Teoria da reserva do possível versus direito à saúde: uma reflexão à luz do paradigma da dignidade da pessoa humana

Resumo: A teoria da reserva do possível originou-se na Alemanha no ano de 1970, por meio de uma causa apresentada perante a Corte Alemã, neste caso, ficou decidido pela Suprema Corte Alemã que, somente se pode exigir do Estado à prestação em benefício do interessado, desde que observados os limites de razoabilidade. Portanto, o princípio da reserva do possível foi aderido também ao direito brasileiro por meio do direito constitucional comparado. No entanto, a administração pública, por meio do Poder Executivo, tem-se orientado por meio do principio da reserva do possível de forma errônea e, consequentemente, se encontra fazendo uma má interpretação e aplicação dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Em razão disto, há um vasto número de ações ajuizadas perante o Poder Judiciário, tendo alguns casos especiais que se trata com por exemplos dos remédios órfãos, tratamento terapêutico com valores muito onerosos, portando, a administração pública utiliza-se da reserva do possível com objetivo de se esquivar de suas obrigações. Salienta-se que o direito à saúde está intrinsecamente ligado aos direitos e garantias sociais, de modo que é dever do Estado custeá-lo, garantido o “mínimo existencial” para a sobrevivência do ser humano. Dessa forma, quando se depara com um quadro clinico onde o assunto seja tratamentos ou medicamentos, com intuito de garantir a sobrevivência humana, se esbarra no princípio da dignidade da pessoa humana, no qual o Estado terá que dar para todos os seus cidadãos uma vida digna e justa. Por fim, abordará no presente, a teoria da reserva do possível versus direito à saúde: uma análise à luz do STF, conforme mencionado epígrafe o direto a saúde está elencado dentro do rol das políticas sociais, assim, caberá à suprema corte defender tal matéria, e resguardar a sua aplicação dentro do ordenamento jurídico brasileiro. [1]

Palavras-chave: Direito à saúde; Direito Social; Princípio da Reserva do Possível; Direito à saúde a luz do STF;

Abstract: The theory of the reservation of the possible originated in Germany in the year 1970, by means of a case brought before the German Court, in this case, it was decided by the German Supreme Court that only the State can be demanded to the benefit for the interested party , Provided that the limits of reasonability are observed. Therefore, the principle of reserving the possible was also adhered to Brazilian law by comparative constitutional law. However, public administration through the Executive Power has been guided by the principle of reserving the possible of erroneous form and, with this, is making a misinterpretation and application within the Brazilian legal system, while it has vast Number of lawsuits filed before the Judiciary, having some special cases that are dealt with for examples of orphan drugs, therapeutic treatment with very expensive values, therefore, public administration uses the reserve of the possible with the purpose of evading their obligations . It should be noted that the right to health is intrinsically linked to social rights and guarantees, so it is the State's duty to pay for this right, guaranteeing the "existential minimum" for the survival of the human being. In this way, when faced with a clinical situation where the subject is treatments or medicines, with the purpose of guaranteeing human survival, we run into the principle of the dignity of the human person, in which the State will have to give all its citizens a dignified and just life. Finally, we will cover the theory of the reserve of the possible versus right to health: an analysis in the light of the STF, as mentioned above, the direct health is listed within the roll of social policies, so it will be up to the supreme court to defend such matter, and Safeguard its application within the Brazilian legal system.

Keywords: Right to health; Social Right; Principle of Possible Reserve; Right to health in the light of the Supreme Court;

Sumário: 1 Introdução; 2 A Teoria da Reserva do Possível em exame; 3 Teoria da Reserva do Possível sob a ótica do Direito Administrativo; 4 Teoria da Reserva do Possível versus Direito à Saúde; 5 Conclusão

1 INTRODUÇÃO

O presente abordará algumas problemáticas que tem sido foco de assuntos, discursões doutrinárias e jurisprudências nos dias atuais, tendo como escopo a teoria da reserva do possível. Oriunda do direito alemão, no ano de 1970, um julgamento conduzido à Corte, apreciou uma temática sobre o acesso ao ensino universitário público, a qual proferiu sua decisão embasada no principio da reserva do possível, alegando que direito era coerente, porém, o Estado não tinha recursos suficientes devido a grande crise que estava vivenciando no momento, portanto, não tinha recurso para prover tal direito.

Outro ponto é sobre o direito à saúde em destaque é o reconhecimento fundamental do direito social, positivado no artigo 6º e 196 da CF/88. O direito a saúde se encontra dentro do rol das politicas sociais, além disso, o artigo 196 da CF/88, diz que “o direito à saúde é direito de todos e dever do Estado”, ou seja, a responsabilidade em promover, custear a necessidades referentes à saúde no Brasil é exclusivamente do Estado. Portando, o direito à saúde está elencado no rol dos direitos sociais, sendo um marco muito importante que o constituinte de 1988 deu para sociedade brasileira, o qual responsabilizou de forma direta o Estado no custeio com todo este beneficio.

Por fim, a teoria da reserva do possível versus direito à saúde: uma análise à luz da STF, assim, como relatado à Suprema Corte tem tratado de tal tema com grande afinco, defendendo os direitos e garantias fundamentais agregado na Carta Maior de 1988. Cabe observar que administração pública utiliza-se da reserva do possível para se esquivar de sua obrigação, porém, o Poder judiciário tem agido de forma esplendorosa em seu posicionamento quando a matéria é saúde, dando para a sociedade os seus direitos a luz da Constituição Federativa da República do Brasil de 1988.

2 A TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL EM EXAME

A teoria da reserva do possível advém da doutrina germânica, em especial da Alemanha, manifestando-se no ano de 1970, sendo globalmente conhecida como reserva do financeiramente possível.  Originou-se por meio de um julgamento conduzida à Corte Constitucional Alemã ao tratar de uma problemática a respeito do acesso ao ensino universitário público, solicitado por um aluno daquele país quando havia apenas universidades públicas na Alemanha. Dessa forma, foi decidido que há “limitação fáticas para o atendimento de todas as demandas de acesso a um direito” (JACOB, 2013, p. 250).

Portanto tal limite fático consiste na garantia dos direitos já previstos em Constituição Federal, porém, para dar cumprimento a determinada obrigação faz-se necessário que o Estado tenha recursos públicos suficientes para cumprir com a sua obrigação e dar seguimentos ao seu Equilíbrio financeiro. Nas palavras do Professor Leny Pereira Silva, que:

“[…] o principio da reserve do possível regula a possibilidade e a extensão da atuação estatal no que se refere à efetivação de alguns direitos sociais e fundamentais, tais como o direito à saúde, condicionando a prestação do Estado à existência de recursos públicos disponíveis” (SILVA, s.d., p. 26).

A teoria da reserva do possível é definida como “limite ao poder do Estado de concretizar efetivamente direitos fundamentais a prestação” (SARLET, 2010, p. 180), ou seja, uma vez que o Estado for acionado de forma administrativa ou judicial, ele terá que custear com determinados direitos previsto em sua Carta Maior, mas, sempre respeitando a sua reserva financeira, vez que o Estado só será responsabilizado por suas obrigações quando estiver dinheiro em seu caixa. No Brasil, o principio da reserva do possível se manifestou por meio de uma falácia derivada de um Direito Constitucional Comparado equivocadamente, pois a situação social brasileira não poderia ser comparada àquela vivenciada nos países membros da União Europeia. Nestes termos, esclarece o professor Alemão Andreas Krell, que:

“Não podemos isolar instrumentos, institutos ou até doutrinas jurídicas do seu manancial político, econômico, social e cultural de origem. Devemos nos lembrar também que os integrantes do sistema jurídico alemão não desenvolveram seus posicionamentos para com os direitos sociais num Estado de permanente crise social e milhões de cidadãos socialmente excluídos. Na Alemanha como nos outros países centrais – não há um grande contingente de pessoas que não acham uma vaga nos hospitais mal equipados da rede pública; não há a necessidade de organizar a produção e distribuição da alimentação básica a milhões de indivíduos para evitar sua subnutrição ou morte; não há altos números de crianças e jovens fora da escola; não há pessoas que não conseguem sobreviver fisicamente com o montante pecuniário de ‘assistência social’ que recebem etc. Temos certeza de que quase todos os doutrinadores do Direito Constitucional alemão, se fossem inseridos na mesma situação sócio-econômica de exclusão social com a falta das condições mínimas de uma existência digna para uma boa parte do povo, passariam a exigir com veemência a interferência do Poder Judiciário, visto que este é obrigado de agir onde os outros Poderes não cumprem as exigências básicas da constituição direito à vida, dignidade humana, Estado Social” (KRELL, 2002, p. 107-109).

Com isso, fica evidente que a situação atual brasileira não poderia ser comparada com a aquela vivenciada num passado remoto na Alemanha, pois, o Brasil é um dos países que atualmente tem uma alta carga de tributação, chegando ao equivalente há 35,13% do PIB, ou seja, há grande quantidade de dinheiro nos cofres públicos. Em razão disso, não poderia, de forma alguma, alegar o principio da reserva do possível como justificativa para não cumprimento de uma obrigação. No entanto, quando nasceu o principio da reserva do possível na Alemanha, foi oriundo do momento de uma grande crise financeira, ou seja, não havia verbas nos cofres públicos nem para manter suas receitas originárias.

Portanto, sendo bem diferente no que esta ocorrendo nos dias atuais no Brasil, pois o que ocorre de fato com a economia brasileira é uma má administração das verbas públicas, além de grandes desvios de dinheiro dos cofres públicos, resultando em prejuízos na aplicação das politicas sociais. Desse modo, o Poder Executivo não consegue dar efetivação nas politicas públicas consagradas pela Constituição de 1988. A partir daí, ocorre um conflito entre Poder Judiciário com o Poder Executivo, vez que o Poder Judiciário é constantemente demandado a proporcionalizar a aplicação dos direitos e garantias, para que seja cumprido com fulcro no principio da segurança jurídica, porque uma vez positivado tal direito pelo Poder Legislativo, o Poder Executivo terá que promover e executar de forma consensual tal ação, ou de forma coercitiva por meio do Poder Judicial com base nos dizeres constitucional.

Ressalta-se ainda, que o principio da reserva do possível está ligada a duas vertentes, sendo a primeira relacionada com a existência de uma determinada situação econômica e a segunda passou a ser acatada no sentido de negar competência ao Poder Judiciário para julgar sobre matéria que impliquem em gastos orçamentários (MENDES; COELHO; BRANCO, 2000, p.146). Essa reprimenda configura sem sobra de duvida em uma objeção a viabilidade de judiciabilidade dos direitos sociais, dentre eles, os mínimos existenciais.

Apesar disso, não há como se aceitar que a reserva do possível seja válida, seja tida como uma justificativa a obstar a viabilidade da exigibilidade judicial dos mínimos existenciais, particularmente a saúde, pois como sobredito, com fulcro no artigo 196º da CRFB/1988, “a saúde é direito de todos e dever do Estado (…)”, sendo configurado como o mais importante direito previsto no artigo 6º da CRFB/1988.

É notório que as alegações de negativa de efetivação de um direito social por motivo da reserva do possível, devem ser analisadas com cautela pelo Poder Judiciário, de modo que não cabe o Poder Executivo alegar que não há possibilidade de cumprir uma ordem judicial por motivo da reserva do possível, terá que comprova-la materialmente, pelo fato que a reserva do possível converteria: “em verdadeira razão de Estado econômico, num AI-5 econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra tudo que a Carta em matéria de direitos sociais” (FARENA, 1997, p. 12).

Por fim, judicialização da saúde é o único meio que a sociedade brasileira tem encontrado para efetivação do seu direito. Graça ao princípio do acesso à justiça que permite a qualquer um do povo pleitear o seu direito em juízo, desta forma coíbe o Estado na pessoa dos seus entes federativos por meio da ação de obrigação de fazer, em custear os seus tratamentos e medicamentos. O principio da dignidade da pessoa humana garante sem sobra de duvida que o Estado forneça o “mínimo existencial” para sobrevivência da sociedade brasileira. Assim, não cabe o Estado alegar a reserva do possível, pelo fato que o direito da saúde é uma das suas principais obrigações garantida pela Constituição de 1988.

3 TEORIA DA RESERVA DO POSSIVEL SOB A ÓTICA DO DIREITO ADMINISTRATIVO

O Direito Administrativo inicia sua formação com supedâneo no artigo 37 da Carta Magna de 1988, o qual preleciona que: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte” (BRASIL, 1988). Logo, os princípios gerais do Direito Administrativo que lubrificam as engrenagens do mesmo, sendo os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência e outros princípios que emanam do mesmo artigo. Assim, o Direito Administrativo é definido segundo o entendimento dos professores Ronny Lopes e Fernando Baltar Neto como:

“O Direito Administrativo se apresenta como o ramo do Direito Público que envolve normas jurídicas disciplinadoras da Administração Pública em seus dois sentidos, enquanto atividade administrativa propriamente dita e enquanto órgãos, entes e agentes que possuem a atribuição de executá-la. Enquanto arcabouço de regras disciplinadoras da Administração Pública, o Direito Administrativo é um conjunto de princípios e normas que limitam os poderes do Estado”. (BALTAR NETO; TORRES, 2012, p. 30)

Diante o exposto, cabe salientar que o Direito Administrativo subdivide-se em: Direito Público que engloba normas forenses que dispõem acerca do Administra Pública em seus dois aspectos, sendo no aspecto administrativo e no aspecto de órgãos. A Administração Pública é classificada como a Administração Direta e Indireta, de modo que a criação do Direito Administrativo é essencial por colocar limites aos poderes do Estado.

 Imperioso destacar que dentro da Administração Pública existe um Instituto que tem tomado palco de grande discursão sobre a sua aplicação no Ordenamento Jurídico Brasileiro, de maneira que o Instituto da Reserva do Possível esta intrinsicamente ligado nos atos e nas gestões da Administração Pública. Assim, para que as políticas públicas sejam inseridas dentro do nosso Estado é necessária a analise do Poder Executivo, desde sua iniciativa até a execução das normas orçamentárias. Calha-se que a triagem a respeito da conceituação das políticas públicas transfere do Executivo para o Judiciário, o desrespeito do delineamento da igualdade, uma vez que o grupo social que procurou a colaboração com o Poder Judiciário se justaporá aqueles que não o realizaram.

Na ótica de Marcos Maselli Gouvêa, salienta que: “em situações extremas, as despesas realizadas em função de direitos prestacionais judicialmente impostos inviabilizariam outros projetos estatais, eventualmente até projetos relacionados a outros direitos fundamentais” (GOUVÊA, 2000, p.19). A par de complementar o alegado epigrafe, ressaltam-se as palavras do Professor Felipe de Melo Fonte:

“[…]relatos de que em alguns hospitais e escolas da rede pública só se consegue admissão mediante ordem judicial, fato que representa grave distorção no acesso aos bens e serviços públicos, que se espera seja feito sem discriminação entre os cidadãos e de acordo com critério bem definido (…)” (MELO, 2013, p. 14)

Portanto, tal discricionariedade do Poder Executivo, é moderada constitucionalmente, ao determinar as essencialidades orçamentárias impõe barreiras à intercessão do Poder Judiciário quanto à formação da política orçamentária. Nesse intuito averiguamos muitas definições jurisprudenciais, inframencionada:

“[…] Dessa forma, com fulcro no princípio da discricionariedade, a Municipalidade tem liberdade para, com a finalidade de assegurar o interesse público, escolher onde devem ser aplicadas as verbas orçamentárias e em quais obras deve investir. Não cabe, assim, ao Poder Judiciário interferir nas prioridades orçamentárias do Município e determinar a construção de obra especificada […]”. (STJ, REsp 208893/PR; Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 22.03.2004).

Todavia, observa-se que há limites na atuação do Poder Executivo para a atribuição do Poder Judiciário, de modo que na seara jurisprudencial ha muitos conflitantes e controversos, de modo que as profundas transformações de perspectivas frente à demanda pela máxima concretização dos direitos fundamentais, principalmente os sociais. Dentro desta mesma ótica ressaltam-se as palavras do ilustríssimo doutrinador Régis Oliveira:

“[…] descabe ao Judiciário decisão de tal quilate. No entanto, se o fizer, determinando, por exemplo, a construção de moradias, creches, etc., e transitada em julgado a decisão, coisa não cabe ao Prefeito que cumprir a ordem. Para tanto, deverá incluir, no orçamento do próximo exercício, a previsão financeira. Esclarecerá à autoridade judicial a impossibilidade de cumprimento imediato da decisão com trânsito em julgado, diante da falta de previsão orçamentária, e obrigar-se-á a incluir na futura lei orçamentária recursos para o cumprimento da decisão […]” (OLIVEIRA, 2006, p. 404).

Vislumbra-se ainda, a Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 45/DF, tendo como Ministro Relator Celso de Mello, o qual tratou o caso com muita seriedade e abordou com grande magnitude e clareza a respeito da Reserva do Possível, compreendendo ser viável a intervenção forense em relação às políticas públicas, contudo realçou a implantação da cláusula da reserva do possível, sui generis na execução dos direitos sociais, culturais e econômicos, apesar de estes reivindicassem amortizações estatais positivas do país. Nesta posição, decidiu o Supremo Tribunal Federa, in verbis:

“[…] É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente usando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. […]” (STF, ADPF n. 45, Rel. Min. Celso de Mello, julg. 29.04.04)

Este posicionamento tem esteio na ciência econômica, devendo ser agregado à conceituação das politicas públicas, sendo que na instancia das decisões judiciais, todavia nestes casos é necessário comprovar a ausência de recurso. Deste modo, o Instituo da Reserva do Possível é aplicado dentro do ordenamento jurídico brasileiro de maneira ponderada, ou seja, é necessário fazer um juízo de admissibilidade, de modo que tal instituto só poderá ser aplicado como ultima ratio, e quando for aplicado será necessário fundamentar de maneira clara e objetiva a insuficiência de recursos financeiros. Abordou o doutrinador Felipe de Melo Fonte que “Reserva do possível não é presunção absoluta (ou mesmo relativa) de inexistência de dinheiro, nem fundamento autônomo de discricionariedade administrativa e/ou legislativa capaz de justificar a omissão ou adimplemento defeituoso de direitos fundamentais” (FONTE, 2013, p. 92).

Por fim, o sentido primordial da Teoria da Reserva do Possível deve ser depreendido sob o olhar dos delineamentos da proporcionalidade e da razoabilidade entre a presunção pleiteada, de modo que o instituto da responsabilidade objetiva do Estado adveio com muito luta, de maneira que não seria salutar que em pleno o século XXI, a sociedade brasileira tenham os seus direitos e garantias fundamentais exauridos devido a este instituto. Logo, é necessária ter uma justificativa plausível e fundamentada para utilizar-se da Reserva do Possível, para que esta prática não cai nas mãos da Administração Pública e seja utilizada a bel-prazer.

4 TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL VERSUS DIREITO À SAÚDE

Com fulcro na Constituição de 1988, em seu artigo 6, 196 a 200, chega-se ao entendimento de que, o direito à saúde é reconhecido como direito fundamental vez que é oxigenada pelo principio da dignidade da pessoa humana, assim, tal direito se encontra em comum concordância entre o direito vigente, as leis internacionais e com a moralidade comum. Dessa forma, acredita-se que o direito à saúde e a vida forma-se um elo comum, isto é, não existe saúde sem vida e nem vida sem saúde, assim, integram as obrigações morais e legais e terá que ser custeado pelo Estado. Portanto, conforme o entendimento dos direitos humanos, o direito a vida é absoluto. No entanto, a Carta Magna de 1988, estrutura o direito a vida como um direito relativo, mais sendo nítida a obrigação do Estado em resguardar e zelar a “vida” e garantir o “mínimo existencial” para a “saúde humana” (BOBBIO, 1992, p.04-06).

Imperioso salientar que não cabe ao Estado alegar a insuficiência dos recursos financeiros, quando o assunto pleiteado envolve o “mínimo existencial”, de modo que a insuficiência alegada pelo Estado nas ações de saúde tem tomado palco de uma grande discursão entre a doutrina, jurisprudência e até mesmo no senário do STF, pelo fato que o direito a saúde é uma garantia Constitucional, porém, na seara daquilo que se convencionou constituir “reserva do possível”, quando confronta à possibilidade financeira do Estado, consolida a liberdade de recursos materiais para consumação de eventual de condenação do Poder Público na prestação de assistência farmacêutico, medicamentos órfãos ou tratamentos terapêuticos. Duciran Van Marsen Farena assevera, que:

“As alegações de negativa de efetivação de um direito social com base no argumento da reserva do possível devem ser sempre analisadas com desconfiança. Não basta simplesmente alegar que não há possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial; é preciso demonstrá-la. O que não se pode a evocação da reserva do possível converta-se “em verdadeira razão de Estado econômica, num AI-5 econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra tufo o que a Carta consagrada em matéria de direitos sociais” (FARENA, 1997, p 12)

Diante o exposto, salientar-se que o Poder Judiciário tem recebido várias críticas no decorre dos tempos por parte do Poder Público em geral, pelo fato que todos os órgãos que compõem a estrutura do Poder Pública são dotados de competências, porém, importar destacar que o direito a saúde, comporta-se como um direito hibrido, ou seja, a saúde e um direito público subjetivo e fundamental para a manutenção da vida do ser humano. Desta forma, quando o direito a saúde for lecionado, terá que ser apreciado pelo Poder Judiciário, de modo que o direito a saúde é pertencente ao direito fundamental. Assim, o Poder Judiciário terá que garantir de forma plena os direitos fundamentais do homem (SCHWARTZ, 2001, p. 163).

Salientou o ínclito jurista e ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal: “Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196) ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ética jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e saúde humanas”.

Em outro giro, uma temática até então nova analisada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n. 195.192/RS26, no ano 2000, foi apreciado um mandado de segurança na instância a quo. Cuidava-se de um direito pleiteado por um infante, portador de rara enfermidade metabólica diagnosticada como fenilcetonuria, para que seja fornecido pelo Estado do Rio Grande do Sul, medicamento esse que deveria ser importado dos Estados Unidos. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul havia concedido à segurança, entendo que havia tal direito. Destaca-se que a Fazenda Pública Estadual do referente estado, alegou a inaplicabilidade do artigo 196 da CRFB/1988, que teria natureza programática. Dessa forma, o recurso não chegou a ser conhecido pelo STF, no entanto o egrégio jurista e ministro Marco Aurélio, relator feito, entreteceu considerações cruciais sobre a matéria pleiteada:

“No caso, restou constatada enfermidade rara e que alcança cerca de vinte crianças em todo o Estado do Rio Grande do Sul com sérios riscos para a saúde e desenvolvimento das mesmas. O Estado deve assumir as funções que lhe são próprias, sendo certo, ainda, que problemas orçamentários não podem obstaculizar o implemento do que previsto constitucionalmente.” STF, RE 195192/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 22/02/2000; DJ 31/03/2000, p. 60.

Ressalta-se que neste caso o STF não fala no “mínimo existencial” ou “reserva do possível”, porem destaco o entendimento de que o “problemas orçamentários não podem obstaculizar o implemento do que previsto constitucionalmente”. O STF tem se posicionado com muita clareza a respeito do direito a saúde, as seguir são demonstradas alguns parecer dos atuais ministros da Suprema Corte:

“Direito à saúde. Portador de doença grave. Determinação para que o Estado forneça fraldas descartáveis. Possibilidade. Caracterização da necessidade. (…) O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a administração pública adote medidas concretas, assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, como é o caso da saúde. A Corte de origem consignou ser necessária a aquisição das fraldas descartáveis, em razão da condição de saúde do agravado e da impossibilidade de seu representante legal de fazê-lo às suas expensas”. [RE 668.722 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 27-8-2013, 1ª T, DJE de 25-10-2013.] Vide RE 271.286 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 12-9-2000, 2ª T, DJ de 24-11-2000.

No entendimento do relator ministro Celso de Mello, o qual se posicionou com afinco a respeito do direito à saúde, sobre os portadores de doenças graves que necessitam de uso diário de fraldas descartáveis, alegando que o Poder Judiciário em situações excepcionais pode determinar que a administração pública cria-se medidas concretas para atender as necessidades de tais demandas que está elencada dentro âmbito da saúde. Imperioso abordar o entendimento do ministro relator Ricardo Lewandowski, diz que:

“O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à administração estadual (…) ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções.” [ADI 3.430, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 12-8-2009, P, DJE de 23-10-2009.]

Por fim, mediante essa afirmação que se encontra em consonância com a Lei Maior, destaca-se a obviedade, ou seja, que o direito à saúde deve ser promovido pelo Estado por suas politicas sociais, o qual deverá dar manutenção e atendimento continuo a sociedade, não podendo em nenhum momento se eximir de sua obrigação. Assim, o principio da reserva do possível não será alegações suficientes por parte da administração pública, deixando de cumprir com suas obrigações, tendo em vista, que tal direito tem amparo constitucional e pertence ao principio da dignidade da pessoa humana, uma vez lecionado poderá ser apreciado até na Suprema Corte. 

5 CONCLUSÃO

O principio da reserva do possível agregou-se no direito brasileiro através do direito constitucional comparado, tendo seu limite estipulado por meio do direito financeiro. Assim, para o Estado custear determinados direitos que faz parte de sua seara obrigacional, terá que ser embasado em tal princípio, pelo fato que norteara as aplicações das verbas públicas. Importa destacar que nos últimos tempos, a administração pública tem utilizado da reserva do possível de forma errônea para eximir de suas obrigações, dando significado diferente quando surgiu na Alemanha em 1970.

Com fulcro na Marga Carta de 1988, ficou evidente que o direito à saúde faz parte dos direitos fundamentais e sociais que deverá ser promovido pelo Estado, dessa forma, não cabe à administração pública quando se deparar com matérias referentes à saúde alegar “reserva do possível”, de modo que o direito a saúde está atrelado ao principio da dignidade da pessoa humana, e garantido por via constitucional o “mínimo existencial” para sobrevivência humana.

De fato, cabe salientar que o Instituto da Reserva do Possível tem-se agregado de forma favorável para ordenamento jurídico brasileiro, de tal modo que nesse momento de crise financeira, tem-se influenciado para a manutenção do equilíbrio da economia em nosso país. Assim, a Administração Pública que é responsável diretamente e indiretamente para administrar e gerir o nosso Estado, utiliza-se desse deste instituto para se guiar no meio de caos financeiro.

 

Referências
BALTAR NETO, Fernando; TORRES, Ronny Charles Lopes de. Direito Administrativo. 2 ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2012.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 13 abr. 2017.
________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em: 30 jul. 2017.
FARENA, Duciran Van Marsen. A saúde na Constituição Federal. In: Boletim do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, n. 4, 1997.
FONTE, Felipe de Melo. Políticas Públicas e direitas fundamentais: elementos de fundamentação do controle jurisdicional de políticas públicas no estado democrático de direito. São Paulo: Saraiva, 2013.
GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
JACOB, Cesar Augusto Alckmin. A “reserva do possível”: obrigação de previsão orçamentária e de aplicação da verba. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. WATANABE, Kazuo. O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: os (des) caminhos de um Direito Constitucional “comparado”. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: RT, 2006.
SARLET, Ingo Wolfgang. TIMM, Luciano Bennete. Direitos Fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
SCHWARTZ, Germano André Doederlein. Direito à Saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
SILVA, Leny Pereira. Direito à saúde e o princípio da reserva do possível. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/DIREITO_A_SAUDE_por_Leny.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2017.
 
Nota
[1] Artigo vinculado ao Projeto de Iniciação Científica “Hipertrofia do Poder Judiciário e Judicialização do Direito à Saúde: desafios para a concreção dos direitos fundamentais programáticos”.


Informações Sobre os Autores

Cassiano Silva Araújo

Acadêmico de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo IESES Unidade Cachoeiro de Itapemirim

Hebner Peres Soares

Acadêmico de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo IESES Unidade Cachoeiro de Itapemirim

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES


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