Responsabilidade civil objetiva do estado

Resumo: A Responsabilidade Civil Objetiva do Estado é uma matéria complexa que fundamenta o Risco Administrativo como teoria adotada em nosso ordenamento para consagrar a responsabilidade objetiva da Administração Pública pelo risco criado pela atividade administrativa.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil Objetiva do Estado. Teoria do Risco Administrativo. Elementos. Condutas Comissivas e Omissivas. Responsabilidade do Agente.

Abstract: The Civil Responsibility of the State is a complex matter that bases the Administrative Risk as the theory adopted in our order to establish the objective responsibility of the Public Administration for the risk created by the administrative activity.

Keywords: Civil Responsibility Objective of the State. Theory of Administrative Risk. Elements. Commissive and Omissive Conduct. Responsability of the Agent.

Sumário: 1.Introdução. 2. Fundamentação. 3. Conclusão. 4.Referências.

1. Introdução

Não obstante ao fato de a Responsabilidade no âmbito cível ser em regra Subjetiva, conforme o disposto no artigo 186 do CC/02, onde todos respondem subjetivamente pelos danos causados à outrem e ainda, ao fato de a mesma Responsabilidade surgir excepcionalmente nos casos de omissão genérica do Estado, quando o dano não for causado pela atividade estatal em si, nem pelos seus agentes mas, por fenômenos da natureza (quando o Estado poderia concorrer para evitar o resultado e queda-se inerte), certo é que a Responsabilidade Civil do Estado será Objetiva e, assim o é desde a Constituição de 1946.

2. Fundamentação.

 Atualmente este tema encontra-se codificado no artigo 37 § 6º da CF/88. “in verbis”:

“Art.37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” (g.n)

 Antes de adentrarmos no mérito da Responsabilidade Objetiva propriamente dita, salutar frisar que, no texto legal acima mencionado, quando o Constituinte dispõem sobre administração pública direta e indireta, abrange não somente os entes Políticos (União, Estados, DF e Municípios) mas também suas Autarquias, Fundações Públicas bem como às Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista, desde que estas duas últimas, sejam criadas para a prestação de serviços públicos. Os particulares prestadores destes serviços por delegação, a exemplo de Concessionárias e Permissionárias, também não fugirão a esta regra.

Seguindo ao tema, para Celso Antônio Bandeira de Mello: “o fundamento da Responsabilidade Estatal é garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De consequente, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito”. [1]

À vista disso, a Teoria do Risco Administrativo é a adotada por nosso ordenamento como sendo o fundamento da Responsabilidade da Administração Pública.

 Segundo Sérgio Cavalieri Filho, a Teoria do Risco Administrativo importa em atribuir ao Estado a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa. Essa teoria surge como expressão concreta dos princípios da equidade e da igualdade de ônus e encargos sociais. [2]

 Com efeito, para Matheus Carvalho, em seu Manual de Direito Administrativo: “para que haja a responsabilidade objetiva, nos moldes do texto constitucional, basta que se comprovem três elementos, quais sejam: a conduta de um agente público, o dano causado a terceiro (usuário ou não do serviço) e o nexo de causalidade entre o fato lesivo e o dano. Nota-se que não há a necessidade de comprovação do requisito subjetivo, ou seja, o dolo ou a culpa do agente público causador do dano ou até mesmo a culpa do serviço, pela demonstração de serviço mal prestado como ensejador do dano. Se o agente público comprovar que agiu com diligência, prudência e perícia e que não teve a intenção de causar qualquer espécie de dano, ele estará isento de responsabilidade pessoal perante o Estado, mas não influencia na responsabilidade do ente público.” [3]

 Neste sentido, importante frisar que a condição de agente do Estado deverá contribuir para a existência do liame entre o nexo de causalidade e o dano sofrido. Porém, não necessariamente o agente deverá estar “investido” na sua função para constituir a causa eficiente do evento danoso. Para melhor elucidar, vejamos precedente do Supremo Tribunal Federal sobre o tema onde, em acórdão de relatoria do eminente Ministro Carlos Mario Velloso, no RE 160.401- SP, 2ª Turma, se posiciona a respeito: “Constitucional – Administrativo – Responsabilidade Civil do Estado – Constituição Federal art.37§6º – Agressão praticada por soldado, com a utilização de arma da corporação: incidência da responsabilidade objetiva do Estado mesmo porque, não obstante fora do serviço, foi na condição de policial militar que o soldado foi corrigir as pessoas. O que deve ficar assentado é que o preceito inscrito no art. 37 §6º, da Constituição Federal não exige que o agente público tenha agido no exercício das suas funções, mas na qualidade de agente público”. (RTJ 170/631).

 Noutro giro, observa-se ainda que o dispositivo constitucional ora estudado, não elenca a Responsabilidade apenas comissiva, notório que o codificado abarca também, as condutas omissivas específicas que são as ocasionadas quando o Estado está como garantidor ou guardião do direito e teria nestes casos, um dever específico; à exemplo disso, pode-se mencionar a morte de detento em rebelião de presídios; o suicídio cometido por paciente internado em hospital público, quando o hospital sabe desta pré-disposição do paciente; acidente com aluno nas dependências de escola pública, quando ocasionado por má estrutura do bem público; dentre outras.

 Vejamos precedente da Suprema Corte neste sentido: “como se sabe, a teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros, desde a Carta Política de 1.946, revela-se fundamento de ordem doutrinária subjacente à norma de direito positivo que instituiu, em nosso sistema jurídico, a responsabilidade civil objetiva do Poder Público, pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, por ação ou por omissão (CF, art. 37, §6º). Essa concepção teórica – que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, tanto no que se refere à ação quanto no que concerne à omissão do agente público – faz emergir, da mera ocorrência de lesão causada à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la…, não importando que se trate de comportamento positivo (ação) ou que se cuide de conduta negativa (omissão) daqueles investidos da representação do Estado”… (AI 299.125/SP, Relator Ministro Celso de Mello). Frisa-se que este julgado fundamenta-se na omissão específica do Estado e não na genérica tratada no início do texto.

 Ainda de acordo com o disposto no art. 37 §6º da CF/88, claro e incontroverso que, apesar de ser Objetiva a Responsabilidade do Estado, seu agente responderá em ação de regresso, de forma Subjetiva pelo dano causado. Ou seja, neste caso, há que se demonstrar e analisar o dolo ou a culpa do agente.

 Questiona-se se há a possibilidade da propositura de ação “per saltum” da pessoa natural do agente. Comungo do mesmo entendimento que o Supremo Tribunal Federal ao entender não ser possível tal procedimento. Vejamos o julgado:

“Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: §6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O §6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (RE 327904/SP –SÃO PAULO. Julgamento: 15/08/2006. Órgão Julgador: Primeira Turma).

 Para Matheus Carvalho, esse entendimento do Pretório Excelso, tem fulcro no princípio da Impessoalidade. Consagra o Autor: “… um dos enfoques deste princípio define que não há qualquer relação entre o agente público e o particular prejudicado, haja vista o fato de que quando o agente causou o prejuízo, não o fez na condição de particular, o fez em nome do Estado. Em outras palavras, a conduta do agente público não deve ser imputada à pessoa do agente, mas sim ao Estado que está atuando por meio dele. Essa faceta do princípio da impessoalidade nada mais é do que a aplicação da teoria do órgão, ou teoria da imputação volitiva.” [4]

 Do desfecho de ser cabível ou não a ação “per saltum”, surge ainda a discussão de ser ou não possível a denunciação à Lide ao agente público, posto que o artigo 125 do NCPC autoriza tal possibilidade. A doutrina majoritária entende que não, posto que tal instituto ampliaria subjetivamente o mérito da ação ocasionando prejuízo a celeridade do processo.

 Percebe-se que este tema já foi cobrado em provas de concursos públicos. A Cespe, em prova realizada em 2015 para o cargo de procurador do TCU, considerou correta a seguinte assertiva: “em ações de indenização fundadas na responsabilidade objetiva do Estado, não é obrigatória a denunciação à lide de empresa contratada pela administração para prestar serviço de conservação de rodovias, ainda que o dano tenha sido causado em decorrência de má conservação da via.” Ainda sobre o tema, a mesma banca, em prova para Juiz Substituto do DF/2016 considerou como correta a assertiva: “o servidor público responderá por atos dolosos e culposos que causarem danos ao administrado, essa responsabilidade será apurada regressivamente em litígio que envolva o servidor e o ente público ao qual está vinculado, em caso de obrigação do Estado de ressarcir o dano causado ao lesado.

 Já, o TRF5 em prova para Juiz Federal Substituto 5ª Região em 2015, ao questionar acerca da Responsabilidade Civil do Estado, considerou como correta a seguinte assertiva: “A responsabilidade das concessionárias e permissionárias de serviços públicos será objetiva, independentemente de a vítima ser usuário ou terceiro.”

3. Conclusão.

 Do exposto, conclui-se que o Estado responderá de forma objetiva pelos danos causados aos administrados, vez que nosso ordenamento prima pela Teria do Risco Administrativo e, desta feita, a Administração Pública deve ser responsabilizada pelo risco criado pela sua atividade administrativa.

 

Notas
[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo, 15ª ed, Malheiros Editores, p. 866.
[2] CAVALIERI FILHO, Sérgio, site http://www.emerj.tjrj.jus.br, Anotações da palestra conferida pelo Desembargador Sergio Cavalieri Filho, na EMERJ, em 30/03/2012.
[3] CARVALHO, Matheus, Manual de Direito Administrativo, 4ª ed, Editora JusPodivm, 2017, p.340.
[4] CARVALHO, Matheus, Manual de Direito Administrativo, 4ª ed, Editora JusPodivm, 2017, p.353.

Informações Sobre o Autor

Raquel de Bastos Rezende Ribeiro Freire

Advogada. Pós-Graduada em Direito Processual pela PUC-MG


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