O critério objetivo na Lei de Drogas

Resumo: A Lei de Drogas promulgada em 2006 traz em seu bojo uma esteira de aplicação diferenciadora para traficantes e usuários, sendo que, para tanto, elenca critérios objetivos e subjetivos que devem ser analisados para o correto enquadramento legal, tipificação. Os critérios objetivos referentes à quantidade e natureza dos entorpecentes apreendidos em ações policiais acabam por ter grande relevância no processo de investigação, pois integram a complexa marcha de apuração de crimes desta estirpe. Neste pé, o presente artigo vislumbra percorrer o tema sob o enfoque do trabalho da polícia judiciária e seus reflexos, contemplando as bases lógicas e técnicas disponíveis para a atuação técnico-jurídica.

Palavras-chave: Lei de drogas; narcotráfico; investigação policial.

Abstract: The Drug Law promulgated in 2006 brings in its wake a differentiating application for traffickers and users, and for that, it lays down criteria that must be analyzed for the correct legal framework, typing. The objective criteria regarding the quantity and nature of the drugs seized in police actions end up having great relevance in the investigation process, since it is part of the complex process of investigating crimes of this kind. At this point, the present article aims to go through the theme under the focus of the work of the judicial police and its reflexes, the logical and technical bases available for the technical-legal action.

Keywords: Drug law; drug trafficking; police investigation.

Sumário: 1. A Lei de Drogas. 2. O critério da natureza e quantidade da droga. 3. Digressões jurisprudenciais. Conclusão. Referências.

1 A LEI DE DROGAS

Em 23 de agosto de 2006 foi promulgada a Lei de número 11.343, conhecida como Lei de Drogas, estabelecendo novo regramento para as questões das drogas no país, sendo que instituiu o SISNAD (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas), instituiu medidas de prevenção e reinserção social de usuários, bem como parâmetros de repressão com a definição dos crimes desta estirpe.

Nesta legislação houve uma nítida separação do tratamento pelo Estado entre as duas figuras simbióticas que alimentam todo o sistema escuso do comércio ilegal de drogas, tais sejam: usuário e traficante.

“No âmbito criminal, as principais inovações foram o tratamento diferenciado em relação ao usuário, a tipificação de crime específico para a cessão de pequena quantia de droga para consumo conjunto, o agravamento da pena do tráfico, a criação da figura do tráfico privilegiado, a tipificação do crime de financiamento do tráfico, bem como a regulamentação de novo rito processual. ” (GONÇALVES; JUNIOR; 2016, p. 79)

A Lei de Drogas previu duas espécies delitivas de teores semelhantes, mas que dão a linha tênue de divisão entre usuários e traficantes, tendo em relação aos primeiros, condutas tipificadas no artigo 28, e aos segundos, condutas tipificadas no artigo 33. Vejamos o artigo 28:

“Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1o  Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2o  Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

§ 3o  As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.

§ 4o  Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

§ 5o  A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

§ 6o  Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I – admoestação verbal;

II – multa.

§ 7o  O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.” (BRASIL, 2006)

Conforme elencado acima, a punição pelo Estado à conduta do usuário é bem leve em comparação à conduta do traficante, vejamos o tipo penal do artigo 33, o qual dá base de punição para este último:

“Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1o  Nas mesmas penas incorre quem:

I – importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II – semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III – utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

§ 2o  Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: 

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

§ 3o  Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

§ 4o  Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.” (BRASIL, 2006)

Verifica-se uma grande similaridade dos tipos penais, entretanto, a questão crucial de diferença destes crimes se dá no aspecto do consumo pessoal ou não, gerando duas implicações com sanções totalmente diferentes.

Na mesma legislação especial temos a norma que dita a forma pela qual a autoridade de polícia judiciária deverá compor seu relatório, justificando as razões que a levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza das substâncias, ou seja, critérios objetivos, e, ainda, local e condições do desenvolvimento da ação da ação criminosa, circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes, ou seja, critérios subjetivos.

“Art. 52.  Findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a autoridade de polícia judiciária, remetendo os autos do inquérito ao juízo:

I – relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente; ou (…)” (BRASIL, 2006)

Ainda temos na Lei de Drogas a previsão de preponderância da análise da natureza e da quantidade da droga aprendida quando da fixação da pena pelo juiz, conforme norma do artigo 42, vejamos:

“Art. 42.  O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente.” (BRASIL, 2006)

Diante de todo este contexto, passaremos a analisar os critérios da natureza e da quantidade das substâncias que dão materialidade aos crimes da lei de drogas.

2 OS CRITÉRIOS DA NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA

Na análise da natureza das substâncias temos uma combinação denominada drogas psicotrópicas, que por sua vez se dividem em três grupos. O primeiro grupo é identificado como drogas psicotrópicas depressoras da atividade do Sistema Nervoso Central, sendo estas aquelas capazes de diminuir a atividade de nosso cérebro, “deprimem seu funcionamento, o que significa dizer que a pessoa que faz uso desse tipo de droga fica ‘desligada’, ‘devagar’, desinteressada pelas coisas” (CEBRID, 2014, p. 7). O segundo grupo é identificado como drogas psicotrópicas estimulantes da atividade do Sistema Nervoso Central, sendo aquelas capazes de aumentar a atividade do nosso cérebro, “estimulam o funcionamento fazendo com que o usuário fique ‘ligado’, ‘elétrico’, sem sono” (CEBRID, 2014, p. 7). Por fim, o terceiro, identificado pelas drogas psicotrópicas perturbadoras da atividade do Sistema Nervoso Central, sendo aquelas ligadas não a quantidade de percepção, mas à qualidade, “o cérebro passa a funcionar fora de seu normal, e a pessoa fica com a mente perturbada” (CEBRID, 2014, p. 8).

No grupo das drogas psicotrópicas depressoras da atividade do Sistema Nervoso Central temos como exemplos: a heroína, a morfina, o ópio, os ansiolíticos, inalantes, solventes e outras. No grupo das drogas psicotrópicas estimulantes da atividade do Sistema Nervoso Central, temos como exemplos: a anfetamina, a cocaína, o crack e outras. No grupo das drogas psicotrópicas perturbadoras do Sistema Nervoso Central temos como exemplos: a maconha, o LSD, o haxixe, o Skank, e outras.

As drogas ilegais são inúmeras, dada a indicação legal de que são consideradas drogas para efeito de aplicação da Lei 11.343/06 todas as substâncias elencadas nas listas da Portaria n. 344 da ANVISA, sendo que esta portaria relaciona algumas centenas de substâncias.

Iremos categorizar adiante dados sobre algumas substâncias, tais sejam, a maconha, cocaína e o crack, tendo em vista serem as substâncias que mais são apreendidas no cenário policial e jurídico brasileiro, correspondendo a 97,86% das apreensões do nosso país.

2.1 MACONHA

A maconha é o nome dado aqui no Brasil à planta chamada cientificamente de Cannabis sativa. Também é conhecida como marijuana e diamba em outros países latinos, e pelas gírias bagulho e chá aqui no Brasil. Conforme informações divulgadas pelo Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas (CEBRID, 2014) a maconha contém THC (tetraidrocanabinol), sendo substância responsável pelos efeitos do uso da maconha, vez que a planta pode ter maior ou menor nível do THC, os quais variam em razão do solo de plantio, pelo clima, estação do ano, tempo da colheita, etc. O uso da maconha causa efeitos físicos como olhos avermelhados, boca seca, taquicardia, e em caso de uso crônico, já que também tem a presença de alcatrão, substância cancerígena, pode aumentar a possibilidade de câncer de pulmão. O uso também causa efeitos psíquicos como sensação de bem-estar, relaxamento, hilaridade, podendo também gerar angústia, tremores, sudorese e outros.

O uso maconha é realizado em maior incidência na forma de cigarros artesanais, ou cachimbos. Após estudos realizados pela SETEC/SR/DPF no Rio Grande do Sul, onde diversos cigarros de maconha apreendidos em operações policiais foram pesados e classificados, obteve-se que, em média, um cigarro contém massa de 0,5 a 1,5 gramas, equivalente de um a cinco cigarros. (2013)

As barras de maconha comumente apreendidas em operações policias, onde a maconha está embalada e prensada, tem massa aproximada de um quilo cada, o que nos permite operar a divisão simbólica desta em cigarros. Assim, teríamos a cada barra apreendida a quantia de 666 unidades a 2.000 unidades de cigarros artesanais. 

No intuito de estabelecer informações sobre a capacidade de uso diário, ou seja, a habitualidade de uso por um dependente, foram realizadas pesquisas para responder qual a massa bruta de maconha normalmente utilizada por um usuário de maconha em um dia, referendando uma porção/dia.

Assim, obteve-se a orientação dada pela Secretaria Nacional de Políticas e Drogas, que remeteu para o Congresso Nacional informações balizares para projeto de lei em tramitação naquelas casas, dando como critério de uso diário a quantidade de 2,5 gramas de maconha. (2014). Assim, se novamente pegarmos em suposição uma barra com massa de um quilo de maconha, teríamos em divisão a quantia de 400 dias/uso.

Nos países onde há a especificação legal de quantidade de drogas apreendidas para a tipificação e divisão entre usuários e traficantes, vislumbra-se um critério de mensuração em dias, ou seja, um subcritério, onde, após definir uma quantidade plausível para uso diário, estabelece-se uma aceitação de quantidade de dias uso. Neste sentido, o usuário, para ser assim definido, poderia portar até o limite de 3 dias uso, ou 4 dias uso, etc., e, assim, quando acima deste valor, teríamos a conduta presumida do tráfico, dada a quantidade superior.

Em comparação com legislações de outros países, no espeque acima delineado, apresentamos referências de quantidades de maconha previstas como compatíveis com o uso (usuário): Alemanha 30 gramas; Bélgica 3 gramas; Colômbia 20 gramas; Holanda 5 gramas; Paraguai 10 gramas. (GOMES, 2014, p. 11).

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar de número 37/2013, o qual detém como proa a indicação de 5 dias uso como tolerância para caracterizar o usuário. Neste passo, se calcularmos a quantidade de 2,5 gramas de uso diário para um usuário de maconha, teremos a quantidade de 12,5 gramas para o entendimento de que esse montante é compatível com o uso por 5 dias.

2.2 COCAÍNA

A cocaína assim é definida pelo CEBRID:

“A cocaína é uma substância natural extraída das folhas de uma planta encontrada exclusivamente na América do Sul, a Erythroxylon coca, conhecida como coca ou epadu, este último nome dado pelos índios brasileiros. A cocaína pode chegar até o consumidor sob a forma de um sal, o cloridrato de cocaína, o “pó”, “farinha”, “neve” ou “branquinha”, que é solúvel em água e serve para ser aspirado (“cafungado”) ou dissolvido em água para uso intravenoso (“pelos canos”, “baque”). ” (CEBRID, 2014)

A planta da coca é muito usada em certos países da América do Sul, como Peru e Bolívia, sendo em ambos permitido por lei, fazendo parte da cultura. As folhas são mascadas ou usadas sob a forma de chá, inclusive servidos para hóspedes em hotéis, entretanto, usadas desta forma, poucos são os efeitos dessa substância.

O uso da cocaína é realizado em maior incidência por aspiração, nas quais o usuário se vale de um plano onde espalha o pó em forma de carreira e, valendo-se de um tubo/cone, muitas vezes notas de dinheiro enroladas, aspiram com as narinas a porção/pó.

No intuito de estabelecer informações sobre a capacidade de uso diário, ou seja, a habitualidade de uso por um dependente, foram realizadas novas pesquisas para responder qual a massa bruta de cocaína normalmente utilizada por um usuário viciado em um dia, referendando uma porção/dia.

Em pesquisa realizada na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba no Estado do Paraná (NASSIF FILHO, 1999), houve a constatação mediante questionários de que os usuários lá internados, viciados em cocaína, utilizavam diariamente cerca de 3,8 gramas. Entretanto, tratavam-se de pacientes que se encontravam internados para o fim específico de deixarem o abuso do uso de drogas.

Ainda, obteve-se a orientação dada pela Secretaria Nacional de Políticas e Drogas, que remeteu para o congresso informações balizares para projeto de lei em tramitação naquelas casas, dando como critério de uso diário a quantidade de 0,2 gramas de cocaína. (2014).

Novamente na análise de legislações de países onde há a especificação legal de quantidade de drogas apreendidas, vislumbra-se o mesmo critério de mensuração em dias, ou seja, um subcritério, onde, após definir uma quantidade plausível para uso diário, estabelece-se uma aceitação de quantidade de dias uso aceitável. Neste sentido, o usuário, para ser assim definido, poderia portar até o limite de 3 dias uso, ou 4 dias uso, etc., e, assim, quando acima deste valor, teríamos a conduta presumida do tráfico, dada a quantidade superior, conforme descrito no tópico referente à maconha.

Em comparação com legislações de outros países, no espeque acima delineado, apresentamos quantidades de cocaína previstas nas legislações que são compatíveis com o uso (usuário): Colômbia 1 grama; Paraguai 2 gramas; Venezuela 2 gramas; Peru 5 gramas. (GOMES, 2014, p. 11).

Conforme já delineado, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar de número 37/2013, o qual detém como proa a indicação de 5 dias uso, para tolerância. Neste passo, se calcularmos a quantidade de 0,2 gramas de uso diário para um usuário de cocaína, teremos a quantidade de 1 grama para o entendimento de que esse montante é compatível com o uso por 5 dias.

2.3 CRACK

O crack (CEBRID, 2014) é a cocaína solidificada em cristais, obtendo este nome em razão do som realizado quando do uso das pedras e seu aquecimento com fogo. Assim que o crack é fumado alcança o pulmão e é intensivamente vascularizado, chegando ao cérebro. Em 10 a 15 segundos, os primeiros efeitos já ocorrem, enquanto os efeitos de cheirar o “pó” (cocaína) surgem após 10 a 15 minutos. Esse aspecto elencado faz do crack uma droga muito forte, de rápida ação. Entretanto, a duração também é rápida, cerca de 5 minutos, enquanto na cocaína tem-se os efeitos de 20 a 45 minutos. Daí a necessidade do usuário de crack fazer uso repetido, criando a dependência muito mais rápido.

O crack passou a ser um grande problema social nas cidades brasileiras, visto a total submissão do usuário desta droga ao seu vício, abandonando qualquer papel social que outrora o viciado desempenhava. Em metrópoles é comum haver áreas de concentração de usuários, denominando as chamadas “cracolândias”, onde corpos esqueléticos e sujos se esgueiram pelos logradouros públicos e usam ao ar livre a referida droga. Os usuários valem-se normalmente de  cachimbos artesanais, bem como latas, onde ateiam fogo sobre a pedra e puxam a fumaça gerada através da sucção, consumindo por via oral.

Também sob o pretexto de estabelecer informações sobre a capacidade de uso diário, ou seja, a habitualidade de uso por um dependente químico do crack, foram realizadas pesquisas, como nos exemplos anteriores apontados, para responder qual a massa bruta de crack normalmente utilizada por um usuário viciado em um dia, referendando uma porção/dia.

A Fundação Oswaldo Cruz em parceria com a SENAD/MJ em uma pesquisa nacional do uso de crack, estabeleceu a média de uso diário de cocaína, na forma de crack, sendo de “11 a 16 pedras” (FIOCRUZ, 2014, p. 60). Em complementação temos a Informação Técnica n. 023/2013 SETEC/SR/DPF/RS, a qual constou que cada pedra de crack pode variar de 0,1 a 1,5 gramas de massa/peso, tendo em média 0,3 gramas.

Em pesquisa realizada na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba no Estado do Paraná (NASSIF FILHO, 1999), houve a constatação mediante questionários de que os usuários lá internados, viciados em crack, utilizavam diariamente cerca de 5,2 gramas. Entretanto, tratavam-se de pacientes que se encontravam internados para o fim específico de deixarem o abuso do uso de drogas.

Tendo em vista o fato de que o crack ser uma variação da cocaína, as quantidades de referência se aproximam a da cocaína, entretanto, não se tem a possibilidade de deter mais do que a quantidade de um dia uso, dado o poder destruidor desta droga.

3 DIGRESSÕES JURISPRUDENCIAIS

Desde 2006, ano do implemento da Lei 11343, diversas situações fáticas foram levadas ao crivo judicial, criando uma infinidade de decisões que, mediante um processo judicial, obtiveram a análise jurisprudencial do requisito objetivo.

Após verificar estas decisões, valendo-se de um procedimento metodológico, foram encetadas pesquisas isoladas de apreensões em casos concretos, somente para se ter um norte. As pesquisas ocorreram nos Estados do Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Bahia, nos Tribunais de Justiça dos respectivos entes federados.

No Estado do Paraná obteve-se 1 grama para crack e 15 gramas para maconha. No Estado de Santa Catarina obteve-se 2 gramas para crack. No Estado de São Paulo obteve-se 8,5 gramas para crack. No Estado de Mato Grosso do Sul obteve-se 6,2 gramas para cocaína e 20 gramas para maconha. No Estado da Bahia obteve-se 2,6 gramas para crack e 1,65 gramas para cocaína. (GOMES, 2014, p. 13)

Obviamente que não se trata de uma média, nem de uma pesquisa em larga escala, entretanto, são referências a casos pontuais analisados por desembargadores em seus respectivos tribunais.

CONCLUSÃO

Diante de todo exposto, verifica-se que obtivemos o incremento em nosso ordenamento jurídico da Lei n. 12.830 de 2013, que assim consignou, vejamos:

“Art. 2o  As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. 

§ 1o  Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

 § 2o  Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.

 § 3o  (VETADO).

 § 4o  O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.

 § 5o  A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.

 § 6o  O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.” (grifo nosso) (BRASIL, 2013).

Observa-se que a condução investigativa para apurar a materialidade delitiva e a autoria de infrações penais e suas circunstâncias é atividade do Delegado de Polícia, autoridade policial constituída em lei para este mister. Mais adiante também se observa que o indiciamento se trata de ato privativo do Delegado de Polícia, e que este ato deve se dar de forma fundamentada pelo meio da análise técnico-jurídica do fato.

O Delegado de Polícia deve realizar a análise técnico-jurídica de um fato, sendo que ao observar um fato criminoso, deve proceder a raciocínios lógicos e técnicos próprios do trabalho policial, entretanto, também deve esquematizar os contornos jurídicos do mesmo fato. Trata-se de uma relação simbiótica em que a tecnicidade e a juridicidade se complementam e se nutrem para sintetizar a análise da autoridade policial.

Pois bem, valendo-se do acima exposto, os parâmetros indicados nas pesquisas colacionadas neste artigo acabam por fomentar elementos técnicos que não se tratam de regras instituídas, mas servem de base para a fundamentação exigida por lei quando do indiciamento por crimes da Lei de Drogas.

É sabido que a realidade policial brasileira se apregoa com unidades de plantão onde o volume de ocorrências policiais se acumulam em larga escala, obrigando a autoridade policial a trabalhar em ultra velocidade, sendo necessário ter alguns elementos de fácil alcance para delimitar suas ordens e determinações. No tocante ao nacionais levados à presença da autoridade policial em posse de drogas, temos no presente elementos para a análise dos requisitos objetivos.

 

Referências
A.C.N. Nassif Filho, S.G. Bettega, S. Lunedo, J. E. Maestri, F. Gortz. Repercussões otorrinolaringológicas do abuso de cocaína e/ou crack em dependentes de drogas. Curitiba: Revista da Associação Médica Brasileira, 1999
BRASIL. Lei 11343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em: 28 set. 2017.
BRASIL. Lei 12.830 de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12830.htm>. Acesso em: 03 out. 2017.
CEBRID. Livreto Informativo Sobre Drogas Psicotrópicas. Out. de 2014. Disponível em: < http://www.cebrid.com.br/livreto-informativo-sobre-drogas/>. Acesso em: 25 jul. 2017.
DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL. Informação técnica n. 023/2013. Porto Alegre: Setor Técnico Científico da Superintendência Regional da Polícia Federal no Estado do Rio Grande do Sul (SETEC/SR/DPF/RS), 2013.
GOMES, Maria Tereza Uille. Estudo técnico para sistematização de dados sobre informações do requisito objetivo da Lei 11.343/2006. Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Curitiba, 2014. Disponível em <www.politicassobredrogas.pr.gov.br>. Acesso em: 30 set. 2017.
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde e Fundação Oswaldo Cruz. Pesquisa Nacional sobre o Uso de Crack. Rio de Janeiro: ICICT/FIOCRUZ, 2014.
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios; JUNIOR, José Paulo Baltazar; coordenador Pedro Lenza. Legislação Penal Especial. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Ofício 90/2014 – GAB/SENAD/MJ. Brasília: Secretaria Nacional de Políticas e Drogas (SENAD), 2014.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria 344, de 12 maio de 1998. Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/hotsite/talidomida/legis/Portaria_344_98.pdf. Acesso em: 26 jul. 2017.

Informações Sobre o Autor

Breno Eduardo Campos Alves

Delegado de Polícia Civil do Estado de Tocantins; Pós-Graduado em Ciências Criminais. Pós-Graduado em Direito da Administração Pública


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