Responsabilidade civil médica e a teoria da perda de uma chance

Resumo: O presente trabalho busca examinar e discutir a respeito da responsabilidade médica com base na Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance, que se iniciou na França, mas com o decurso do tempo foi sendo recepcionada em diversos ordenamentos jurídicos, alcançando vários campos da responsabilidade civil como espécie de dano passível de indenização, utilizando-se de critérios que envolvem chances sérias e reais para concretização de um benefício, mais especificamente a chance de cura do paciente. Foi utilizado o método hipotético dedutivo baseado na análise de dados e de situações hipotéticas e, também, o espírito crítico diante de fenômenos e circunstâncias à vista da conduta moral. Diante de uma situação de erro médico, com o intuito de alcançar meios adequados para estabelecer a responsabilidade dos profissionais de medicina e a devida indenização à vítima em virtude da lesão sofrida, houve a necessidade de estabelecer uma indenização não apenas de caráter material ou estético, mas também a questão moral, considerada de suma importância. Buscar-se-á demonstrar que um erro médico poderá causar danos irreversíveis e incalculáveis ao paciente. Será analisado o posicionamento doutrinário e jurisprudencial, a natureza jurídica da chance perdida e sua importância para a sociedade, assim como seu método de indenização.

Palavras-chave: Médico, Chance, Cura, Responsabilidade

Abstract: The present paper seeks to examine and discuss medical liability based on the Liability of Chance, which began in France, but over the course of time was received in various legal systems, reaching various fields of civil liability as a kind of harm that can be indemnified, using criteria that involve serious and real chances for the realization of a benefit, specifically the chance of cure for the patient. The hypothetical deductive method was used based on the analysis of data and hypothetical situations, as well as the critical spirit in the face of phenomena and circumstances in the light of moral conduct. Faced with a situation of medical error, in order to reach adequate means to establish the responsibility of medical professionals and due compensation to the victim due to the injury suffered, it was necessary to establish a compensation not only of a material or aesthetic character, but also the moral question, considered of paramount importance. It will be sought to demonstrate that a medical error could cause irreversible and incalculable damage to the patient. It will analyze the doctrinal and jurisprudential positioning, the legal nature of the lost chance and its importance to society, as well as its method of indemnification.

Keywords: Doctor, Chance, Cure, Responsibility

Sumário: Introdução. 1. Responsabilidade. 1.1 Responsabilidade Civil. 1.2 Responsabilidade Civil Médica. 1.3 Responsabilidade Civil dos Hospitais. 2. Provas. 3. A teoria da perda de uma chance. 3.1 Conteúdo econômico da chance. 3.2. Acepção da responsabilidade pela criação de riscos. 3.3. Aplicação da teoria da perda de uma chance. 3.3.1 Chances sérias e reais. 3.3.2 Combinação de eventos aleatórios. 4. Da aplicação da teoria da perda de uma chance. Conclusão. Referências

INTRODUÇÃO

Percebe-se que até os dias atuais, o reconhecimento dos direitos vem crescendo de uma forma significativa, corroborado pela Constituição de 1988 com a busca da efetivação a busca da efetivação de garantias fundamentais, dentre elas o direito à informação, à educação, que com um maior esclarecimento da sociedade, de modo a regular e abrangendo diversas áreas de atuação de profissionais, dentre elas está a medicina, que é uma profissão muito importante para a vida humana.

Infelizmente, casos de erros médicos aumentam cada vez mais, causando danos a seus pacientes e indignações a seus familiares, elevando o número de processos com pedidos de indenizações, as quais enfatizam que grande parte dos médicos, apesar do término da graduação e residência, ainda não estão preparados para exercer a profissão.

Desde o início da sociedade, o homem busca meios para que todo o tipo de males causados à saúde humana venha a ser curado.

A medicina se iniciou como uma ciência na Grécia, com os primeiros relatos e experimentos de Hipócrates, há mais de 2500 anos, porém esta ciência se impulsionou na cidade de Roma, onde muitos médicos se interessaram em se aperfeiçoar no ramo, sendo que muitos deles se mudaram para Roma, a fim de desenvolver seus estudos.

Um grande desafio surgiu na idade média, pois para a religião, o corpo humano era um bem sagrado, não permitindo que fosse violado por qualquer meio para a realização de estudos em seu interior, contudo, no século XV (1401-1500) houve a autorização para realizar as primeiras dissecações, os corpos escolhidos eram de criminosos condenados à morte

Desde o começo da prática da Medicina, os profissionais da área já respondiam pelos erros que viessem a cometer, e sua responsabilidade já estava presente nas primeiras legislações como, por exemplo, o código de Hamurabi (1970-1770 a.c) onde já se demonstrava a responsabilidade e as punições que os profissionais da medicina deveriam arcar, caso cometessem algum tipo de erro em suas intervenções, sendo que a responsabilidade médica permanece até os dias de hoje.

A responsabilidade médica é uma consequência que acarreta ao médico a obrigação de suportar certas falhas que o profissional cometer no exercício da medicina, levando-o a responder tanto na esfera civil como na esfera penal.

Destaca-se que, como em todas as profissões, nem sempre um resultado insatisfatório se apresenta como uma situação de erro, porque há muitos fatores que podem contribuir para um resultado indesejado, uma vez que em diversas situações os hospitais, casas de saúde, clinicas médicas e similares apresentam condições precárias para a realização de um procedimento satisfatório , contudo, mesmo diante dessa situação, pode ocorrer um procedimento médico inadequado e que seus pacientes ou familiares devem ser reparados quando da ocorrência de um evento danoso.

Tais questões serviram de motivação para elaboração desta pesquisa, com o objetivo de apresentar as hipóteses de aplicação da responsabilidade civil aos médicos, analisar o cabimento da teoria da perda de uma chance e os seus parâmetros de configuração, sendo uma pesquisa de suma importância para a sociedade por se tratar de um assunto que envolve os aspectos relacionados à saúde e omissão ou negligência profissional capazes de causar a morte ou prejudicar a qualidade de vida do paciente.

A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance é ostentada em maior parte dos livros da doutrina clássica sobre responsabilidade civil, sendo bastante discutida e utilizada como parâmetros para diversas situações vivenciadas no campo jurídico.

Diante da grande relevância social, mas com seu escasso aprofundamento na doutrina brasileira, será observada a melhor forma de aplicação da responsabilidade civil pela perda de uma chance para a reparação de danos, mas não com o propósito de criar uma ideia ou apresentar conclusões, mas demostrar um meio adequado, uma hipótese, o qual diante de doutrinadores e a realidade no mundo em que vivemos, poder alcançar tal objetivo na tentativa de estabelecer a melhor utilização dessa teoria.

O método utilizado na pesquisa foi o hipotético-dedutivo, visto que a princípio houve a investigação com o levantamento dos dados após sua análise e conclusão, também se utilizou o método apontado sobre a produção do conhecimento científico e a construção do conceito de historicidade, baseado no espírito crítico, analisando rigorosamente circunstâncias e fenômenos, a fim de ver a realidade o mais objetivamente possível, com base em certos elementos metodológicos e de conduta moral. O meio foi a pesquisa bibliográfica e a pesquisa explicativa, utilizando diversas obras de grandes doutrinadores, em especial civilistas de renome nacional e estrangeiro com relação ao tema desenvolvido.

O trabalho estrutura-se em quatro capítulos. No primeiro o enfoque maior está diante da responsabilidade em uma visão global, enfatizado em um conceito histórico, expondo o surgimento da responsabilidade civil e alguns aspectos de sua aplicação de modo superficial. Procurou-se demonstrar com mais profundidade a aplicação da responsabilidade civil em determinados casos e situações com o objetivo diferenciar os diferentes tipos de responsabilidade aplicada à casos específicos.

Aborda ainda os meios de aplicação da responsabilidade civil, especialmente no que diz respeito à atividade médica, apresentando uma visão da sociedade diante do profissional médico, diferentes formas de sua conduta capaz de gerar a responsabilidade e possíveis normas a serem aplicadas ao médico, além de tratar da relação da responsabilidade do ambiente onde o profissional médico realiza sua atividade, ou seja, os hospitais ou semelhantes, especialmente no que diz respeito à responsabilidade do poder público, já que, conforme mencionado anteriormente, nem sempre o médico é responsável por um resultado indesejado em um procedimento, haja vista que o ambiente onde realiza sua atividade pode ser a causa de uma insatisfação devida à condições precárias fornecidas pelo hospital, seja em razão de equipamentos ou as condições de sua higienização.

Como em toda responsabilização, o terceiro capitulo discorre sobre os meios de provas para efeitos de responsabilidade médica e, por fim, o quarto capitulo enfatiza na responsabilidade civil médica com base na teoria da perda de uma chance, de modo a analisar o cabimento de sua aplicação, utilizando-se de métodos hipotéticos e apontamentos discutidos em diversos posicionamentos doutrinários para sua concretização.

1. RESPONSABILIDADE

A responsabilidade nada mais é do que responder por suas ações e pelas consequências de seus atos, devendo agir de forma ética e correta em sociedade, caso contrário, o indivíduo arcará com algumas sanções a seu desfavor.

“A palavra “responsabilidade” origina-se do latim respondere, que encerra a ideia de segurança ou garantia da restituição ou compensação do bem sacrificado. Teria, assim, o significado de recomposição, de obrigação de restituir ou ressarcir” (GONÇALVES,

2012, p.35).

Diante desta situação, o ser humano se viu na necessidade de impor meios para que o indivíduo que desrespeitasse tais regras respondesse por seus atos, situação que fez surgir a Lei das XII Tábuas, mas, antes desta lei, a justiça era realizada por meio de vingança, utilizando-se dela para reparar um dano com a prática de outro, de modo a equiparar um delito a outro, tendo como base na lei de Talião, "olho por olho, dente por dente", mas este meio não se perdurou, pois em Roma surgiu o primeiro sinal da possibilidade de forma justa, por intermédio da Lei das XII Tábuas, para responsabilizar aquele que infringisse alguma regra legal (GONÇALVES, 2012, p.21).

Dessa forma, aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo, e o dever de responsabilização será independentemente de culpa em alguns casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A responsabilidade civil se baseia nos atos ilícitos, estes contrários ao ordenamento jurídico, com a finalidade de indenizar a vítima pelos danos sofridos tanto em danos morais, matérias e físicos, sendo que, com o dano, surge a obrigação de reparar a vítima, além de uma sanção para que o autor cumpra com sua obrigação perante o segurado.

Para Carlos Roberto Gonçalves (2012, p.27), “A responsabilidade civil decorre de uma conduta voluntária violadora de um dever jurídico, isto é, da prática de um ato jurídico, que pode ser lícito ou ilícito‟, ou seja, criando a obrigação de reparar a vítima pelo ocorrido.

Muito se confunde obrigação e responsabilidade civil, o qual obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação e quando esta não ocorre, há o inadimplemento, com isso, surgindo a responsabilidade sobrevindo sempre com uma sanção.

No ordenamento jurídico existem dois tipos de responsabilidade:  civil  e penal.

Conforme Pablo Stolze (2012, p.48), a responsabilidade será penal e civil quando:

“na responsabilidade civil, o agente que comete o ilícito tem a obrigação de reparar o dano patrimonial ou moral causado, buscando restaurar o status quo ante, obrigação esta que, se não for mais possível, é convertida no pagamento de uma indenização (na possibilidade de avaliação pecuniária do dano) ou de uma compensação (na hipótese de não se pode estimar patrimonialmente este dano), enquanto, pela responsabilidade penal ou criminal, deve o agente sofrer a aplicação de uma cominação legal, que pode ser privativa de liberdade (ex.: prisão), restritiva de direitos (ex.: perda da carta de habilitação de motorista) ou mesmo pecuniária (ex.: multa)” (Stolze, 2012, p.48).

É possível distinguir esses dois tipos de responsabilidade, ocorrendo a responsabilidade penal, o agente infringe uma norma de direito público, sendo um  interesse lesado da sociedade, já a responsabilidade civil, o interesse diretamente lesado é o privado, sendo facultado ao lesado pleitear ação de reparação.

Há casos em que as responsabilidades penais e civis serão cometidas no mesmo ato infracional, o qual a responsabilidade civil terá por objetivo a reparação, e a responsabilidade penal visa a punição do agente caudado do dano.

Em relação ao contrato, esse corresponde a um acordo de vontade entre as partes, devendo ser cumprido as obrigações nele imposta, sob pena de responsabilidade de indenizar as perdas e danos, nos termos do art. 389 do Código Civil (BRASIL, 2002).

Quando há o início de um acordo que não foi pactuado em um contrato, estaremos diante de uma relação extracontratual, existindo vínculo jurídico entre a vítima e o causador do dano.

Quando ocorre a prática do ato ilícito, expresso no art. 186 do Código Civil, e houver um dano causado por dolo ou culpa, surgira a responsabilidade de indenizar a vítima, derivada de ilícito extracontratual, também chamada aquiliana.

No que tange a responsabilidade civil contratual, já havia um acordo entre as partes envolvidas, ou seja, já existia norma jurídica contratual que as vinculavam, e o dano decorre justamente pelo descumprimento de obrigação fixada neste contrato.

Pode-se concluir que a culpa contratual é presumida e o ônus da prova passa para o ofensor, diferentemente do que ocorre na culpa extracontratual, que a culpa deve ser provada pela vítima.

1.1 Responsabilidade Civil

Todas as vezes que for passível o ato ou omissão há atribuição de efeitos jurídicos, não se incluindo efeitos no âmbito pessoal, religioso, moral, mas sim jurídico, propriamente jurídico, e assim ocorrerá uma responsabilização jurídica diante do fato ocorrido. Essa responsabilidade jurídica pode-se dar em diversos ramos do direito, inclusive ao mesmo tempo, como nos casos de um acidente de trânsito, onde o condutor ultrapassa um sinal vermelho e atropela um pedestre, sendo-lhe atribuído algumas consequências, quais sejam: administrativa por não respeitar as normas de transito, gerando a aplicação da multa; penal: por ter lesionado o pedestre; e a responsabilidade civil, quando será exigível a verba patrimonial, devendo o condutor do veículo indenizar e reparar o pedestre lesionado, como o pagamento da indenização pela perda laboral de realizar suas atividades em decorrência do atropelamento. (GONÇALVES, 2012, p.35).

Desse modo, a responsabilidade civil se baseia nos atos ilícitos contrários ao ordenamento jurídico, possuindo a finalidade de indenizar a vítima pelos danos sofridos, sejam eles danos morais, matérias e físicos, sendo que com o dano surge a obrigação de reparar a vítima, uma sanção para que o autor cumpra com sua obrigação perante o segurado.

Para Carlos Roberto Gonçalves (2002, p.36)

“A responsabilidade civil decorre de uma conduta voluntária violadora de um dever jurídico, isto é, da prática de um ato jurídico, que pode ser lícito ou ilícito‟‟, ou seja, criando a obrigação de reparar a vítima pelo ocorrido”

Como já mencionado anteriormente, há muita confusão entre a terminologia obrigação e responsabilidade civil, sendo que a obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação e quando esta não ocorre, há o inadimplemento, com isso, surgindo a responsabilidade, sobrevindo sempre com uma sanção (GONÇALVES, 2012, p.18).

A responsabilidade civil pode ser exposta pela sua forma subjetiva ou objetiva, cuja a diferença entre elas diz respeito a comprovação ou não da culpa (IDEM, p.40).

Na responsabilidade civil subjetiva haverá a necessidade de estar presente quatro elementos, sendo estes a ação ou omissão; dano; nexo causal entre a conduta e o dano; e culpa.

“Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Nessa concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa. (IBIDEM, p.40).

A responsabilidade objetiva, diferentemente da responsabilidade subjetiva, não há necessidade de comprovação de culpa pelo agente, mas ainda estão presentes a ação ou omissão; dano; nexo causal entre a conduta e o dano; e culpa, o qual, independentemente de comprovação de culpa, ele já responde pelo dano causado, sendo esta responsabilidade tratada como uma exceção, apenas sendo cabível quando a lei expressamente especificar, como no código de defesa do consumidor , responsabilidade do Estado, dentre outros.

“tal espécie de responsabilidade, o dolo ou culpa na conduta do agente causador do dano irrelevante juridicamente, haja vista que somente será necessária a existência do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável para que surja o dever de indenizar” (STOLZE, 2012, p.59).

Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco, a qual toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros, e algumas modalidades foram trazidas pela doutrina, como a do risco proveito, responsabilizando aquele que busca tirar proveito da atividade danosa, risco profissional, o qual o dever de indenizar ocorre sempre que o fato prejudicial decorre da atividade ou profissão do lesado, risco excepcional, ocorrendo quando a reparação é devida sempre que o dano for consequência de um risco excepcional e o risco criado, que ocorre quando aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, devendo reparar o dano que causar (GONÇALVES, 2012, p.41).

“Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco, ora encarada como “risco-proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus); ora mais genericamente como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo” (IDEM, p. 41).

Diante dessa situação no que diz respeito a responsabilidade, há de se notar que em relação a teoria do risco, pouco importa se o serviço foi prestado de forma eficiente ou não, não havendo um questionamento acerca da culpa ou dolo do agente, da licitude ou ilicitude do comportamento, do bom ou mau funcionamento do serviço. Apenas o fato de haver um o nexo de causalidade entre o comportamento estatal e o dano a terceiro, o Estado responde. (CUNHA JUNIOR,2015, p. 358)

Deve-se ter em mente que o ponto principal para a caracterização da responsabilidade objetiva na teoria do risco diz respeito a atividade de produção do produto, não se levando em conta a natureza do bem em si, como nos casos de um produto agrotóxico, que embora seja um produto altamente perigoso, o que será observado é o grau de periculosidade em relação a sua forma de produção.

Desde o código civil de 1916, a responsabilidade civil subjetiva já era tratada como regra, pois com a atualização para o novo Código Civil brasileiro de 2002, esta regra pode ser verificada no art. 186, que erigiu o dolo e a culpa como fundamentos para a obrigação de reparar o dano. A propósito, ensina Caio Mário da Silva Pereira que (2012, p.17.):

“A regra geral, que deve presidir à responsabilidade civil, é a sua fundamentação na ideia de culpa; mas, sendo insuficiente está para atender às imposições do progresso, cumpre ao legislador fixar especialmente os casos em que deverá ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção. Não será sempre que a reparação do dano se abstrairá do conceito de culpa, porém quando o autorizar a ordem jurídica positiva”.

Exceto na hipótese de que se trata de responsabilidade objetiva, com o risco integral, existem motivos que excluem a responsabilidade civil, sendo estes: a culpa exclusiva da vítima, culpa concorrente e culpa comum; fato de terceiro; caso fortuito ou força maior; estado de necessidade; legitima defesa; exercício regular do direito; estrito cumprimento do dever legal e clausula de não indenizar (GONÇALVES ,2012, p.72).

a) Culpa exclusiva da vítima, culpa concorrente e culpa comum: A culpa exclusiva da vítima nunca pode ser presumida, sempre deverá ser provada e gera a exclusão da responsabilidade civil também por quebra do nexo causal.

“Quando o evento danoso acontece por culpa exclusiva da vítima, desaparece a responsabilidade do agente. Nesse caso, deixa de existir a relação de causa e efeito entre o seu ato e o prejuízo experimentado pela vítima. Pode-se afirmar que, no caso de culpa exclusiva da vítima, o causador do dano não passa de mero instrumento do acidente. Não há liame de causalidade entre o seu ato e o prejuízo da vítima” (GONÇALVES ,2012, p. 386).

Em relação a culpa concorrente, o Código Civil Brasileiro em seu artigo 945 diz que: se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.

b) Fato de Terceiro: Existem situações nas quais um indivíduo comete algum ato ilícito, mas este ato não foi realizado por sua culpa, mas sim de um terceiro envolvido causador do dano que atuou apenas como agente físico de um dano verdadeiramente e juridicamente causado por terceiro, concedendo ação regressiva contra o terceiro que criou a situação de perigo, para haver a importância despendida no ressarcimento ao dono da coisa. Assim, “o autor do dano responde pelo prejuízo que causou, ainda que o seu procedimento venha legitimado pelo estado de necessidade” (CARVALHO, 214, p. 210).

c) Caso fortuito ou força maior: O grande aspecto desta modalidade diz respeito a da imprevisibilidade e inevitabilidade, em que, caso fortuito geralmente decorre de fato ou ato alheio à vontade das partes, como a guerra, já a força maior é a derivada de acontecimentos naturais, como o raio, terremoto, sendo ambos excludentes da responsabilidade, porque afetam a relação de causalidade, rompendo-a entre o ato do agente e o dano sofrido pela vítima. Segundo Gonçalves (2012, p.394) “o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis de evitar ou impedir”.

d) Estado de necessidade: O estado de necessidade significa que o agente tem o direito de violar direito alheio para livrar de perigo iminente, conforme estabelecido no artigo 188 do Código Civil.

“Art. 188 – Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo” (BRASIL, 2002).

Ocorre que, se o agente mesmo agindo em legítima defesa ou estado de necessidade atingir um terceiro inocente, caberá a este o direito a ser indenizado e àquele o direito de regresso contra o real causador do perigo ou da agressão, ou seja, um caso especial em que mesmo ocorrendo uma excludente de ilicitude, haverá a responsabilidade civil.

No caso do inciso II do art. 188, “se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado”. (GONÇALVES,2002, p. 382).

Diferentemente do estado de necessidade, a legítima defesa, o exercício regular de um direito e o estrito cumprimento do dever legal, o agente não está obrigado a reparar o dano causado, ou seja, neste caso, haverá a figura da vítima e do agressor, e se o fato foi praticado contra o próprio agressor em legítima defesa, não poderá o agente ser responsabilizado civilmente pelos danos provocados, porém, se a vítima ao tentar se defender do agressor, atingir um terceiro que não está envolvido no caso, deverá obrigatoriamente reparar o terceiro lesado, segue posição do STJ

“O agente que, estando em situação de legítima defesa, causa ofensa a terceiro, por erro na execução, responde pela indenização do dano, se provada no juízo cível a sua culpa. A possibilidade de responsabilização, no caso da legítima defesa com aberratio ictus, ou no estado de necessidade contra terceiro que não provocou o perigo, não exclui o exame da culpa do agente na causação da lesão em terceiro" (BRASIL, STJ, 1998).

Com isso, percebe-se que embora o agente esteja diante da situação de uma excludente de responsabilidade, haverá a possibilidade de que o agente responda por sua atitude diante dessa situação.

1.2 Responsabilidade Civil Médica

A responsabilidade civil médica diz respeito a forma que a ordenamento jurídico e o poder judiciário tratam a relação entre médico e paciente, existindo uma certa peculiaridade, sendo uma relação de consumo incidindo o Código de Defesa do Consumidor e como consumidor presume-se a parte mais vulnerável da relação observa-se que foi necessária a criação de uma legislação para manter o equilíbrio desta desigualdade nesta relação.

Com isso, o Código de Defesa do Consumidor impõe ao médico o dever de providenciar algumas cautelas sob pena de que mesmo não agindo com culpa, deverá ter a obrigação de indenizar, sendo dever do paciente ser informado sobre todos os riscos de procedimento e o paciente deve expressar e aceitar esse risco.

Essa informação prestada ao paciente é muito importante para inversão do ônus da prova, pois quando se faz uma acusação, deverá se provar pela inversão do ônus da prova, o qual o paciente por ser a parte mais fraca caberá ônus de alegar, já ao médico caberá o ônus de provar que não possui culpa no ato.

A prova de que o profissional agiu com culpa caberá, em princípio, aos prejudicados, sendo facultado ao juiz a inversão do ônus da prova em favor do consumidor (art. 6º, inciso VIII, do CDC).

Não existe no momento outra atividade mais vulnerável que a medicina, chegando a ser uma das mais difíceis de se exercer sob o ponto de vista legal, o qual o exercício da medicina está regulamentado em todos os países através de normas e princípios.

Os interesses da profissão médica não estão exclusivamente na esfera privada, pois as saúdes dos indivíduos encontram-se no âmbito da ordem pública, admitindo-se haver maiores vantagens sociais se lhes forem dadas uma correta assistência.

Um grande problema enfrentado nos dias de hoje é que na prática está ocorrendo um grande número de erros de profissionais médicos, como exames superficiais do paciente e consequente diagnóstico falso; operações prematuras, omissão de tratamento ou retardamento na transferência para outro especialista, descuidos nas transfusões de sangue ou anestesias, emprego de métodos e condutas antiquados e incorretos; prescrições erradas; abandono do paciente, negligência pós-operatória, omissão de instrução necessária aos doentes, responsabilidade médica por suicídio em hospitais psiquiátricos.

O dano é todo fato jurídico gerador da responsabilidade civil em virtude do qual o ordenamento atribui ao ofendido, mais especificamente ao paciente, o direito de exigir a reparação, e ao ofensor, o médico, se condenado, a obrigação de repara-lo diante de situações em que ocorre uma lesão à um interesse juridicamente protegido, podendo consistir na perda ou danificação de uma coisa, ou na ofensa a integridade física, moral ou psíquica de uma pessoa (BAPTISTA, 2003, p. 44).

Percebe-se que todas as vezes em que se busca algo no poder judiciário, na maioria das vezes há um interesse econômico envolvido, havendo uma parte buscando o interesse de ser ressarcida por um acontecimento fático.

O dano material diz respeito aos bens materiais de uma pessoa, uma lesão em seu patrimônio, sendo determinado pela diferença entre o que se tem e o que se teria se não tivesse ocorrido o evento danoso, sendo facilmente calculável numa dimensão matemática e objetiva (DIAS, 1997, p.88).

O dano material pode ocorrer em diversas situações como, um ato contrário à norma jurídica, um ato culposo (imprudência, negligencia e imperícia), cometendo um ato ilícito, devendo ser reparado o dano

Para a interpretação ao dano material, o patrimônio se fundamenta como sendo a projeção econômica da personalidade que representa a totalidade dos bens economicamente úteis que se encontram dentro do poder de disposição de uma pessoa (PENNA, 1998, p.218)

O dano material cometido por um erro médico ainda pode ser interpretado extensivamente, ocasionando um dano emergente, que representa o efetivo prejuízo decorrente da ofensa contra o paciente, sem afetar atividade do ofendido ou a possibilidade de ganho e o lucro cessante, que ocorre quando o ofendido deixa de ganhar ou de auferir vantagens em virtude do prejuízo sofrido.

Em relação ao dano moral, esta modalidade é tratada com maior atenção em relação ao dano cometido por um erro médico, pois representa a lesão em todos os demais bens jurídicos não economicamente apreciáveis como a dor, o espanto, a vergonha, a injuria física ou moral, e com isso surgindo o direito subjetivo para o ofendido exigir judicialmente um valor pecuniário, à título de reparação moral cumulável com qualquer outro tipo de dano sofrido;

Deve-se ter em mente que o dano moral não é propriamente uma sanção, mas uma compensação autorizada por lei ao titular pelo interesse sacrificado, do qual a obrigação de indenizar surge em virtude da lesão do interesse de outrem, não havendo um conteúdo de valor mensurável, mas a dor, o espanto, a vergonha, a injuria física ou moral (CUNHA JUNIOR, 2015, p.64)

Em se tratando de dano estético, configura-se como sendo um dano psicológico-social, é forma corporal socialmente aceita, por ser visível a outrem, ainda que apenas na intimidade, provoca desgosto, humilhação, vergonha gerando um constrangimento ao ofendido, conforme entendimento de Tereza Ancona Lopez:

“Dano estético é qualquer modificação duradoura ou permanente na aparência externa de uma pessoa, modificação esta que lhe acarreta um enfeiamento e lhe causa humilhações e desgostos, dando origem, portanto, a uma dor moral” (LOPEZ, 2004, p.46).

Pela mesma ótica, conforme entendimento de Joao Bosco Penna:

“Dano estético é a modificação depreciativa da vida de relação da face externa da pessoa, implica em flagrantes modificações de estética individual, quer em repouso, quer em movimento, portanto, dano à vida de relação, isto é, dano psicológico-social, que além de permanente não é minimizada pela utilização de aparelhos protéticos ou artifícios, como barba e maquiagem, tampouco que o ofensor seja beneficiado para diminuir o seu quantum devido com verba paga por instituições públicas, através de pensões ou benefícios” (1998, p.286).

Diante dessa situação, houve divergências em relação a interpretação do dano estético, pois havia um posicionamento de que esse tipo de dano se enquadraria como o próprio dano moral, contudo em setembro de 2009, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 387, definindo que é lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.[1]

Um ponto muito discutido em relação ao dano estético é o fato de ele não estar previsto na Constituição Federal de 1998, estando presente apenas o dano material e moral, com isso muitos doutrinadores passaram a criticar essa modalidade de dano não apenas pelo fato de não estar previsto na Constituição Federal, mas também por ser uma modalidade de dano de difícil quantificação de seu valor.

Assim, na contramão da Constituição é contrária à melhor doutrina, ao possibilitar a cumulação dos danos morais e estéticos, pois desrespeitou o Superior Tribunal de Justiça o que constitucionalmente é assegurado, ou seja, a existência de apenas dois tipos de danos: o moral e o material, sendo o dano à imagem espécie do primeiro.

Outrossim, a obrigação que tem o profissional da saúde de reparar um dano causado a outrem no exercício de sua profissão, mas vale lembrar que, ao se falar nessa modalidade de responsabilidade civil, está se falando não somente do profissional liberal, mas também dos estabelecimentos de saúde em geral.

Quando a culpa ocorre em um hospital, devido a um ato essencialmente médico, deve-se provar a culpa deste, ou seja, quando existe dúvida quanto a causalidade, não se pode afirmar que foi em decorrência de um erro médico, uma negligência médica como, por exemplo, no caso de uma paciente que procura um médico e o profissional diz apenas que ela está com um pequeno problema de infecção urinária, e que seu útero está perfeito, mas a paciente continua com sintomas e muito tempo depois resolve procurar outro profissional para realizar os exames e descobre que está com um câncer no útero, e não um simples problema como confirmado pelo primeiro médico, sendo que a paciente falece logo em seguida.

Diante deste caso, não se pode afirmar que se o primeiro profissional médico houvesse diagnosticado corretamente o problema do câncer, a paciente teria sobrevivido ou não, havendo uma incerteza sobre o que poderia ter ocorrido.

Neste caso há o erro de diagnostico, mas em regra este erro é escusável, e mesmo sendo escusável, o profissional médico responderá pelo erro, pois a conduta de diagnosticar, o que qualquer outro médico faria, este não fez, condenando o erro de conduta de diagnosticar, e não o prejuízo efetivamente causado.

“Os melhores médicos não examinam, diagnosticam, ou tratam pacientes com um olho no que é preciso evitar para não ser processado. Os melhores médicos dirigem esforços no sentido de providenciar o melhor tratamento possível para os seus pacientes. Médicos e pacientes também deveriam insistir em nada menos do que isso” (SANTOS, 2008, p. 143).

Em relação as normas aplicáveis à responsabilidade civil médica, pode ser encontrada na Constituição Federal Brasileira, em seu art. 5º, caput, estabelecendo em cláusula pétrea, que o direito à vida é inviolável, já o artigo 196 da Carta Magna fundamenta que a “saúde é direito de todos e dever do Estado”, devendo este, estar sob responsabilidade civil dos médicos, que tratam de casos em que são gerados danos a estes bens.

O artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), dispõe que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”, sendo uma das normas que disciplinam a atividade profissional dos médicos.

Como já mencionado anteriormente, uma lei muito importante que trata da relação de consumo entre o médico e paciente está prevista no artigo 6º do código de defesa do consumidor, o qual, na responsabilidade pessoal do médico, será admissível a inversão do ônus da prova, tendo em vista a hipossuficiência do consumidor, que se presume ser a parte mais fraca da relação, sendo que na mesma legislação está previsto que o consumidor terá o prazo de cinco anos prescricionais no que concerne à “pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou serviço”, previsto no art. 27 do CDC (BRASIL, 2009).

O médico, como qualquer cidadão, responde penalmente quando produz um dano a seu paciente, salvo se provar a inexistência de sua culpabilidade, o qual a legislação penal estabelece a modalidade de crime culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia (VELOSO, 2014, p. 293). A imprudência médica ocorre quando o profissional não age com a cautela necessária, ocorrendo em casos de omissão de uma determinada conduta que deveria ser realizada, como no caso de um cirurgião que, podendo realizar uma operação por um método conhecido, abandona essa técnica, e como consequência, acarreta para o paciente um resultado danoso caracterizando a imprudência. (VELOSO, 2014, p. 293).

Diferentemente da imprudência, na negligência o profissional médico age de maneira omissiva, não realizando um determinado ato de forma adequada, ou seja, como se fosse esperado que agisse. (VELOSO, 2014, p. 294)

Existem três modalidades de negligência médica que podem ser classificadas em: (VELOSO, 2014, p. 298)

Abandono do doente: Ocorre quando a obrigação da continuidade de tratamento é absoluta, a não ser em casos especiais, como nos casos em que o médico é certificado de que o paciente ainda necessita de tratamento e mesmo assim deixa de atendê-lo, sendo este um dos casos mais comuns no Brasil.

Omissão de tratamento: Este caso costuma acontecer na maioria das vezes com médicos que se formaram há pouco tempo, que não possuem um conhecimento aprofundado, como no caso em que um clínico, ao tratar de um enfermo portador de apendicite, não o transfere de imediato para um cirurgião, preferindo realizar o tratamento conservador, ou o faz em um momento tardio, quando as complicações estão presentes, sendo um caso típico de negligência por omissão de tratamento.

Negligência de um médico pela omissão de outro: Este é o caso mais interessante de negligência médica, ficando a questão de que: Pode o médico ser responsável por atos culposos de outros médicos? Isto é, quando certas tarefas de exclusiva responsabilidade de um são entregues a outros e o resultado não é satisfeito. Exemplo: um médico, confiando em seu colega, deixa o plantão na certeza da pontualidade deste, o que não vem a se verificar, o qual o paciente vem a sofrer graves danos pela ausência de um profissional naquele local de trabalho (VELOSO, 2014, p.294)

No ocorrido, ambos os profissionais serão responsáveis, pois o primeiro médico, o qual o paciente foi atendido e confiou em seu trabalho, fez-se substituir por outro, transferindo seu paciente à um outro médico desconhecido para seu paciente.

Assim são os ensinamentos de Leonardo Vieira Santos (2008, p. 295):

“Se por doença, gozo de férias ou certos impedimentos o médico é substituído por outro colega, um ato praticado por este não se transfere ao primeiro. No entanto, se um paciente é atendido pelo médico substituto e existia uma obrigação assumida pelo substituído, e este último é beneficiado diretamente pelo trabalho de novo profissional, impõe-se a responsabilidade civil pelos atos do substituto, de que ele se utilizou no cumprimento da prestação prometida. E tanto é certo que, cessado o impedimento, o paciente retomará os seus cuidados, caso necessite ainda de assistência”.

Imperícia é a falta de observação das normas, por despreparo prático ou por insuficiência de conhecimentos técnicos para o desempenho de uma tarefa técnica.

Chama-se ainda imperícia a incapacidade ou inabilitação para exercer determinado ofício, por falta de habilidade ou pela ausência dos conhecimentos rudimentares exigidos numa profissão.

Ocorre que, em algumas situações, pode haver a confusão no que diz respeito a imperícia na área médica, pois, o diagnóstico errado nem sempre é imperícia. (VELOSO, 2014, p. 301).

O médico, como todas as profissões, tem de aprender através da experiência e da observação, e estas representam uma tarefa mais árdua e difícil, e que nem sempre existe a possibilidade de garantir a recuperação de todos os pacientes, pois as situações que se apresentam são em algumas circunstâncias, graves e confusas, assim, numa dessas eventualidades, o erro não pode ser sinônimo de imperícia. (IDEM).

O médico, em suas obrigações, responsabiliza-se tanto pela obrigação meio, quanto pela obrigação de resultado, sendo que na obrigação de meio, não há uma obrigação de se atingir êxito, mas sim de um procedimento para que o resultado seja obtido, ou seja, busca-se, é claro, um resultado, mas não sendo cumprindo, não havendo culpa do devedor.

Na obrigação de resultado a prestação do serviço tem um fim definido, pois não havendo o resultado esperado, há inadimplência e o devedor assume o ônus por não satisfazer a obrigação que prometeu, como ocorre em casos envolvendo cirurgia plástica.

Pode-se entender que existe na responsabilidade contratual civil do médico, obrigações de meios ou de diligências, o qual o próprio empenho do profissional é o objeto do contrato, sem compromisso de resultado, e o profissional médico poderá se utilizar de todos os recursos possíveis para que o procedimento seja realizado da melhor maneira, sendo que a obrigação de meio, o devedor não assegura a consecução do resultado esperado, mas se obriga a empregar os meios necessários e indicados para a proposta esperada (VELOSO, 2014, p. 306/309).

Ainda que o profissional médico esteja diante da obrigação de se obter o resultado, não significa que estará obrigado a obter êxito na cura do paciente, mas de que empregue o melhor de sua capacidade que lhe é disponível, sendo que neste caso, não caberá ao paciente provar que o profissional médico agiu de forma negligente, mas sim, ao médico provar que agiu com toda prudência desejável e esperada.

“O médico tem, portanto, que provar necessariamente a prudência e a diligência com que se houve. Por isso, conforma-se aos princípios da obrigação de meios obrigar os médicos a estabelecerem a certeza de que não atuaram com culpa” (São Paulo: RT, 1994).

Sendo assim, entende-se que a obrigação do médico é de meio, porque o objeto do seu contrato é a própria assistência ao seu paciente, quando se compromete empregar todos os recursos ao seu alcance, sem no entanto, poder garantir sempre um sucesso, podendo ser considerado culpado se ele procedeu sem os devidos cuidados, agindo com descaso, impulsividade ou falta de observância às regras técnicas, não podendo ser considerado culpado ou se chegar à conclusão de que todo empenho foi inútil em face da imutabilidade do caso, quando o especialista agiu de acordo com a lei da arte, ou seja, se os meios empregados eram de uso atual e sem contraindicações e o resultado seria o mesmo, independente do meio empregado.

Nos casos em que ocorre um resultado indesejado de forma não prevista inicialmente, deverá ser comprovado, além do nexo causal, a dimensão do dano, o grau da previsibilidade do autor em produzir o resultado danoso e a culpa suficientemente demonstrada dentro das espécies negligência e imprudência.

O primeiro pensamento da grande maioria das pessoas nos casos em que ocorre um resultado adverso é de que ocorreu um erro médico.

Contudo, a sociedade deveria observar com mais detalhes de que não é apenas o profissional médico que pode cometer erros, sendo que grande parte deriva das péssimas condições assistenciais e a desorganização dos serviços de saúde em nosso país, exigindo muito dos médicos, mesmo sabendo que sua ciência é inexata e que sua obrigação é de meios e não de resultados.

Para Luiz Roberto Londres (1988, p. 523-524)

“Sabemos que os maus resultados conhecidos não apresentam senão uma pequena parcela do que realmente ocorre (…). Não é, portanto, o erro médico o principal problema da medicina”.

Outrossim, vale ressaltar que existe diversas maneiras para que ocorra um mau resultado, como as péssimas condições de trabalho e a penúria dos meios indispensáveis no tratamento das pessoas, sendo que, a grande causa é em decorrência de os pacientes não terem leitos nos hospitais, não serem atendidos nos ambulatórios por falta de profissionais ou não poderem comprar os remédios recomendados para sua assistência, afinal de contas, os pacientes não estão morrendo nas mãos dos médicos, mas nas filas dos hospitais, a caminho dos ambulatórios, nos ambientes insalubres de trabalho e na iniquidade da vida que levam.

Para a responsabilização, é necessário o nexo causal, que significa o vínculo entre a ação e o resultado, de exclusiva competência médico-legal, devendo ser estabelecido: a) a lesão seja produzida por determinado traumatismo, portanto que seja real e apropriada àquelas circunstâncias; b) a lesão tenha efetivamente uma etiologia traumática; c) o local do traumatismo tenha relação com a sede da lesão; d) haja relação de temporalidade (um prazo legal e um prazo clínico), ou seja, exista uma coerência entre a idade da lesão e a ocorrência dos fatos; e) exista uma lógica anatomoclínica de sinais e sintomas típicos; f) haja exclusão da preexistência de danos relativamente ao traumatismo; g) inexista uma causa estranha à ação traumática (VELOSO, 2014, p. 338).

Um meio importante para se analisar o nexo causal são as chamadas concausas, cujo conceito é haver uma situação preexistente, concomitante ou superveniente, ou seja, algo que ocorreu anteriormente, durante ou após o fato, capaz de contribuir para a efetivação do resultado, como exemplo, nas causas de traumatismo, o qual, havendo um desses três tipos de concausas, e outras que sobrevêm a esta, o dano passa a ser parcialmente responsável pela ação traumática, porém há situações em que o trauma não possui nenhuma ação sobre o mal, uma vez que este já se encontrava em um estágio muito avançado para ser agravado, sendo classificada em uma concausa absolutamente independente, ou seja, o resultado final ocorreria de qualquer maneira. (VELOSO, 2014, p. 337)

É mister salientar que, devido ao aspecto de nexo de causalidade, muito se faz verificar o estado anterior do paciente, sendo realizado o estudo e o registro das condições físicas e psíquicas anteriores do examinado para que seja possível determinar situações como: 1. Se o trauma não agravou o estado anterior nem teve influência negativa sobre as consequências daquele; 2. se o estado anterior teve influência negativa sobre as consequências do trauma; 3. se o trauma agravou o estado anterior ou exteriorizou uma patologia latente. (VELOSO, 2014, p. 338)

É cediço que, o profissional médico como qualquer outro indivíduo, embora tenha o dever de buscar o resultado mais efetivo, também está amparado por algumas causas de excludente de responsabilidade, como a culpa da vítima, o caso fortuito e a força maior, que rompem o nexo de causalidade, afastando a responsabilidade do agente.

“É o nexo causal ou etiológico entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado. Vem expressa no verbo “causar”, empregado no art.186. Sem ela, não existe a obrigação de indenizar. Se houve o dano, mas sua causa não está relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação de causalidade e também a obrigação de indenizar” (Lenza, 2011, p.382).

Ocorre que, no ramo da medicina, existem outros fatores mais específicos que excluem a responsabilidade do profissional médico, como a Iatrogenia e a Intercorrência médica.

Latrogenia é uma doença que surge devida a uma intervenção médica, procedimento clinico em geral ou pelo emprego de algum medicamento, ou seja, é uma doença que surge pelo procedimento médico, porém a lesão causada pela latrogenia não é de responsabilidade médica nos casos em que o profissional age de forma devidamente regular no exercício de sua profissão.

“A maior gama de latrogenias não implica responsabilidade profissional, tendo em vista que são previsíveis ou decorrentes de fatores individuais e próprios de cada paciente. Sabemos que as pessoas são diferentes entre si, em maior ou menor proporção. Ademais, o estado físico e psicológico de cada doente varia em razão das especificidades orgânicas, de tal sorte que a sensibilidade e reação podem ocorrer, sem qualquer relação de causa e efeito com a atuação do médico, à técnica empregada ou ao medicamento ministrado. Desde que o paciente tenha consentido, desde que tenha sido previamente informado e esclarecido sobre as possíveis consequências iatrogênicas, ainda que venha a ocorrer dano, não se poderá falar em responsabilizar o profissional” (MELO, 2013, p.153).

Existem três tipos de latrogenia que podem surgir devido as lesões previsíveis e também esperadas, tais como mutilações decorrentes de extrações de órgãos ou membros, previsíveis, mas inesperadas, decorrentes do perigo inerente a todo e qualquer procedimento, tal qual a reação alérgica a determinado tipo de medicamento e também devido as falhas decorrentes do comportamento humano no exercício da profissão, passíveis de suscitar o problema da responsabilidade legal, como a confusão da veia safena com a artéria femoral, durante a safenectomia, cujo quadro evolui para uma gangrena.

Percebe-se que, nos dois primeiros casos, não há de se falar em responsabilidade civil, já que os resultados já eram previsíveis para qualquer pessoa, porém no terceiro ocorre um erro do profissional médico, não satisfazendo seu cliente que tanto esperava para que ocorresse conforme o esperado (MELO, 2013, p.152)

Em regra, o médico deve agir conforme o procedimento vinculado a determinada situação, porém em alguns casos poderá agir de forma discricionária, como nas situações em que o paciente está correndo risco de vida, devendo haver uma proporção razoável entre riscos assumidos e benefícios esperado. (IDEM, p.153).

Intercorrência médica se conceitua como a ocorrência de um evento inesperado em um procedimento médico, não sendo possível de ser previsto pelo paciente, nem pelo próprio médico, mesmo se utilizando de todas as cautelas possíveis, agindo corretamente, como nos casos em que um médico realiza uma cirurgia e descobre que o paciente possui um maior número de veia que o normal, atingindo uma delas de forma acidental (MELO, 2013, p.61)

APELAÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL ERRO MÉDICO AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS Autora que durante um procedimento cirúrgico sofreu perfuração do pulmão durante procedimento anestésico Improcedência, carreando à autora os ônus da sucumbência ressalvado o disposto no art. 12 da Lei 1.060/50 Apelo da autora Inconsistência do inconformismo Ausência de indicação de assistentes técnicos Prova limitada aos documentos juntados e ao laudo elaborado pelo IMESC, além de duas testemunhas ouvidas em audiência Concordância das partes com o encerramento da instrução – Ocorrência de caso fortuito segundo resultado da perícia médica Intercorrência, ademais, não apontada pela prova técnica como acima do nível razoável da expectativa médica Sentença ratificada – Recurso improvido. (BRASIL, STJ, 2013).

Em alguns casos, para se livrar de uma responsabilidade de indenizar, é realizado uma cláusula de não indenizar, fundando-se no princípio da autonomia da vontade e na liberdade de contratar.

Ocorre que, em relações de consumo, como a prestações de serviços médicos, o artigo 24 do Código de Defesa do Consumidor proíbe a utilização dessa cláusula, pois envolve-se questões de ordem pública de interesses indisponíveis. (CUNHA JÚNIOR, 2015, p. 41)

Como se percebe, o profissional médico está sujeito a responder por atos que vier a cometer no exercício de sua profissão, contudo em alguns casos, o profissional médico não é o responsável por um resultado indesejado, como mencionado anteriormente, possibilitando a ocorrência de alguma causa de excludente de sua responsabilidade. Ocorre que, além do médico estar sujeito a responsabilidades pelos atos cometidos no exercício de sua profissão, o estabelecimento hospitalar onde o médico realiza suas atividades também está sujeito a eventuais responsabilidades como será analisado a seguir.

1.3 Responsabilidade Civil dos Hospitais

A causalidade é um fundamento para que haja a responsabilidade do Estado, surgindo a obrigação de indenizar para o ente público, da causação do dano injusto pelos seus agentes, respondendo objetivamente em função do princípio da causalidade, surgindo o dever de indenizar (CAHALI, 2007, p. 74).

No entanto, não se deve levar em consideração apenas hospitais públicos, mas também os hospitais de caráter privado, sendo que a diferença está na pessoa passiva legítima para responder o quanto alegado, sendo a particular possuidora de personalidade jurídica, capaz de responder civilmente pelo quanto lhe é alegado , já a instituição pública possui um órgão estatal a ela correspondente e a legitimidade recairá pelo que lhe é competente, por exemplo, um hospital público federal terá como sujeito passivo a União Federal, estadual será o Estado e, obviamente, municipal, o Município.

Pois bem, os hospitais são formados por um conjunto de atividades que incluem instalações, aparelhos, instrumentos, corpo de pessoal administrativo e médico, e quando se recebe um paciente, o hospital firma um contrato de prestação de serviços, seja escrito, verbal ou mesmo tácito, pelo qual se obriga a prestar serviços de qualidade, seja médico ou outros complementares, tais como, hospedagem, alimentação, medicamentos, equipamentos necessários ao tratamento ministrado, além de outros prestados pelo corpo de pessoal auxiliar, administrativo e de enfermagem, estabelecendo-se uma relação de consumo, sendo esta relação abrangida pelo Código de Defesa do Consumido, e subsidiariamente, as do Código Civil brasileiro (MELO, 2013, p.138).

Em relação a responsabilidade civil por danos causados a seus pacientes, o hospital responde pelos atos dos profissionais, não havendo que se falar em eventual culpa da conduta médica (IDEM, p.139).

Ocorre que, nem sempre o hospital responderá pelas condutas cometidas pelos profissionais médicos em seu estabelecimento, pois em alguns casos, quando há uma das excludentes contidas no Código de Defesa do Consumidor, quais sejam: inexistência de defeito no serviço prestado, culpa exclusiva da vítima ou de terceiros (art. 14, § 3°), não será de sua responsabilidade por haver a quebra do nexo de causalidade.

“dizer que os hospitais e similares devem responder objetivamente por erro médico, não significa dizer que estão condenados a priori por todo e qualquer evento danoso ocorrido em suas dependências. Para se isentar do dever indenizatório bastará ao hospital provar, e este ônus seu, de que não houve falhas, defeitos ou inadequação no serviço prestado, ou que o evento somente ocorreu em face de culpa da própria vítima ou de terceiros” (MELO, 2013, p.140).

É     mister que, a responsabilidade do hospital é de forma objetiva em relação ao código de defesa do consumidor, mas mesmo se este for retirado e for aplicado somente o Código Civil, sua responsabilidade também será objetiva, o qual ocorrendo falhas na prestação de serviços envolvendo seus funcionários, o hospital responderia na condição de patrão ou comitente, a teor do que dispõe o Código Civil (art. 932, 111); neste caso, a culpa seria presumida, respondendo objetivamente o hospital, sendo possível responsabilizar o hospital em face da escolha mal feita de seus representantes, funcionários e prepostos, com base na culpa presumida, conforme assentado na Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal: "E presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto." (apud MELO, 2013, p.146)

Com relação aos serviços médicos hospitalares, existe uma ressalva, visto que, neste caso, o hospital não se responsabiliza por eventual erro médico cometido pelo profissional que se utilizou do estabelecimento hospitalar para a realização de algum procedimento, ou seja, equivale-se ao caso do médico que, sem vínculo empregatício com determinada clínica utiliza do hospital para internar os seus pacientes particulares (MELO, 2013, p.147/148).

Conclui-se que, se o médico apenas e tão somente usa as instalações hospitalares, para nele realizar intervenções em seus pacientes, somente ele deve responder pelo eventual erro médico, logo não se podendo falar em responsabilizar o hospital solidariamente, pois os hospitais só serão legitimados passivos para ações que postulem indenização por danos materiais ou morais decorrentes de erro cometido por médico, se estes profissionais possuírem vínculo empregatício ou de preposição com os hospitais. (DAINEL. 2015.)

Em relação aos médicos que prestam serviços a hospitais públicos, a regra se aplica de acordo com a Constituição Federal, estabelecendo que, sejam eles da União, dos Estados, dos Municípios ou mesmo sendo empresas públicas, autarquias ou fundações, a responsabilização do ente público também será objetiva.

“as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (BRASIL, 1988, art. 37, § 62).

Ocorre que, há uma ressalva no que tange à responsabilidade do Estado, pois apesar do direito brasileiro ter adotado a regra da responsabilidade objetiva do Estado por atos de seus agentes, o Estado poderá se eximir do dever indenizatório, total ou parcialmente, se demonstrar a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, culpa exclusiva ou concorrente da vítima ou de terceiros (MELO, 2013, p.148/149).

Portanto, observa-se que a responsabilidade civil dos hospitais em relação ao erro médico sempre será objetiva, independendo da demonstração de culpa, bastando a existência de um dano e o nexo de causalidade para ocorrer um eventual indenização em decorrência de um erro médico, podendo ocorrer por causa da própria estrutura do hospital, ou de um erro médico, sendo ambos os casos de responsabilidade objetiva do hospital, mas em relação ao erro médico deverá ser demostrado a culpa do profissional, ou seja, uma responsabilidade subjetiva em relação a este e, para que ocorra sua culpa, deverá ser utilizado por diversos meios de provas como será demostrado no capitulo a seguir.

2. DAS PROVAS

A prova é considerada um fator essencial para se comprovar a pretensão da busca por um direito.

“Provar é indiscutivelmente essencial para o êxito processual. Sustenta o autor que, muito embora as partes estejam incumbidas deste ônus, isto não quer significar a imposição de uma obrigação de provar. Para o juiz, independe quem produziu a prova de determinado fato, pois para a formação da convicção do julgador, basta que o fato se encontre demonstrado” (PELLEGRINI, 1979, p. 45).

Sabe-se que no sistema brasileiro atual, conforme dispõe o novo Código de Processo Civil, a prova incumbe a quem alega, ou seja, caberá ao autor provar sobre os fatos de seu direito e, de outro lado, o réu terá que provar também judicialmente, quanto a existência dos fatos que impeçam, modifiquem ou mesmo extingam o direito do autor.

Seguindo a mesma sistemática, o mesmo ocorre diante da relação entre médico e paciente, a regra diante da produção de provas é aplicada de acordo com o Código de Processo Civil, devendo ser produzida pelo autor, ou seja, o paciente. (MELO, 2013, p.197).

“O ônus da prova incumbe: § 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído” (Código de Processo Civil, BRASIL, 2015, Art. 373).

Ocorre que, na seara médica, o Poder Judiciário vem enfrentando muitas ações que visam a indenização por danos morais diante de um erro médico, e com isso os profissionais médicos sempre alegam não terem agido com imprudência, imperícia ou negligencia, devendo esta demonstração de culpa ser feita pela parte lesada, ou seja, aquela que intenta uma ação judicial buscando uma indenização, pois de acordo com o Código de Processo Civil o ônus da prova incumbe a quem alega.

Contudo, vale ressaltar que, de acordo com o artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor, toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação (…), distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços", ou seja, embora o conceito seja amplo, há de se notar que a pessoa física (médico) ou jurídica (hospital) se enquadram no Código de defesa do consumidor, haja vista quando o paciente busca um tratamento médico ele almeja um resultado, ou seja, a cura, enquadrando-se como destinatário final de uma relação de consumo e com isso, diante da produção probatória, o Código de Defesa do Consumidor permite que haja a inversão do ônus da prova.

Portanto, levando-se em conta a inversão do ônus da prova pelo fato de que a produção de prova do erro médico é, na maioria das vezes, quase impossível para o paciente lesado, principalmente em face da falta de testemunhas e documentos devido à confidencialidade da relação entre médico e paciente, e também com a complexidade técnica dos procedimentos médicos, associados ao silêncio daqueles que assistem ou participam de ato cirúrgico, por exemplo, complementam o quadro de dificuldades para se fazer a prova do erro culposo do médico, senão vejamos a lei:

“Art. 6 São direitos básicos do consumidor: VIII – A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”

Além do mais, os princípios constitucionais estão presentes em todos os seguimentos da vida em sociedade, regendo o comportamento das pessoas, com isso se faz presente em face da inversão do ônus da prova, regido pelo princípio da isonomia, conforme ensinamentos de Alexandre Freitas Câmara:

“Deste modo, a aplicação da teoria dinâmica do ônus da prova se revela como uma forma de equilibrar as forças na relação processual, o que nada mais é do que uma aplicação do princípio da isonomia. Assim, penso que a aplicação da teoria dinâmica do ônus da prova independe de qualquer previsão expressa em lei, e se dá no direito brasileiro por aplicação dos princípios constitucionais que regem o processo” (2008, p. 381).

O fato de estar presente o princípio da isonomia, não exclui a aplicação de outros princípios, como o princípio da razoabilidade, pois não seria razoável obrigar o paciente a produzir provas pela sua hipossuficiência diante da dificuldade e conhecimentos técnicos necessários para a comprovação do erro médico, e também está presente o princípio da dignidade da pessoa humana, pois não se trata apenas de dano material ou moral, mas sim do mínimo necessário para se viver com dignidade, e, resguardadas as devidas proporções.

Outrossim, diante da impossibilidade da produção de provas pelo paciente, a doutrina costuma chamar este tipo de prova de "prova diabólica", visto que todo o ato realizado no procedimento médico exige-se um conhecimento específico, e somente poderá ser provada por meio de uma perícia médica, residindo uma outra grande dificuldade, sendo o paciente, impossibilitado de realizar a produção de provas por contra própria. (MELO, 2013, p.198)

Percebe-se que nesse caso há uma hipossuficiência da paciente conforme o Código de Defesa do Consumidor, pois vale ressaltar que a característica da hipossuficiência não diz respeito somente à questão financeira, mas também em relação à técnica e ao conhecimento que possui o fornecedor, conforme menciona Fernanda Schaefer:

“o conceito de hipossuficiência contido no art. 6, VIII, CDC, deve ser entendido de maneira abrangente, estendendo-se ao reconhecimento da flagrante posição de desequilíbrio ou de inferioridade econômica, social, cultural, técnica etc., do consumidor perante o fornecedor, que o impossibilitaria ou dificultaria a comprovação de veracidade de suas alegações e do nexo de causalidade” (2006, p.121).

Diante da impossibilidade de produção de provas pelo paciente na maioria dos casos, indícios e presunções passaram a ter uma importância singular quando se trata de aferir-se o erro médico, o qual a " perda de uma chance" é uma construção doutrinária e jurisprudencial, que têm suavizado o encargo probatório da vítima diante de um erro médico (MELO, 2013, p.198/199).

Um meio de análise de muita relevância é o indício, que pode ser classificado como todo rastro, vestígio, pegada, circunstância e fatos provados, suscetíveis de conduzir, por inferência, ao conhecimento de outro fato desconhecido, ou seja, por via do raciocínio se pode, a partir de um fato conhecido, depreender que o fato probando dele decorre, seja como causa ou efeito, o qual, estando em perfeita harmonia com os elementos constantes dos autos, autorizam um juízo de mérito, pois sendo desconhecido o fato, e não sendo possível atingir um resultado completamente eficaz, haverá deduções logicas, que será chamado de presunção (IDEM, p.202).

Com isso, percebe-se que a presunção é um importante meio para ajudar no convencimento do juiz, não sendo utilizado um meio de prova, mas um raciocínio logico, mental não havendo nenhuma novidade no caso em concreto, mas apenas uma análise exclusivamente intelectual.

“As presunções correspondem mais a um tipo de raciocínio do que propriamente a um meio de prova. Com elas pode-se chegar a uma noção acerca de determinado fato sem que este seja diretamente demonstrado. Usa-se na operação a denominada prova indireta (circunstancial ou indiciária). Presunção, nessa ordem de ideias, é a consequência ou ilação que se tira de um fato conhecido (provado) para deduzir a existência de outro, não conhecido, mas que se quer provar. O fato realmente provado não é o objeto da indagação, é um caminho lógico, para alcançar-se o que em verdade se deseja demonstrar. De tal sorte, as presunções “são as consequências que resultam dos constantes efeitos de um fato: ex eo quod plerumque fit ducantur presumptiones” (CUNHA JUNIOR, 2015, p. 604).

Diante de presunções, os magistrados estão autorizados a usar os indícios suficientemente lógicos e suficientemente fortes para tomar sua convicção legítima, pois existe uma lógica no desenvolvimento dos fatos, mesmos aqueles biológicos. (MELO, 2013, p.203)

Inversão do ônus probante é muito importante para o consumidor, normalmente a parte mais fraca, pois em casos que o consumidor não tem como fazer a prova de seu direito, seja em razão de seu desconhecimento técnico com relação ao problema, a obrigação de provar caberá a parte que possui capacidade para provar tal ato, ou seja, o paciente sempre será, na maioria das vezes, a parte mais fraca da relação, devendo os hospitais, clínicas e similares, provar falhas na prestação dos serviços, e a inversão do ônus da prova é uma imposição que decorre da própria lei, ou seja, nem mesmo o próprio magistrado poderá contrariar esta regra (IDEM, p.206/207).

3. A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

A teoria da perda de uma chance foi desenvolvida no direito francês e foi importada pelo Direito Civil brasileiro, bem como pela jurisprudência e doutrina.

A teoria da perda de uma chance, presente no Código Civil brasileiro, estabelece que o dano pode ser um dano emergente ou lucro cessante.

A teoria consagrada no ordenamento jurídico brasileiro é a teoria da causalidade adequada, que está baseada no dano direto e imediato, fundamentada no artigo 403 do Código Civil: "Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto em lei processual” (BRASIL, 2002). Essa teoria utiliza o meio de eliminação hipotética para a caracterização do dano direto e imediato, utilizando-se do chamado conditio sine qua non, ou seja, leva-se em conta se a lesão teria ocorrido mesmo com a ausência do ato praticado, para uma eventual excludente de causalidade diante da ausência de nexo de causal.

A perda de uma chance é o meio termo entre o dano emergente e lucro cessante, a fim de indenizar o fato da vítima ter perdido uma chance real e razoável que possuía, ou seja, não é qualquer chance, não se indenizando o improvável e sim uma chance real, como no caso de um advogado que perdeu o prazo para entrar com um recurso.

“A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) guarda certa relação com o lucro cessante uma vez que a doutrina francesa, onde a teoria teve origem na década de 60 do século passado, dela se utiliza nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor. Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda” (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 81).

O dano emergente é o efetivo prejuízo que a vítima sofreu, sendo este prejuízo em conteúdo patrimonial devido à diminuição do bem, como no caso de um acidente de trânsito em que o dano emergente neste caso será a despesa para reparar o dano, já o lucro cessante será aquilo que a vítima razoavelmente deixou de

lucrar, levando-se em conta o antecedente, a fim de verificar qual era o lucro obtido em média.

Na União Europeia, em 1991, tentou-se estabelecer uma presunção legal de culpa em relação a atividade vinculada a saúde, especialmente em relação ao médico, havendo uma proposta delitiva que se presumia a culpa com inversão do ônus da prova, ou seja, quem deveria provar que não era culpado era o profissional da área da saúde, tanto na medicina, como odontologia dentre outros, mas no ano de 1994 essa proposta foi retirada do conselho da comunidade Europeia. (KFOURI, 2002)

Na união europeia esta proposta prevaleceu pela resistência da Alemanha e Inglaterra, e esses dois países resistiram a essa presunção legal de culpa quando se trata de responsabilidade médica, pois se parte do pressuposto de que a medicina se vale muito da sorte, o qual o médico quer curar, mas perante uma situação que envolva dois pacientes com a mesma doença, utilizando a mesma medicação e mesma conduta terapêutica, uma paciente falece e o outro prevalece vivo, ou seja, qualquer tratamento médico depende muito da própria atuação do médico, que a formação orgânica do paciente, sua formação anatômica, dentre outros problemas em relação a saúde do mesmo.

Aplicada à atividade médica, a teoria ficou conhecida como teoria da perda de uma chance de cura ou de sobrevivência, em que o elemento que determina a indenização é a perda de uma chance de resultado favorável no tratamento.

O que se perde é a chance da cura e não a continuidade da vida em não se dar ao paciente todas as chances de cura ou de sobrevivência.

Percebe-se que a medicina é uma ciência aleatória, ou seja, ao se transferir a responsabilidade subjetiva, para a responsabilidade objetiva em relação ao profissional médico, seria algo arriscado, podendo ocorrer injustiças, pois é uma tendência na sociedade, nos dias de hoje, não querer deixar nenhum dano sem reparação, com isso surgindo a „‟ teoria da perda de uma chance‟.

O primeiro julgado a ser aplicado à teoria da perda de uma chance ocorreu no ano de 1995, na França, aplicando-se essa teoria à responsabilidade médica, na qual não se indexava o prejuízo final, mas sim a oportunidade perdida, a chance perdida, essa probabilidade de obter um ganho ou evitar o prejuízo, sendo adotada até os dias de hoje.

“Em última instância, o problema gira em tomo do nexo causal entre a atividade médica (ação ou omissão) e o resultado danoso consistente na perda da chance de sobrevivência ou cura. A atividade médica, normalmente omissiva, não causa a doença ou a morte do paciente, mas faz com que o doente perca a possibilidade de que a doença possa vir a ser curada. Se o paciente, por exemplo, tivesse sido internado a tempo ou operado imediatamente, talvez não tivesse falecido. A omissão médica, embora culposa, não é, a rigor, a causa do dano; apenas faz com que o paciente perca uma possibilidade. Só nesses casos é possível falar em indenização pela perda de uma chance. Se houver erro médico e esse erro provocar ab orige o fato de que decorre o dano, não há que se falar em perda de uma chance, mas, em dano causado diretamente pelo médico” (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 86).

Um grande questionamento no campo da medicina diz respeito ao dano iatrogênico, que consiste em um dano causado pela cura, por exemplo, nos casos em que um indivíduo sofre uma lesão em algum membro e o profissional médico precisa amputá-lo para que não ocorra complicações em outra parte do corpo, ou seja, não se refere necessariamente à lesão decorrente de um erro médico, mas àquela que emana da escolha pelo profissional acerca de determinado tratamento cuja consequência é um resultado não pretendido, possível e naturalmente decorrente deste tratamento.

O profissional médico não deve prometer a cura, mas sim buscar a cura, utilizar de todos os esforços, mas por mais que ele trabalhe da maneira correta, o resultado satisfatório nem sempre é obtido.

Diante o exposto, pode-se entender que a medicina se caracteriza como uma atividade meio, e que o profissional médico não pode prometer a cura, mas sim buscá-la, aplicando toda a sua ciência.

“Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o doente ou de salvá-lo, mesmo quando em estado grave ou terminal. A ciência médica, apesar de todo o seu desenvolvimento, tem inúmeras limitações, que só os poderes divinos poderão suprir. A obrigação que o médico assume, a toda evidência, a de proporcionar ao paciente todos os cuidados conscienciosos e atemos, de acordo com as aquisições da ciência, para usar-se a fórmula consagrada na escola francesa. Não se compromete a curar, mas a prestar os seus serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão, incluindo aí cuidados e conselhos” (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 401).

O grande problema é que a teoria da perda de uma chance surgiu com a visão clássica, no final do século XIX na França, relacionada ao prejuízo, apenas se aplicando essa teoria quando há incerteza, diferentemente do caso do advogado que perde o prazo para entrar com recurso, sendo que neste caso não há dúvida de que a perda do prazo fez com que seu cliente se prejudicasse.

A perda de uma chance é uma decisão autônoma, não objetivando o prejuízo final, que é o bem da vida, como o paciente que sofreu limitações ou entrou em óbito, mas sim à chance perdida de poder evitar a lesão.

3.1 Conteúdo econômico da chance

Para a reparação civil, são necessárias duas fases, sejam elas, o reconhecimento da existência do dano e por seguinte a sua magnitude, ou seja, o quantum que o ordenamento jurídico atribui o valor, e quanto deverá ser suportado pela vítima ou transferindo ao responsável, sendo que no caso da chance, utiliza-se o mesmo raciocínio para realizar a quantificação de dano (GONDIM, 2013, p.121).

Está previsto, na legislação vigente, que a reparação em relação ao dano será em forma específica ou por pecúnia, conforme Código Civil, em seu artigo 947, prevendo que caso o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada, substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente, sendo que, em ambos os casos a sanção da reparação surge concomitantemente à ocorrência da lesão a um interesse jurídico.

Quando ocorre a responsabilidade pela ocorrência de um dano, a responsabilização por ressarcimento específico deverá criar uma situação correspondente ao estado anterior, porém em alguns casos não será possível a reconstituição ao estado anterior como ocorre em alguns danos causados em procedimentos médicos, sendo que nesses casos também não será possível averiguação da responsabilidade em relação ao caráter patrimonial, devendo ser afastada a reparação da chance como dano material, para averiguação do dano extrapatrimonial, pois a avaliação do bem jurídico patrimonial usualmente não é possível, conforme o entendimento de Grácia Cristina Moreira do Rosário:

“Na seara médica, o dano emergente revela a perda sofrida pelo doente, verificada de forma efetiva no patrimônio daquele. O lucro cessante traduz aquilo que a vítima deixou de auferir em virtude do dano ocasionado pelo médico. Ora, na perda da chance de cura não se verifica a possibilidade de indenizar o enfermo pelos supostos danos materiais ocorridos pelos seguintes motivos: a condenação é imposta em razão da conduta médica que deflagrou a perda de uma possibilidade de cura; a ação ou omissão do profissional não deu azo ao fracasso do tratamento nem tampouco a morte do doente e, sim, a perda da possibilidade de cura e sobrevivência. Desse modo, o médico só poderá ser condenado a compensar o lesado a título de indenização por dano moral” (2009, p. 11).

Entende-se que para verificação da reparação, o objeto do dano será o ponto de partida para a análise, por isso o conteúdo da chance será definido como material ou extrapatrimonial, assim, se ocorrer a destruição de um bem ou a cessão de um negócio, se foi descumprimento de uma obrigação de prestar em dinheiro ou se do ato ilícito resultou a perda de determinada quantia, será dano material; entretanto, se ocorrer a ofensa a um interesse jurídico não patrimonial, será a chance reparada como dano extrapatrimonial (GONDIM,2013, p.124)

Ocorre que, em relação aos danos extrapatrimoniais, seu cálculo é diferente em relação ao dano material em um caso concreto, devendo ser observado o método de interpretação de vários julgados valendo-se da racionalidade em um caso concreto.

3.2. Acepção da responsabilidade pela criação de riscos

Um grande desafio a respeito da teoria da perda de uma chance é verificar se a simples criação de uma situação de risco é capaz de constituir o prejuízo de uma ação de reparação, pois em diversas situações a ação ou omissão do réu gera o dano que em nada se assemelha com um simples risco.

Há situação em que há a criação de um risco pode ocasionar em possíveis prejuízos no futuro, gerando incerteza que cerca a reparação judicial quanto ao dano, pois existe a certeza de que o ofensor causou o risco, mas não se pode saber se esse risco acarretará algum prejuízo efetivo.

Observa-se que a criação de um simples risco não pode ser confundida com a responsabilidade objetiva, nem mesmo com o nexo de causalidade, e o risco criado se trata de uma teoria que discute a possibilidade de se considerar uma situação perigosa como um dano indenizável. (SILVA, 2013, p 137).

Portanto, em determinadas atividades, diante da natureza ou elementos utilizados no procedimento, pode surgir alguns riscos inerentes dessa atividade devendo ser assumidos pelo sujeito responsável por exerce-la.

3.3. Aplicação da teoria da perda de uma chance

Para estabelecer o critério da responsabilidade civil a respeito da teoria da perda de uma chance, não deverá ser levado em conta todas as possibilidades a respeito de uma possível indenização em decorrência do dano, mas sim apenas nos casos que se caracterizam com a teoria da perda de uma chance.

3.3.1 Chances sérias e reais

A teoria da perda de uma chance não se baseia na simples esperança de um dano, mas sim na certeza de que deve estar presente um dano reparável, como no caso de um paciente que apesar de possuir esperanças de que venha a ser curado, sua doença não apresenta qualquer chance de cura (SILVA, 2013, p 138).

Nesse sentido, há de se notar que não é qualquer chance perdida que será capaz de gerar um direito a uma indenização, mas somente a chance seria e real, ou seja, uma chance em que há a probabilidade de que haveria uma cura para o paciente e na certeza de que houve a subestação dessa possibilidade, resultando em um prejuízo para a vítima.

De acordo com Raimundo Simão de Melo e Sergio Cavalieri Filho, incluem no conceito da teoria da perda de uma chance o desaparecimento da probabilidade de um evento que ocasionaria não só um benefício futuro para o ofendido, como também a oportunidade de se evitar um prejuízo (apud GUIMARAES, 2010, p 71)

Para a caracterização das chances sérias e reais, o sistema causal norte-americano é um grande influenciador nesse aspecto.

Nos casos de responsabilidade pela perda de uma chance na seara médica, aplica-se o padrão “more likely than not‟‟, significando que, caso um procedimento médico retire cinquenta e um por cento das chances de um paciente sobreviver, estaria identificada a existência do nexo de causalidade entre a ação do agente e o dano final, ou seja, a perda da vantagem esperada sofrida pela vítima, tornando inaplicável a utilização da teoria da perda de uma chance, sendo aplicada somente quando o ato do agente retira menos de cinquenta por cento das chances da vítima auferir a vantagem esperada (SILVA, 2013, p 141).

Diferentemente do sistema causal norte-americano, a Corte de Cassação italiana buscou um sentido diverso a respeito das chances sérias e reais de um dano, afirmando que o requisito para a certeza das chances perdidas somente estaria caracterizado nos casos em que a vítima conseguisse provar que possuía pelo menos cinquenta por cento de chance de atingir seu interesse, porém como a teoria norte americana, o sistema da Corte de Cassação italiana não encontrou qualquer apoio jurisprudencial no Brasil, podendo ser observada na V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. (SILVA, 2013, p 142)

"A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos.” (Enunciado 443. Art. 927).

3.3.2 Combinação de eventos aleatórios

É muito comum, ao se falar a respeito da teoria da perda de uma chance, a ocorrência de um único evento danoso, ou de uma única situação, porém pode ocorrer casos em que ocorra eventos aleatórios, devendo levar em conta a participação de dois ou mais eventos aleatórios. (SILVA, 2013, p 146)

Segundo Joseph King Jr, para a realização do cálculo em relação a chance perdida, devera levar-se em conta a ocorrência de pelo menos dois eventos, como ocorre no caso de um médico que na primeira consulta falha em indicar a realização de um exame complementar cuja necessidade era facilmente demonstrada pelo quadro clínico apresentado pela paciente, e dezoito meses depois, descobre-se que a vítima está com câncer terminal, o qual se o médico tivesse diagnosticado a doença mediante exame complementar à época da primeira consulta, a paciente teria 55% de chances de ter uma sobrevida normal, entretanto, devido ao local do tumor cancerígeno, a chance do aludido exame complementar diagnosticar a doença não era de 100%, mas de apenas 85%. (KING JR., Joseph H., 1998, p. 555/1389.)

Dessa forma, há que se considerar os dois fatores aleatórios em jogo, pois não era absolutamente certo que a paciente viveria após o diagnóstico tempestivo, bem como não era absolutamente certo que o exame complementar levaria a um diagnóstico correto. Assim, a chance de sobrevida perdida foi de 46,75%, eis que 0,85 multiplicado por 0,55 é igual a 0,4675.93. (KING JR., Joseph H., 1998, p. 555.)

“Quando dois fatores aleatórios são combinados para a constituição de um evento, a probabilidade de tal evento acontecer decresce exponencialmente. A regra que determina a junção de dois ou mais fatores aleatórios pode ser descrita da seguinte forma: a probabilidade de dois eventos ocorrerem é igual à probabilidade de o primeiro evento ocorrer, multiplicada pela probabilidade de ocorrência do segundo evento, depois de se saber que o primeiro evento de fato ocorreu” (KING JR., Joseph H., 1998, p. 554.).

Na visão de Otaviano Borges Gondim (2013, p. 136), calcular a quantificação do dano é uma tarefa muito difícil para o magistrado, mas essa dificuldade não deve implicar em impossibilidade de reparação do dano, devendo haver o direito à reparação do dano, mas seguindo parâmetros para analisar o quantum reparável, a partir do valor da vantagem esperada (resultado final) e a probabilidade do resultado final ser alcançado, devendo valor da chance como dano material será sempre inferior a quantia correspondente à vantagem esperada, sendo, resultado final, utilizado apenas para o cálculo da reparação da chance e não para repará-la diretamente.

Conforme Antônio Jeová Santos:

“Coloca-se a perda da chance, considerada como a frustração de uma oportunidade em que seria obtido um benefício, caso não houvesse o corte abrupto em decorrência de um ato ilícito. A oportunidade que é frustrada não é o benefício aguardado, mas a simples probabilidade de que esse benefício surgiria, se não houvesse um corte no modo de viver da vítima” (2016, p. 106).

Um exemplo clássico a respeito da visão de Gondim (2013, p. 137), é o caso do “Show do Milhão”, tendo em vista que o participante estava diante de quatro alternativas em uma pergunta que poderia lhe garantir o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), contudo, nenhuma das quatro perguntas foi considerada correta, impossibilitando o participante de escolher um alternativa que parecesse correta, porém, em recurso especial no Superior Tribunal de Justiça, valor da reparação foi calculado a partir da vantagem esperada, a partir do percentual de probabilidades existentes para que a resposta fornecida fosse correta, ou seja, R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais).

Em posição absolutamente contrária em relação ao médico, Maria Celina Bodin de Moraes (2009, p.157) divide a responsabilidade em duas situações, o qual o dano patrimonial exige uma comprovação do dano sofrido para efeitos de indenização, porém em relação ao dano moral, não é necessário a comprovação de qualquer dano sofrido pela vítima, bastando apenas a violação à personalidade da vítima.

“Assim, no momento atual, doutrina e jurisprudência dominantes têm como adquirido que o dano moral é aquele que, independentemente de prejuízo material, fere direitos de personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais, entre outros. O dano é ainda considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas” (IDEM, P,158).

Para a violação da personalidade da vítima não basta a simples situação de sofrimento da vítima em sentido amplo, mas somente em casos em que a vítima sofra situações graves o suficiente para afetar a dignidade humana a igualdade, podendo ser diante da violação à integridade psicofísica, a liberdade e a solidariedade familiar ou social, no plano extrapatrimonial em sentido estrito, podendo ocorrer por dolo ou culpa, o qual diante dessa situação não pode ser estabelecido um teto para a quantificação do dano (MORAES, 2009, p.186).

Como um mecanismo de reforço diante das palavras de Maria Cecilia Bodin (2009, p187.), vale ressaltar que há a dignidade da pessoa, o qual a ideia de dignidade da pessoa humana está atrelada ao reconhecimento dos direitos humanos fundamentais, que constituem o "mínimo existencial" para que possa se desenvolver e se realizar, havendo uma hierarquia natural entre os direitos humanos, de maneira que uns são mais existenciais do que outros.

Além disso, o direito à vida é um direito primordial, mas não somente a vida em si, mas de forma digna, sendo que o Superior Tribunal de Justiça entende o direito à saúde como elemento essencial à dignidade da pessoa humana, portanto, podemos concluir que o direito à saúde é conexo ao direito à dignidade.

Para complementar esses direitos, um importante projeto de lei proposto pelo senador Senador Cristovam Buarque (2010), chamado de PEC da felicidade, que está em trâmite, objetivando implantar o direito a felicidade como direito fundamental no artigo sexto da Constituição Federal, sendo um direito muito importante e que está de perfeita conexão com o direito a saúde e a dignidade humana direitos sociais que a Constituição Federal nos apresenta são indicados como garantias mínimas para que o indivíduo possua uma existência digna efetiva concretização dos direitos no cenário atual.

4. DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

A teoria da perda de uma chance trata dos casos em que ocorre a prática do ato ilícito médico que resulta no prejuízo a uma pessoa que possuía uma chance real de cura.

A teoria da perda de uma chance em relação ao erro médico é controversa e muito discutida para possibilitar a demonstração do grau de culpabilidade do profissional médico em relação ao seu paciente, sendo assim possível a aplicação da teoria da perda de uma chance por meio de critérios lógicos para sua aplicação, mas também a possibilidade do reconhecimento de um possível propósito de excludente de sua responsabilidade civil do médico pela perda de uma chance no decorrer de uma determinada situação.

Como mencionado anteriormente, o profissional médico possui uma obrigação intermediária, ou seja, comprometendo-se a empregar todos os recursos ao seu alcance, sem, no entanto, garantir sempre um êxito em seu procedimento.

Entretanto, o médico defronta com a vida humana e em situações muitas vezes imprevisíveis, o que reverte o seu erro mais dramático comparado ao que ocorre em outras profissões, o que abstrai o entendimento dos tribunais de que somente pelo fato de existir um tratamento harmonizado que poderia ser realizado ao paciente faz nascer um dano a ser indenizável, pois havia uma chance para que o paciente pudesse sobrevier mas que foi retirada pelo erro cometido pelo médico, restando apenas quantificar o dano para ser reparado ao valor da chance perdida.

Por mais que o profissional médico possua conhecimento de como agir em determinados casos e seja considerado adorável por seus pacientes, as circunstâncias em determinados casos se alteram diante do lapso temporal, estando o médico obrigado a se atualizar diante das técnicas profissionais diariamente, acompanhando o progresso da ciência médica, para ter um desempenho adequado em benefício do paciente, aplicando o procedimento correto em cada caso.

Vale ressaltar que, apesar da responsabilidade civil dos médicos não estar interligada ao resultado do tratamento, mas ao emprego dos meios disponíveis para um resultado satisfatório, muitas vezes o erro médico antecede ao tratamento e se restringe ao mero diagnóstico da patologia e com isso, o Superior Tribunal de Justiça compreende que o erro no diagnóstico resulta em danos morais passíveis de indenização, estando em concordância com o pensamento semelhante a autora Maria Celina Bodin de Moraes em relação ao dano moral, não sendo necessário a comprovação de qualquer dano sofrido pela vítima, bastando apenas a violação à sua personalidade.

Vale ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça possui diversas decisões utilizadas a aplicação da teoria da perda de uma chance:

“CÂNCER. TRATAMENTO INADEQUADO. REDUÇÃO DAS POSSIBILIDADES DE CURA. ÓBITO. IMPUTAÇÃO DE CULPA AO MÉDICO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE. REDUÇÃO PROPORCIONAL DA INDENIZAÇÃO. 1. O STJ vem enfrentando diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda de uma chance em sua versão tradicional, na qual o agente frustra à vítima uma oportunidade de ganho. Nessas situações, há certeza quanto ao causador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna aplicável o critério de ponderação característico da referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada. Precedentes. 2. Nas hipóteses em que se discute erro médico, a incerteza não está no dano experimentado, notadamente nas situações em que a vítima vem a óbito. A incerteza está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em princípio, o dano é causado por força da doença, e não pela falha de tratamento.

3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode ser considerado um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente econômico, a exemplo Jurisprudência/STJ – Acórdãos do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação da teoria da causalidade proporcional. 4. Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo final experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma redução proporcional. 5. Recurso especial conhecido e provido em parte, para o fim de reduzir a indenização fixada” (BRASIL, STJ, 2012)

Nesse sentido, tem-se o mesmo pensamento em relação à cirurgia plástica de fins estéticos, sendo o erro de diagnóstico uma obrigação de resultado e, portanto, regulada pela responsabilidade objetiva, independente da constatação de culpa, bastando a verificação do dano, além do próprio defeito na prestação do serviço, para configurar o dever de indenizar, com fulcro no artigo 927 do Código Civil, todo dano causado à outrem deve ser indenizado, independentemente da culpa do autor ou da atividade exercida por ele, mesmo quando sua atividade for passível de causar risco à terceiro.

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (BRASIL, 2002) (Grifo nosso).

O intuito principal é anexar o médico no rol do artigo 927 do Código Civil para sua responsabilização objetiva, conforme entendimento de Roberto Lauro Lanam (2005):

“Por outro lado, parece claro que a doutrina e a jurisprudência inclinam-se favoravelmente a considerar como atividades de risco, todas aquelas que colocam em risco a vida e a saúde humana, estendendo a abrangência do conceito das atividades de risco ao arbítrio do julgador, na ausência da norma reguladora, deixando com isso, uma porta aberta para a caracterização do próprio ato médico como sendo uma atividade de risco.

Destarte, cabe a obrigar a indenizar, desde que estabelecido o nexo causal entre a ação e a lesão causada pelo agente, por conseguinte configurando a responsabilidade objetiva em lugar da subjetiva”.

Por estar envolvendo o maior bem que existe, ou seja, a vida, vem com a mesma linha de raciocínio o autor Genival Veloso França salientando que:

“Ha certas profissões, e a Medicina é uma delas, que, por sua natureza e circunstancias, criam perigo de danos a outrem. Não existe medico, por menos experiente que seja ou paciente por mais ingênuo que possa parecer, que não estejam cientes do risco gerado na tentativa de salvar uma vida ou restabelecer uma saúde. Mesmo o mais tímido e discreto ato médico é passível de risco” (2014, p.318).

Pode-se considerar com isso, a medicina é uma profissão diferenciada que lida com a vida, o bem mais precioso que uma pessoa possui, e com isso, o profissional médico, antes de exercer sua profissão, está plenamente ciente que há uma grande responsabilidade que pode gerar um direito a qualquer momento ao realizar qualquer procedimento diante de seu paciente.

CONCLUSÃO

O presente trabalho sobre a responsabilidade civil perante o erro médico, com enfoque na aplicação da teoria da perda de uma chance, buscou apresentar as possíveis formas de responsabilidade do médico em relação ao paciente lesado para o direito de uma eventual indenização.

Nota-se que a demonstração de culpa no âmbito do direito médico é um procedimento dificultoso, necessitando de diversas técnicas, que na maioria dos casos só podem ser realizados por indivíduos especializados no assunto, ademais os juristas envolvidos em um caso envolvendo responsabilidade médica, normalmente são leigos em medicina, necessitando de uma perícia do ponto de vista fático.

Percebe-se que o enfoque principal foi em relação ao direito fundamental do paciente lesado, direito esse que é inerente ao homem, decorrente de sua própria natureza e dignidade, valendo-se do princípio da dignidade da pessoa humana, que é o princípio fundamental na vida e na consciência do homem.

Diante dessa situação, pode-se considerar o direito à indenização como direito fundamental relacionada à vulnerabilidade da pessoa, à sua integridade física e saúde, abarcadas nos artigos 949 e 950 do Código Civil.

Indubitavelmente, a atividade médica é repleta de riscos para vários direitos fundamentais da pessoa humana, como saúde, integridade física, moral e a vida, havendo a presença dos direitos fundamentais da pessoa humana no que diz respeito a sua dignidade, protegendo tanto os pacientes, mas também os médicos, exigindo de ambos uma eticidade em suas condutas.

Embora o posicionamento doutrinário dominante determine que êxito deverá ser de no mínimo 50%, a teoria da perda de uma chance determina que o médico deve sempre estar atualizado e capaz de utilizar-se de todos os meios possíveis para enfrentar determinados procedimentos médicos e a obrigação de curar quando existir ao menos uma chance possível.

Pode-se considerar que, a indenização pela perda da chance de cura não se restringe exclusivamente na questão de indenização em relação ao dano material ou moral, mas sim na dignidade humana da vítima que são violadas e perturbam a solidariedade social, sendo assegurada a devida indenização pelas garantias constitucionais.

Conforme analisado, busca-se um caminho para a responsabilidade civil do médico para a realização da devida indenização ao paciente, devendo esta indenização ser fixada pelo juiz, levando-se em conta não apenas aspectos relacionados exclusivamente a vítima, mas também aos seus familiares que sofrem diante dessa consequência pelo dano ricochete, levando-se em consideração para a fixação do dano as consequências e gravidade do dano para o homem médio e as condições pessoais da vítima lesada, direcionado à dignidade humana buscando realizar a verdadeira constitucionalização no Direito Civil.

Portanto, ao discorrer sobre a teoria da perda de uma chance, buscou-se não encontrar formas para a exata reparação à vítima, mas procurar atingir o máximo respeito à dignidade humana diante do sofrimento físico e psicológico provocado tanto na pessoa do paciente como de sua família, o qual diante da impossibilidade de reparar a vítima à um estando anterior “status quo ante”, a indenização terá por objetivo amenizar o sofrimento.

 

Referências
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Nota
[1] (STJ edita súmula sobre danos estéticos e morais. Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2009-ago-31/possivel-acumular-danos-esteticos-morais-sumula-stj>. Acesso em: 15 set. 2017.)


Informações Sobre o Autor

Augusto Ribeiro de Gouvea Neto

Advogado


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