticamente efetiva”. (CHIOVENDA, 1969 apud CÂMARA, 2011, p. 70).

Esta é a teoria de Chiovenda que se baseia meramente na aplicação do direito objetivo nos casos concretos. Já para Carnelutti, jurisdição trata-se da busca da “justa composição da lide.” (CANELUTTI, 1952 apud CÂMARA, 2011, p. 70) Carnellutti baseou toda a sua obra ao redor do conceito de lide, sendo assim, para ele jurisdição nada mais é que a composição de lides, conflitos de interesse.

Os conceitos de Carnelluti e Chiovenda são, sem sombra de dúvida, os mais relevantes, oscilando os doutrinadores sua adesão entre eles. Há ainda aqueles que acreditam que ambas as teorias se completam, outros que se filiam ao entendimento de que são elas totalmente antagônicas, o que é o caso por exemplo do escritor, Desembargador Alexandre Câmara.

 O referido doutrinador acreditando serem as teses conceituais apresentadas opostas entre si acaba por aderir os ensinamentos de Chiovenda, criando a partir daí seu conceito, no qual a função jurisdicional é “a função do Estado de atuar a vontade concreta do direito objetivo, seja afirmando-a, seja realizando-a praticamente, seja assegurando a efetividade de sua afirmação ou de sua realização prática” (CÂMARA, 2011, p. 73). Já Cintra, Grinover e Dinamarco aderem ao posicionamento de que ambos os conceitos se complementam, formulando assim o seu conceito sobre jurisdição:

“[…] uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada)”. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2011, p. 149).

A doutrina clássica trata ainda da jurisdição sobre três diferentes aspectos, como forma de poder, atividade e função. Em se tratando de poder, está a se falar da soberania do Estado, enquanto pacificador de conflitos. No que tange à atividade se refere à sequência dos atos processuais especificados em lei, uma vez que a jurisdição atua como uma ordem de atos processuais. E por fim como função por constituir dever do Estado prestar a tutela jurisdicional quando acionado, pacificando conflitos através do processo.

2.1. A “Propaganda” Pró Jurisdição

Após a Constituição da República de 1988, o tema “acesso à justiça” ganhou novo contexto no ordenamento jurídico brasileiro, o acesso à jurisdição passou a ser visto como um direito fundamental individual, mas com um propósito social. O artigo 5.º, XXXV, da Carta Magna, prevê o princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, também conhecido como o princípio do Livre Acesso à Justiça ou ainda Direito de Ação. O referido artigo faz a seguinte previsão: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.” (BRASIL, 1988)

“A partir de 1988, passa a se assegurar, de forma expressa e categórica, em nível constitucional, a proteção de direitos, sejam eles privados, públicos ou transindividuais (difusos, coletivos ou individuais homogêneos)”. (LENZA, 2014, p. 1104). Logo, a Constituição, criou por meio do princípio do Acesso a Justiça, um sistema através do qual qualquer um possa levar à apreciação do Poder Judiciário os seus conflitos, de forma que este o solucione de forma justa. Desta forma, visando o Estado garantir tal direito, é que foram criados diversos meios e institutos a fim de aproximar o jurisdicionado do Poder Judiciário, como a criação dos Juizados Especiais, o instituto do Jus Postulandi, Assistência Judiciária Gratuita, o Direito Processual Coletivo, as Defensorias Públicas, entre outros, tudo com o intuito de dar ao cidadão a plena sensação de que o Estado é justo.

Para que ocorra essa aproximação o Poder Judiciário, utiliza da publicidade, para conseguir alcançar as pessoas através, por exemplo, de propagandas televisionadas anunciando a semana da conciliação, ou ainda, a criação e a distribuição de cartilhas explicando de forma clara, de modo a fazer com que a população compreenda, o procedimento nos Juizados Especiais Cíveis, para melhor demonstrar essa ‘”propaganda” realizada pelo Judiciário, trago o trecho de Apresentação da Cartilha dos Juizados Especiais Cíveis, criado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – RJ, que assim assevera:

“A cartilha dos Juizados Especiais Cíveis tem como finalidade aproximar a população do Estado do Rio de Janeiro do seu Poder Judiciário.

Por isso é que foi redigida em linguagem simples e informal, seguindo aliás, os princípios que disciplinam os próprios Juizados.

Essa Justiça prestada de forma gratuita, rápida e descomplicada foi criada pela Constituição Federal e regulamentada pela Lei 9.099 de 26/09/1995, e através dela, o Poder Judiciário pretende mostrar para todos os cidadãos que hoje, ninguém precisa ter medo, ou sentir insegurança para defender seus direitos muitas vezes desrespeitados.

Através deste manual básico o cidadão obterá uma orientação segura e objetiva sobre como acessar os Juizados Especiais Cíveis e em que hipóteses poderá fazê-lo”. (RIO DE JANEIRO, s.d., p. 01)

Não há que se questionar que ações como essa, por parte do Poder Judiciário, juntamente como todas as previsões constitucionais e infralegais realizadas pelo Poder Legislativo, facilitaram imensamente o acesso físico do Jurisdicionado ao Poder Judiciário, indo além, aproximando camadas mais pobres da população brasileira, um grupo marginalizado de pessoas, que antes se sentiam excluídas do sistema, ou viam este como o grande vilão, devido às ações criminais, que era mais comum nas vidas dessas pessoas. Sobre o assunto, trata Dall’Alba:

“Os Juizados Especiais Cíveis já absorvem significativo percentual de ações ingressadas no sistema e a tendência é de crescimento da demanda jurisdicional no âmbito de sua competência. Subjaz à ideia dos Juizados Especiais, portanto, além de um rito enxuto com grande estímulo à composição, uma estruturação administrativa racionalizada, mais compacta, provida inclusive de certa mobilidade que permita alcançar populações mais isoladas. A ideia de democratização da justiça encontra nos juizados auxiliar valioso, com vocação popular, que busca dar acesso também as populações mais carentes e menos informadas. A informação é, aliás, elemento essencial ao exercício da cidadania sendo que o sucesso da via alternativa depende em muito da publicidade acerca de sua existência e seu funcionamento. Vários estados vêm desenvolvendo trabalho de divulgação dos juizados pelos meios de comunicação, prestando esclarecimentos sobre sua competência, forma de acesso, procedimento e termos mais utilizados, atentos à finalidade dos Juizados Especiais chegou também as Universidades, passando algumas a abrigarem postos dos juizados junto às Faculdades de Direito”. (DALL’ALBA, 2011, p. 26)

No entanto vale reflexão, se estes meios de propiciar a “popularização” da justiça, não acarretaria ao final, uma visão negativa por parte da população ante a “real” e “efetiva” Justiça propagada pelo Poder Judiciário, pois uma vez que o cidadão busque a justiça, e não encontre nela o que é anunciado, este passa a ter uma experiência indesejada e desconfortante, podendo acarretar a visão de falha do Sistema Judiciário Brasileiro como um todo, o que seria altamente negativo para o sistema. Ante a realidade vivenciada pela maioria da população brasileira, que se resume na falta de conhecimento técnico sobre o Direito, importante se faz a analise da visão do jurisdicionado em relação ao acesso a jurisdição, o que se fará adiante.

2.2 A Jurisdição sob a ótica do Jurisdicionado

O jurisdicionado na maior parte das vezes, quando vai a procura do judiciário, tem a visão de que este é a própria justiça. A visão de que tudo que compõem a sede de um Fórum se resume na justiça, ou no fato de se ter um fórum na comarca se tem Justiça. E assim o é a muito tempo, tanto no Brasil, como em várias partes do mundo, em especial nos países subdesenvolvidos onde a maior parte da população não possui a instrução necessária para compreender o sistema. Na realidade, o fato é que as pessoas, em sua maioria, não conhecem e muito menos entendem seus direitos, a lei, ou a funcionalidade do sistema Judiciário. Ao irem a um fórum, essas pessoas clamam, ao próprio funcionário da secretária, por explicações, clamam pela efetividade de um Direito que nem sequer é compreendido por elas, mas os meros funcionários têm por função a realização de atos processuais ordenados por um magistrado. E é assim que é vista a jurisdição na maioria das vezes.

O oficial de Justiça, para estas pessoas, já se resume na Justiça, este já é responsável por providenciar a concretização dos seus direitos, o que como já analisado, é uma visão totalmente equivocada. Ao ir ao judiciário, já estaria resguardada suas pretensões, cabendo a este, e somente a este a solução de seus problemas. Tal ótica é tão comum que já virou “história”. O notável escritor de Romance Franz Kafka escreveu a obra inacabada, “O Processo”, um dos maiores romances do Século XX. A referida obra se traduz em uma crítica direta ao sistema Judiciário onde Josef K esta sendo processado, mas, no entanto, ele não sabe o porque, não sabe o que fez de errado, e nem em que lei se embasava as acusações. Situação vivida por muitas pessoas ainda hoje. A falta de conhecimento sobre as leis, faz com que as pessoas não conheçam seus direitos, não saibam como conseguir efetivá-los, e a partir dessa falta de informação é que concluem que a Justiça é falha.

3 JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS

A fim de atingir a efetividade do processo, o que é uma preocupação antiga, é que se fazia necessária a criação de um sistema, através do qual, causas de menor complexidade, pudessem ter um procedimento mais célere, do que o existente no sistema da justiça comum. Apesar de ser um princípio constitucional, a duração razoável do processo, é sabido por todos que nem sempre é possível ser respeitado. E foi com intuito de acelerar o procedimento das chamadas causas de menor valor, é que foi criado todo um microssistema, para garantir a efetividade dessas causas. “A instituição desse microssistema processual representado pelos Juizados Especiais surgiu como resposta à insatisfação popular com a lentidão e formalismo que dificultam a solução dos conflitos pelos métodos já existentes”. (DONIZETE, 2012, p.443). A Constituição de 1988 trouxe previsão expressa para instituição de Juizados Especiais Cíveis, no seu artigo 98, inciso I, que assim estabelece:

“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por temas de juízes de primeiro grau”; (BRASIL, 1988)

Diante de tal previsão constitucional, é que foi se formando o sistema dos Juizados Especiais. Em 26 de setembro de 1995, foi publicada a Lei de nº 9.099, que definiu as normas sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Estadual, através de um procedimento sumaríssimo para o julgamento e processamento das causas de menor complexidade. Seis anos depois é criada a Lei nº 10.259, de 2001, que regulamenta a criação de Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais. Oito anos mais tarde, surge a Lei n.º 12.153 de 22 de Dezembro de 2009, que trata da criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública.

Vale frisar que antes mesmo da Constituição de 1988, já havia a Lei nº 7.244/1984, que trata dos Juizados de Pequenas Causas. Esse rol de legislações unidas forma o microssistema dos Juizados Especiais Cíveis, cabendo subsidiariamente a aplicação do Código de Processo Civil, no que for omisso nas referidas Leis. Dessa forma, cria-se um procedimento especial, para facilitar o acesso e a celeridade das numerosas causas de menor valor, que se desenvolveram ao longo do tempo, junto com o desenvolvimentos social, econômico e tecnológico. O acesso a jurisdição, foi tema que ganhou destaque mundial na década de 70, o que gerou diversas propostas legislativas com a finalidade de facilitar o acesso a justiça, principalmente dos conflitos populares, aqueles de maior incidência nas vidas dos seres humanos.

Muitos modelos de pequenas cortes já estavam em fase de experiência em outros países, quando veio o tema a ser tratado no Brasil, tendo alguns deles influenciado substancialmente os modelos que viriam a surgir no nosso país, exemplo, foi as Small Claims Curts de Nova Iorque, que serviu de parâmetro para a criação de legislações brasileiras, surgindo delas os aspectos utilizados no nosso sistema, como os auxiliares da justiça, os árbitros, facilidade no procedimento e a simplificação dos atos processuais. Tudo começou no Brasil com a criação em 1982 dos Conselhos de Mediação e Arbitragem do Rio Grande do Sul, o que influenciou no estudo aprofundado de tais mecanismos de facilitação do acesso à justiça, vindo assim a surgir a já referida Lei n.º 7.244/1984.

Logo após a criação da Lei dos Juizados de Pequenas Causas, se fez necessário o tratamento constitucional sobre o tema do acesso a justiça, com a nova roupagem que este passava a assumir, o que culminou na redação do art. 98, I, da atual Constituição da República. E dessa forma, sucessivamente veio surgindo as novas e atuais leis, sobre Juizados Especiais Cíveis, quais sejam, a Lei n.º 9.099/1995, Lei n.º 10.259/2001 e a Lei n.º 12.153/2009, formando-se o atual sistema brasileiro de Juizados Especiais.

3.1 O Procedimento dos Juizados Especiais Cíveis: princípios norteadores e características

O procedimento dos Juizados Especiais Cíveis tem sua estrutura baseada em princípios essências e complementares, sendo eles a oralidade, simplicidades, informalidade, economia processual e por fim celeridade, buscando sempre que possível, a conciliação ou transação. Assim predispõe o artigo 2.º da Lei 9.099/1995, que “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível a conciliação ou a transação”. (BRASIL, 1998). O legislador, obviamente, tinha como objetivo, ao prever tais princípios, ampliar ao máximo o acesso à justiça. Estudaremos neste momento cada um dos princípio e as demais características do procedimento Sumaríssimo.

Verdadeiro mecanismo de celeridade do processo, a oralidade, no procedimento sumaríssimo é de extrema relevância. Acaba por explicar o uso da expressão “processo oral” para designar os processos dos juizados. Propicia o citado princípio um relacionamento mais direto entre as partes e os operadores do direito, permite ainda a oralidade uma maior concentração dos atos processuais nas audiências. Apesar da importância da utilização da palavra falada, esta não se tornou usual na prática, ressalvado os casos de ajuizamentos de ações, devido ao grande apego dos operadores do direito com o Direito Processual Civil tradicional.

Intimamente ligado com princípio da oralidade, está a postura mais ativa do julgador e a concentração de atos, características do rito sumaríssimo. Quanto a primeira, devido a informalidade e a concentração de atos, o juiz pode ter uma presença mais ativa, participando mais dos debates, mas ainda sim deve-se o magistrado preservar a imparcialidade. O que se busca é uma maior colaboração do juiz para a formação do seu convencimento, julgando a lide da melhor e mais justa forma possível. No que tange à concentração de atos, essa se faz extremamente necessária diante do processo oral. “Oralidade e concentração potencializam-se reciprocamente.” (DONIZETE, 2012, p. 31). Quanto maior os números de atos realizados em um único momento, mais fácil a composição da lide, tão logo sejam apresentados as questões relevantes. As maiorias dos atos que compõem o procedimento dos juizados se realizam em audiência.

Outras características do respectivo procedimento são a gratuidade e a desnecessidade de advogados, estas estão interligadas ao princípio do amplo acesso à justiça. A gratuidade facilita o ajuizamento de ações sem ônus para a parte. O artigo 54, da Lei 9.099 de 1995, estabelece a gratuidade do acesso aos juizados em primeiro grau. Não cabendo a condenação, em custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 54 da Lei dos Juizados. Mas nos casos de recursos tais custas são devidas, bem como o preparo.

Já a desnecessidade de advogados se limita as causas em que o valor é de até vinte salários mínimos. A Simplicidade e a Informalidade são princípios basilares para o bom funcionamento do procedimento dos juizados, mas não se confundem entre si. O primeiro vem evitar os incidentes processuais desnecessários, por exemplo, cabendo pedido contraposto na própria defesa, não se admitindo intervenções de terceiros, ou assistência, possui também número reduzido de recursos, só se aceitando nos Juizados Especiais o recurso inominado, os embargos á declaração e o recurso extraordinário em sede de tribunais. “Ao restringir a ampliação subjetiva da demanda, vedando o ingresso de terceiros, evita-se a pluralidade de lides, o que contribui para a solução mais rápida do litígio”. […] (DALL’ALBA, 2011, p. 33)

A informalidade tende a diminuir as exigências formais dos atos processuais e, estes só serão considerados nulos quando não atinjam a finalidade a que se destinam, ou causem prejuízos as partes, nos termos do artigo 13, caput, e § 1.º da Lei n.º 9.099/1995. A Economia Processual se resume no alcance do maior rendimento com a prática do menor número de atos processuais possíveis, a fim de evitar o prolongamento e a oneração do processo, para tanto é que o procedimento é simples e promove a concentração dos atos sempre que permitido.

O princípio da Celeridade é de suma importância no processo de aproximação do jurisdicionado com o Poder Judiciário, uma vez que o desencorajamento na procura da jurisdição é devido a longa duração dos processos. “O passar do tempo sem que alcancem as partes a solução definitiva do litígio gera o ceticismo quanto a utilidade de investir tanto tempo”. (DALL’ALBA, 2011, p. 34). E foi com intuito de aproximar o jurisdicionado da justiça e diminuir o grande número de processos que o legislador constituinte previu na Carta Magna, em seu artigo 5.º, LXXXVIII, dentro do rol dos direitos fundamentais, a previsão do princípio da celeridade. Dall’Alba nos ensina que:

“Além do estímulo à composição, os Juizados Especiais Cíveis optam por um procedimento que se caracteriza pela oralidade, concentração de atos processuais, fixação de prazos curtos, limitação da via recursal, adotando em princípio a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, como forma de dar mais fluidez ao processo. Na realidade, como já se disse, da aplicação integrada dos princípios que orientam o procedimento nos Juizados Especiais é que deriva um processo tendencialmente mais rápido e acessível” (DALL’ALBA, 2011, p. 34).

Esse conjunto de princípios e características embasam o procedimento sumaríssimo, e contribuem grandemente para que este alcance sua finalidade essencial, a aproximação da população com a justiça.

3.1.1. O Instituto do Jus Postulandi nos Juizados Especiais Cíveis

O instituto do Jus Postulandi se resume no direito de se postular em juízo, o que em regra é atividade privativa de advogado, nos termos do artigo 1.º, I, da Lei 8.906/64. No entanto a legislação brasileira formulou algumas exceções a essa capacidade privativa de advogado. É o caso dos Juizados Especiais, da Justiça do Trabalho, e da impetração do remédio constitucional Habeas Corpus, onde é permitido as próprias partes, dentro de alguns limites, praticarem sem a assistência de um advogado a capacidade postulatória.

Interessa para este trabalho o estudo do instituto na esfera dos Juizados Especiais. No procedimento sumaríssimo a participação do advogado é facultativa nas causas de valor até vinte salários mínimos, acima desse teto a presença do advogado é obrigatória, bem como na fase recursal. Quando o patrocínio advocatício for facultativo e, apenas uma das partes comparecer acompanhada de advogado, a Lei n.º 9.099/1995, no artigo 9º, § 1.º, prevê o oferecimento a outra parte de advogado ligado a assistência judiciária.

E é a previsão deste artigo que abriga o conflito existente quanto a efetividade do instituto do Jus Postulandi. É fato notório que o país ainda sofre com a falta de assistência técnica, suficiente e de qualidade, não se tendo, portanto, número suficiente de defensores públicos para assistirem as partes que se encontram sem advogado. A publicização dos Juizados especiais tem levado a um considerável aumento do número de litígios nas pequenas cortes, o que prejudica ainda mais a possibilidade de defensor disponível, e quando este se apresenta para o patrocínio da causa, é comum estarem sobrecarregados com diversas demandas, não podendo assim fornecer um trabalho técnico de qualidade, o que acaba por desencadear “fatores como diferenças entre litigantes em potencial no acesso prático ao sistema, ou a disponibilidade de recursos para enfrentar o litígio […]” (CHAYES, 1976 apud CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 10).

Vale reflexão, no sentido de que parece crível aceitar que ao optar pelo uso do instituto do Jus Postulandi nos juizados, a parte se encontrará desamparada no sentido técnico, incorrendo em elevado risco ao realizar atos processuais sem o conhecimento específico do Direito, conhecimento este que o advogado possui, causando claramente uma desvantagem jurídica em relação a parte assistida.

É sabido que a maior parte da população não possui o conhecimento e a técnica jurídica de um operador do direito. O que leva, muitas vezes, a um resultado indesejado pela parte, ao não conseguir ver efetivado um direito seu, lhe proporcionando a sensação de que foi “traído pela justiça”, pois essa lhe permite o ajuizamento da demanda, sem ter que arcar com o ônus de um advogado, mas a partir de então ela, a parte, se encontra desamparada por não saber como proceder processualmente, ficando assim prejudicada a finalidade que levou a implementação dos juizados, ferindo ainda o princípio da isonomia e cerceando a defesa daqueles que não possuem domínio do Direito Processual Cível. Nesse sentido:

“a maturidade do Estado Democrático de Direito passa necessariamente pelo incremento da consciência dos cidadãos sobre seus direitos e sobre o funcionamento da estrutura de distribuição da justiça. O Brasil é ainda um país com enormes desigualdades, que vão da perversa distribuição de renda ao acesso restrito a educação. O processo judicial permanece para grande número de cidadãos um verdadeiro mistério, algo repleto de incidentes e formalidades, que faz parte ser mais expectador do que protagonista na solução do problema. A linguagem utilizada é altamente técnica e presa a estilo hermético e bacharelesco. Ao buscar desmistificar, sob certos aspectos, esse caráter inexpugnável da jurisdição, desenvolvendo formas mais diretas de participação do cidadão cumprem os juizados papel de grande valor. Os juizados foram concebidos para: promover a maior aproximação possível dos jurisdicionados; possibilitar o acompanhamento direto e a compreensão do processo, até a solução do litígio.” (DALL’ALBA, 2011, p. 32)

Para o sucesso dos juizados, é necessária uma análise do instituto do Jus Postulandi dentro do contexto social, político e econômico do nosso país. Devendo ser avaliado se a população brasileira está preparada para se valer do instituto, se possui pleno preparo para a prática da capacidade postulatória sem a assistência de um especialista do Direito, sem se encontrar em situação de desvantagem no litígio. Pois se assim não o for, o risco de o jurisdicionado ter a concepção de que o instituto do Jus Postulandi na verdade nega a real e efetiva justiça, não passando este de uma forma de mascarar a inexistência do direito ao amplo acesso a jurisdição.

Não se podendo enxergar o acesso a justiça como a simples possibilidade de se ajuizar uma ação, mas sim que o processo seja verdadeiro meio de tutela de direitos, sendo necessário, portanto que se vá além, que este assegure o resultado real, justo, positivo, proporcionando à parte aquilo que é dela de direito, não sendo o processo mero instrumento de produção de decisões. Logo é imperativo que o acesso à justiça seja, além de amplo, efetivo e de qualidade.

4 O PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA

Conforme já explicitado neste trabalho, vide item 2.2, o princípio do Acesso à Justiça encontra amparo constitucional no nosso Ordenamento Jurídico (art. 5.º, XXXV, da CRFB/1988). É também conhecido como o princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, sendo um direito fundamental a apreciação pelo Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito. “Assim é que deve ser tida por inconstitucional qualquer norma jurídica que impeça aquele que se considera titular de uma posição jurídica de vantagem, e que sinta tal posição lesada ou ameaçada, de pleitear junto aos órgãos judiciais a proteção de que sinta merecedor.” (CÂMARA, 2011, p. 49). Pois é a garantia de que se terá o direito a justiça que reafirma a estabilidade do Estado diante de seu povo e, este mantém assim a confiança necessária no Poder Estatal.

4.1. O Princípio do Acesso à Justiça e o jus postulandi nos Juizados Especiais Cíveis

Os Juizados Especiais foram criados para promover a aproximação do jurisdicionado ao Poder Judiciário. E foi com este intuito que alguns “benefícios” foram implementados no procedimento sumaríssimo, como a isenção de custas na fase monocrática e a possibilidade de o jurisdicionado postular em juízo sem a presença de um advogado, o que chamamos de Jus Postulandi. No entanto, questiona-se a efetividade do instituto como instrumento de ampliar o acesso á justiça.

Primeiramente vale observar que o conceito de efetividade não é algo bem delimitado. Sob a analise do Direito Constitucional efetividade é “a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social” (BARROSO, 2004, p. 248). Para Cappelletti e Garth “a efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa “igualdade de armas.”[…] (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 15). É neste diapasão que “os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa estão diretamente ligados à efetividade da jurisdição, uma vez que eles são a garantia, para o cidadão, de obter do Estado a tutela de seus direitos” (LOPES; LOPES, 2008, p. 241) Obviamente que se trata de um conceito relativamente utópico, mas deve-se avançar o máximo possível para aproximar a realidade do sistema jurídico a este conceito, e foi neste sentido que os juizados foram criados para ampliar e acelerar a prestação jurisdicional.

O instituto do Jus Postulandi foi inserido no procedimento sumaríssimo para garantir a efetividade do acesso á justiça. No entanto diante da realidade do nosso país, o instituto já demonstrou por vezes, poder propiciar a desigualdade das partes litigantes frente a possibilidade destas, pois claro é que os “litigantes de baixo nível econômico e educacional provavelmente não terão a capacidade de apresentar seus próprios casos, de modo eficiente […] (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 29).

Neste sentido verifica-se que não basta facilitar o acesso a justiça, como se verifica através do Jus Postulandi, mas necessário se faz ainda a implementação de outros fatores para garantir a efetiva justiça, como juízes mais ativos e assistência jurídica gratuita e de qualidade. “Julgadores mais ativos podem fazer muito para auxiliar os litigantes que não contam com assistência profissional.” (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 103). No Brasil é comum, por exemplo, que o litígio se dê entre grandes empresas e o consumidor de um produto ou serviço, este quase sempre desamparado do auxilio de um profissional sendo claro nesses casos a desigualdades entre as partes. Cappelletti e Garth nesse sentido observam que:

“Pessoas ou organizações que possuam recursos financeiros consideráveis a serem utilizados têm vantagens óbvias ao propor ou defender demandas. Em primeiro lugar, elas podem pagar para litigar. Podem além disso, suportar as delongas do litígio. Cada uma dessas capacidades, em mãos de uma única das partes, pode ser uma arma poderosa; a ameaça de litígio torna-se tanto plausível quanto efetiva. De modo similar, uma das partes pode ser capaz de fazer gastos maiores que a outra e, como resultado apresentar seus argumentos de maneira mais eficiente. Julgadores passivos, apesar de suas outras e mais admiráveis características, exacerbam claramente esse problema, por deixarem as apartes a tarefa de obter e apresentar as provas, desenvolver e discutir a causa”. (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 21 e 22).

o que acaba por se tornar, para muitas pessoas uma justiça inacessível, ante um litigante de elevado poder econômico, o que se torna mais um obstáculo ao acesso efetivo à justiça.

Portanto verifica-se que não basta ampliar o acesso a justiça para se alcançar a efetividade da prestação jurisdicional, sendo imperativo que além do instituto do Jus Postulandi, outros mecanismos sejam garantidos ao jurisdicionado a fim de alcançar verdadeiramente o fim almejado pelos juizados, como a assistência profissional gratuita e de qualidade, tema que passamos a tratar no próximo tópico.

4.2 O Princípio do Acesso à Justiça e a falta de assistência técnica de qualidade no Brasil

No artigo 9.º,§ 1º da Lei 9.099/95, o legislador previu a garantia de assistência Judiciária prestada por órgãos instituídos junto aos Juizados Especiais a parte que comparecer sem advogados, estando a outra parte litigante assistida. Vale ressaltar que a letra da lei declara a faculdade da parte em optar por ser representada ou não. O dispositivo em comento assim dispõe:

“Art. 9.º Nas causas de valor até 20 (vinte) salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistida por advogados, nas de valor superior a assistência é obrigatória.

§1.º Sendo facultativa a assistência, se uma das partes comparecer assistida por advogado, ou se o réu for pessoa jurídica ou firma individual, terá a outra parte, se quiser, assistência judiciária prestada por órgão instituído junto ao Juizado Especial, na forma da lei local.” (BRASIL, 1995)

Teoricamente falando, a norma legislativa se apresenta perfeita, mas como bem observa Figueira Junior e Tourinho Neto, no campo fático tal norma enfrenta dificuldades para se manter ante a realidade social do nosso país, nesse sentido afirmam:

“De forma geral, o que constamos nacionalmente é a facilitação normativa e fática do acesso à Justiça e, a cada dia que passa, tem-se a sensação de que a “boa nova” se espalha, e que cada vez mais o jurisdicionado, em particular as camadas mais carentes da comunidade, tem acorrido às secretarias dos Juizados para formularem seus requerimentos, simples e informais. De outra parte, deparamo-nos com uma deficiente estrutura cartorária, poucos juízes togados, leigos e conciliadores, sem contar com a carência de assistência social e assistência judiciária pública permanente” (TOURINHO NETO; FIGUEIRA JUNIOR, 2007, p.180).

Desta forma que se aduz que apesar da maestria do legislador este não se atentou a realidade vivida pelo judiciário brasileiro, nos tempos de hoje. A assistência advocatícia é essencial para o sucesso das pequenas cortes. Diante da deficiência jurídica que a maior parte dos litigantes apresentam, necessária é a assistência profissional para que haja a real e justa chance de  se alcançar um provimento jurisdicional satisfatório. Observa Cappelletti e Garth que:

“Na maior parte das modernas sociedades, o auxílio de um advogado é essencial, se não indispensável para decifrar leis cada vez mais complexas e procedimentos misteriosos, necessários para ajuizar uma causa. Os métodos para proporcionar a assistência judiciária àqueles que não a podem custear são, por isso mesmo, vitais”. (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p.32)

Não basta o fácil acesso à justiça, o jurisdicionado precisa ter a certeza de que o sistema oferecerá a ele as melhores condições para verem efetivados seus direitos. E assim essencial é a assistência judiciária gratuita, não se resumindo esta em simples isenção de custas judiciárias, mas também no fornecimento de profissionais qualificados para fazer valer as normas jurisdicionais.

Até muito pouco tempo os serviços jurídicos prestados aos economicamente hipossuficientes eram realizados por advogados particulares, e estes não recebiam nada por isso (múnus honorificum), o que se mostrou insatisfatório, pois os advogados privados tendem a gastar seu tempo e esforço com prestações remuneradas, nada mais do que justo, não restando muito para se dedicar plenamente a assistência judiciária gratuita. A partir daí passou a ser necessária uma reforma nos sistemas de Assistência Judiciária gratuita, tal reforma ficou conhecida como a primeira onda para se obter um acesso à justiça satisfatório, o que levou a vários estudos sobre o tema, Cappelletti e Garth afirmam que “existem limites sérios na tentativa de solução pela assistência judiciária. Antes de mais nada, para que o sistema seja eficiente, é necessário que haja grande número de advogados, um número que pode até exceder a oferta, especialmente em países em desenvolvimento.” (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 47)

Há autores que vão além, eles acreditam que assistência judiciária não é apenas para aqueles que não podem pagar por um advogado, mas para qualquer um que necessite de um advogado. A assistência judiciária deve ser para os hipossuficientes jurídicos, bem como os hipossuficientes econômicos, ou seja, não basta somente ser pobre, mas ser juridicamente desinformado já seria candidato a assistência judiciária.

E com o primordial e desesperado objetivo de se ampliar a justiça é que os juizados podem ser visto, por vezes como uma ilusão, quando observado através do entendimento de que a criação deles promoveria o aumento das demandas, facilitando assim o acesso á justiça. Mas a realidade é que, o que verdadeiramente ocorre é uma confusão de conceitos, onde acesso á justiça acaba por se confundir com o acesso ao judiciário, e como mencionado no referido trabalho, não são a mesma coisa.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após o estudo dos conceitos existentes na doutrina de jurisdição podemos perceber que há uma visão ofuscada por parte do jurisdicionado a respeito do que seja justiça, principalmente, por parte da população mais pobre e com menor grau de estudo, este acaba por confundir a estrutura física do judiciário com a justiça.

Ao se criar os Juizados Especiais, principalmente, os Juizados Cíveis, e aceitar consequentemente o Instituto do Jus Postulandi no procedimento destes, o Poder Judiciário conseguiu, como era o objetivo, aproximar o jurisdicionado do Judiciário. No entanto, essa aproximação foi apenas física, em sua maior parte, pois ao procurar o judiciário, o cidadão não possui o conhecimento técnico jurídico necessário para levar adiante o processo a fim de alcançar o melhor resultado possível, tendo garantido os direitos constitucionais ao Contraditório e a Ampla Defesa. O que faz com que os litigantes se decepcionem com a justiça e passem a tê-la com maus olhos.

Acaba assim fincando em cheque a efetividade do instituto no procedimento sumaríssimo, por estar mitigado o real sentido da Inafastabilidade da Jurisdição, pois este não se trata penas do acesso físico ao judiciário, mas também a garantia de que terá as melhores chances de alcançar com sucesso o direito almejado. Ao lado disso, apesar da Lei 9.099 de 09 de setembro de 1995 prever a assistência de advogados vinculados a órgão instituído junto aos Juizados, essa não é ainda a realidade do nosso país, pois sofre-se muito atualmente com a deficiência de advogados públicos, para assistir principalmente as pessoas mais carentes que não possuem condições de pagar por um advogado privado.

Conclui-se, portanto, que para a total e mais satisfatória eficiência dos juizados e consequentemente do instituto, necessário se faz o aumento do número de advogados públicos de qualidade no nosso país, de forma a amparar o jurisdicionado quando necessário, e garantir a esse a igualdade de armas com a outra parte litigante, principalmente quando esta se tratar de pessoa jurídica, alcançando assim o objetivo buscado quando da criação dos Juizados Especiais Cíveis.

Referências
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988: atualizada até a Emenda Constitucional n.o 53, de 19.12.2006. In: Vade Mecum. Obra coletiva de autoria da ed. Saraiva com a colaboração de  L. R.Curia, L. Céspedes e J. Nicoleti. 18. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014.
_________. Lei nº 9.099, 26 de setembro de 1995. In: Vade Mecum. Obra coletiva de autoria da ed. Saraiva com a colaboração de L. R.Curia, L. Céspedes e J. Nicoleti. 18. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. v. 1. 21 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. GRACIE, Ellen (trad.). Porto Alegre: Fabris, 2002.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pelegrini. Teoria geral do processo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011
DALL’ALBA, Felipe Camilo. Curso de Juizados Especiais. Belo Horizonte:
DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2012
KAFKA, Franz. O Processo. CARONE, Modesto (trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
LOPES, Maria Elizabeth de Castro; LOPES, João Batista. Princípios Processuais na Constituição. São Paulo: Elsevier, 2008.
RIO DE JANEIRO (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Cartilha dos Juizados Especiais Cíveis. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2016
TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados especiais cíveis e criminais: comentários à lei 9099/95. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

Informações Sobre o Autor

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES

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