O risco de engessamento do direito em virtude da lacuna no sistema brasileiro de precedentes obrigatórios

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Resumo: O presente artigo aborda uma análise sobre o sistema jurisdicional de fontes adotado pelo Brasil e sua modificação ao longo da história com a introdução de precedentes judiciais vinculantes verticalmente. Busca-se refletir sobre a maneira de instituição do sistema no país, além de verificar se sua aplicação no modo como se encontra caracteriza obstrução do acesso à justiça por inexistência de mecanismo positivado de superação (revogação) das jurisprudências dominantes que são classificadas como obrigatórias. Aborda-se, adiante, breve revisão histórica e teórica sobre a aplicação do sistema fortemente introduzido pelo Código de Processo Civil Brasileiro de 2015 (CPC/15).[1]

Palavras-chave: civil law. Revogação. Precedentes obrigatórios.

Abstract: This article deals with an analysis of the jurisdictional system of sources adopted by Brazil and its modification throughout history with the introduction of vertically binding legal precedents. It seeks to reflect on the way of institution of the system in the country, and to verify if its application in the way it is characterized obstructs the access to justice due to the lack of a positive mechanism to overcome (revocation) the dominant jurisprudence that are classified as mandatory. A brief historical and theoretical review on the application of the system strongly introduced by the Brazilian Code of Civil Procedure of 2015 (CCP/15).

Keywords: civil law. Revocation. Precedents mandatory.

Sumário: Introdução. 1 Breve histórico: escolas civil e common law. 2. Precedentes judiciais na órbita do direito brasileiro. 3. Método de superação de precedentes. 3.1. Overruling (anulando). 3.2. Deficiência na revogação de precedentes no Brasil. Considerações finais. Referências.

Introdução

Difundidas mundialmente, as escolas jurídicas de origem anglo-saxônica (common law) e romano-germânica (civil law) definem a essência do sistema de fontes formadoras do universo jurídico dos países que optam por uma ou outra.

No Brasil, país cuja sistemática se filia à tradição romanística (civil law), as questões levadas à apreciação judicial são fomentadas e solucionadas, preponderantemente, à luz da norma positivada por meio do trabalho legislativo parlamentar. Ao contrário, em países onde se vislumbra a manifestação do common law, há pouca difusão normativa das relações jurídicas, sendo que o exercício jurisdicional é norteado por costumes e precedentes judiciais em casos semelhantes.

Ao longo da evolução do sistema de fontes Brasileiro, vislumbrou-se a necessidade da inserção de institutos utilizados nos países de common law, trata-se dos denominados precedentes judiciais que, em explicação breve, são decisões judiciais que visam pacificar a interpretação jurídica acerca de determinado preceito previsto em lei, a fim de que se uniformize a aplicação aos casos fáticos.

Difundidos fortemente pelo Código de Processo Civil de 2015, a afirmação de teses jurídicas vinculantes no Brasil possui alguns problemas, dentre eles (o objeto do presente artigo) a ausência de previsão de mecanismos para revogar ou modificar precedentes que encontram-se obsoletos ou equivocados diante do cenário social e jurídico.

Pretende-se, portanto, verificar a aplicabilidade da força normativa atribuída às decisões judiciais, tendo em vista aspectos como a limitação ao acesso à justiça, contexto de corrupção que atinge inclusive o Judiciário, além da insegurança jurídica trazida pela não regulamentação de procedimento superador de precedentes que encontrarem-se em desconformidade com o universo jurídico e o meio social a que se aplica.

1 Breve histórico: escolas civil e common law

Leciona Willian Pugliese (2016) que os primeiros traços da tradição civil law foram fixados no Direito Romano, notadamente por Justiniano, que em busca da pacificação de conflitos interpretativos acerca das normas jurídicas da época, deu início à compilação denominada Corpus Juris Civilis, no século VI.

A citada compilação era composta de cinco capítulos, divididos por matérias, sendo elas: direito das pessoas, direito de família, sucessões, propriedade e obrigações.

Com a queda do Império Romano no ocidente (em meados do ano 476), A Europa deixou de subordinar-se à compilação feita por Justiniano, e com a conquista de parte do continente pelos germanos, estes trouxeram costumes próprios, com consequentes modificações ao Corpus Juris Civilis. Daí nasce a atribuição do sistema civil law às nações romanas e germânicas.

Merryman e Pérez-Perdomo (2009, p.31) dissertam que o principal objeto de estudo nas primeiras universidades europeias era o Corpus Juris Civilis, isso porque “o grande livro de direito era o Corpus Juris Civilis, e especialmente o Digesto. Seu conteúdo era o direito romano, o direito do Império e o direito da Igreja (uma vez que a igreja vivia sob o direito romano). Como tal, este diploma continha a autoridade do papa e os poderes temporais do Imperador por trás de si. Isto o tornava em muito superior tanto em força como alcance, seja em relação a um príncipe local, às regulações de uma guilda, ou aos costumes locais.”

À medida em que os estudantes da Europa eram ensinados tão somente com base nos preceitos do Corpus, o direito Romano se difundiu pelo continente e a escola da civil law ganhou amplitude de aplicação.

Mais recente que a civil law, a tradição common law surgiu no ano de 1066, período em que os normandos conquistaram a Inglaterra.

A tradição em comento iniciou-se sem a presença de um código, não havia corpo escrito de normas. É onde reside a maior diferença entre as escolas.

Adiante, Pugliese (2016) afirma que ao final da Idade Média, instituiu-se na Inglaterra uma disputa de poderio, enredada entre os integrantes do parlamento e da coroa. Oportunidade em que os tribunais locais se filiaram ao parlamento e obstaram o progresso do poder dos monarcas, invocando a aplicação do direito costumeiro na Inglaterra.

Para Willian5 com a destituição de poder dos Stuart, monarcas governantes até então, o direito costumeiro ganhou força, ao ponto de “as mudanças no Direito, a partir de então só poderem ser realizadas mediante a cooperação e o consentimento dos diversos grupos de interesse representados pelo parlamento”.

O autor aponta, ainda, que a principal diferença entre as escolas é a fundamentação da common law nos costumes, ao passo que a civil law se opera através de texto normativo rígido.

Assim, a característica de vinculação a precedentes jurisprudenciais foi traçada ao longo da aplicação da sistemática, a fim de que se consolidasse e pacificasse as normativas costumeiras, garantindo, nesse ponto, a segurança jurídica dos sistemas que se filiavam à escola.

2 Precedentes judiciais na órbita do direito brasileiro

Inobstante as origens distintas e diferenças traçadas entre as tradições supra, é possível observar um diálogo entre elas. Na sistemática da common law, ainda que tímida e parca, há edição de norma jurídica positivada por órgão legislativo.

Igualmente, na tradição romanística – aí com olhos voltados para o Brasil atual -, a percepção de traços do sistema de precedentes tem se mostrado cada vez mais marcante.

Na lição de Pugliese (2016, p. 47), “A aproximação e a comunicação entre as duas tradições jurídicas não deveriam ser vistas como um fenômeno indesejado nem impossível. Todas as esferas de conhecimento humano têm se desenvolvido rapidamente em função da possibilidade de diálogo entre os países e, naturalmente, seria impossível deixar o Direito à margem deste processo”.

Marcelo Alves Dias de Souza (2017) remota a origem das súmulas de julgamento[2] no Brasil à década de 1960, período em que o Supremo Tribunal Federal (STF), em virtude do acúmulo de processos a serem apreciados e visando fornecer maior certeza à aplicação do Direito, na sessão de 30 de agosto de 1963, através do trabalho realizado pela Comissão de Jurisprudência do Tribunal, composta pelos ministros Gonçalvez de Oliveira, Pedro Chaves e Vitor Nunes Leal, incluiu-se no regimento interno do STF a possibilidade e o procedimento para edição de Súmula de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (art. 102 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Finalmente, em 13 de dezembro de 1963, foi aprovada a primeira súmula de jurisprudência da Corte, que passou a vigorar a partir de 1º de março de 1964, súmula a qual, os demais julgadores deveriam passar a observar ao julgar caso semelhante.

Outro exemplo da adoção gradativa de traços do common law no Brasil está na emenda Constitucional nº 3 de 17 de março de 1993, considerada por Elpídio Donizetti (2016, p. 7) como sendo um “marco normativo da aplicação dos precedentes judiciais no Brasil”. A modificação constitucional possibilitou atribuição de efeito vinculante às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento de Ação Declaratória de Constitucionalidade[3].

Adiante, referência para a consagração da injeção de força normativa às orientações emanadas pelos julgadores, a Súmula Vinculante ingressou no texto constitucional com a chamada reforma do Poder Judiciário, proporcionada pela Emenda Constitucional n. º 45, de 8 de dezembro de 2004.

A modificação determinou, na redação do art. 103-A na Constituição Federal que “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante sobre os demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal […]”.

O Código de Processo Civil de 2015 consagrou a tendência de incrementação sistêmica, ao prever expressamente a obrigatoriedade de os tribunais uniformizarem sua jurisprudência e, ainda, impondo a aplicação da jurisprudência uniformizada aos casos em apreço, sendo que a desobediência a tais decisões normativas caracteriza hipótese autorizadora para que se ingresse com reclamação constitucional face ao julgador que descumpriu cabível aplicação de tese jurídica já firmada por tribunal superior.

Oportuna a colocação de algumas das previsões do Código de Processo Civil vigente que verdadeiramente instituem um sistema de precedentes no civil law brasileiro:

“Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II – os enunciados de súmula vinculante;

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1o Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1o, quando decidirem com fundamento neste artigo.

§ 3o Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

§ 5o Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores.”

Para Elpídio Donizetti, a uniformização das decisões judiciais é conveniente e respalda o respeito à segurança jurídica e à celeridade processual propiciada a casos que se identificam com o do precedente suscitado. Entretanto, adverte que a utilização da tese jamais pode implicar em revogação de leis, haja vista que, a rigor, a atividade jurisdicional consiste em interpretar e aplicar à luz do problema posto, jamais podendo resultar em texto legislativo. Lamenta Elpídio (2016, p. 5) que “Na prática, contudo, não é o que se verifica. Em nome de determinados princípios, aplicados sem qualquer explicação sobre a sua incidência ao caso concreto, o julgador se afasta completamente da lei, criando com suas decisões verdadeiras normas jurídicas.”

Problemas como a criação inconstitucional de nova norma jurídica através do exercício jurisdicional, o cenário de corrupção que assola o Poder Judiciário brasileiro, e a evolução social que em curto período cronológico faz com que o entendimento jurídico se torne obsoleto; fazem com que haja a necessidade de um mecanismo bem delineado de superação das teses. Sendo este mecanismo, o viabilizador de um sistema de precedentes eficaz instituído num país que historicamente não o adotava.

3 Método de superação dos precedentes

3.1 Overruling (anulando)

A formação do corpo normativo do país não depende tão somente da vontade do legislador. Muitos são os fatores que podem influenciar a edição de uma norma e sua interpretação, tais como o clima, a cultura e a economia.

Para Paulo Nader (2013), a eficácia do Direito enquanto pacificador e promotor do bem-estar social, só se consagra com a observância e atendimento às mutações dos fatores que o cercam, adequando-se sempre à realidade que regula.

De tal sorte, não se pode concluir que os entendimentos judiciais pacíficos devam perdurar imutáveis no tempo, caso contrário, aplicar-se-ia norma obsoleta que, embora à época de sua edição fosse considerada adequada, após a modificação dos fatores do direito, torna-se inapropriada.

Desse modo, a modificação do conjunto social que embasava determinada decisão paradigma, abre espaço para o instituto da anulação, conhecida no modelo norte-americano como overruling, que é a instauração de técnicas de superação dos precedentes judiciais.

Donizetti (2016) explica que ao contrário da distinção (distinguishing) que se restringe à aplicação no caso em apreço pelo magistrado, a anulação se enquadra em linhas gerais, onde, caso o confronto do precedente seja exitoso, este será revogado e perderá sua aplicabilidade no sistema ao qual pertencia. Dando margem a nova interpretação mais justa, adequada ao contexto que se modificou.

3.2 A deficiência na revogação de precedentes no Brasil

Conforme já explanado, os precedentes foram instituídos no direito brasileiro através da Constituição Federal e intensificados pelo Código de Processo Civil de 2015, principalmente.

A mais, os diplomas instituíram o dever acerca da uniformização jurisprudencial dos tribunais, tratou da possibilidade de sanção aos magistrados que negassem sua aplicação injustificadamente, além de prever os efeitos de uma possível modificação da tese jurídica, finalidade do §3º do art. 927 do CPC/15: “Na hipótese de alteração da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamentos de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.”

Inobstante toda a normativa, o diploma codificado é lacunoso no tocante ao procedimento para alterar a jurisprudência dominante, dando margem ao entendimento de que há grandes dificuldades, no Brasil, de pleitear a revogação de um entendimento obsoleto.

Luiz Guilherme Marinoni (2010, p. 510), entretanto, discorda da conclusão de que a sistemática instituída pelo CPC/15 constitui obstáculo do acesso à justiça, justificando seu raciocínio ao exemplificar que no recurso contra da decisão que não admite a apelação por confrontar jurisprudência do tribunal superior “O autor, no recurso de apelação, poderá argumentar que o seu caso não se amolda ao precedente ou que esse está a merecer revogação, seja por ter perdido congruência social ou consistência sistêmica (ter sido desgastado pela jurisprudência, ou ainda por não estar em consonância com a nova concepção geral do direito).”

Discordando de Marinoni, Igor Raatz (2017, p. 11) considera que aquele autor não observa que “os próprios Tribunais que formam a jurisprudência capaz de ‘desgastar’ o precedente, encontrar-se-iam sob um grau tão intenso de vinculação que tornaria praticamente impossível a produção de uma jurisprudência diversa”.

Sobre a modificação da jurisprudência, é salutar destacar alguns parágrafos do art.927, do CPC/15, a saber:

“§ 2o  A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. […]

§ 4o  A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.”

Destaca o código os requisitos de conteúdo de um questionamento para alterar enunciado sedimentado, além de seus efeitos, e a possibilidade de oitiva da opinião pública, entretanto, não menciona o caminho para modifica-lo, ou como acionar o órgão modificador.

Ora, por lógica sistêmica, o modificador do enunciado deve ser aquele de quem emanou, ou seja, o Supremo Tribunal Federal e Tribunais Superiores. Entretanto, o acesso a esses tribunais ocorre de maneira filtrada e restrita, onde recursos sequer são conhecidos só por estar a decisão recorrida de acordo com a jurisprudência dominante da corte.

Visualizemos o procedimento: o recurso (extraordinário ou especial) é apresentado ao juízo da decisão a que pretende recorrer, após o prazo dado à parte contrária para contrarrazoar, o presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido deverá negar seguimento ao recurso interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) ou do Superior Tribunal de Justiça (STJ), fundando-se no artigo 1.030, inciso I, alínea “b”.

Como exposto acima, o STF e o STJ sequer tomarão conhecimento do conteúdo do recurso, quiçá de sua intenção revogadora de precedente, pois é impedido de apreciar o conteúdo das razões recursais pelo procedimento instituído em lei.

Ora, qual seria, então, o caminho para revogar tais preceitos? Como combater decisão judicial que está pautada em precedente obrigatório, sendo o fundamento embasador da decisão o mesmo causador do não prosseguimento do recurso proposto?

A única solução que se vislumbra, diante dos óbices recursais, é a propositura de ação autônoma, sem natureza recursal, objetivando a revogação de tese jurídica sedimentada, de competência do tribunal de onde se origina o julgado, com trâmite regido pelo regimento interno do respectivo órgão.

Entretanto, há enorme lacuna normativa que inviabiliza uma ação dessa natureza, pois não existe definição positivada quanto: ao procedimento; os legitimados a serem titulares de um pedido de modificação; qual deve ser o quórum de aprovação para modificar a jurisprudência; e se haveria prévio juízo de admissibilidade exercido pelo juiz singular ou se deve ser proposto originalmente no tribunal decisor.

Raatz (2017) afirma que, assim como o sistema da codificação, o dos precedentes é ineficaz na finalidade de pôr fim à indeterminação do direito. Pois o sistema de precedentes proposto no Brasil instituiu defeitos e deu margem ao subjetivismo exacerbado do julgador na criação dos precedentes, os quais, independentemente de sua fundamentação, torna-se vinculante e com uma grande quantidade de barreiras que dificultam ou impossibilitam sua revisão.

A celeridade processual, o encurtamento de decisões e a aplicação do princípio da igualdade não podem ser buscados de maneira cega, sem visualizar as consequências de cada passo na implantação dos precedentes judiciais no Brasil. O fim não deve estar contaminado pelo meio, o custo dessa busca não pode ser o engessamento das decisões ou a dificuldade do acesso à justiça.

Considerações finais

A instituição de precedentes obrigatórios no sistema jurídico brasileiro pode ser positiva em diversos aspectos, pois a previsibilidade trazida pela sistemática em comento, permite a consecução de três objetivos, sendo eles: a orientação das condutas sociais das pessoas e da Administração Pública; “a proteção da confiança […], seja porque o comportamento previsto pela regra é socialmente desejável ou pela simples função de evitar uma surpresa”; e a redução de custo ao Poder Judiciário, pois quanto maior a previsibilidade, menor será o percentual de transgressão à norma, conforme disserta Pugliese (2016, p. 6).

Entretanto, a obrigatoriedade na aplicação da tese jurídica firmada em sede jurisprudencial pode gerar contradição se confrontada com o artigo 5º, inciso II da CRFB/88 que adota o sistema jurisdicional de leis, pelo qual o texto legislativo é a fonte primordial. A sistemática constitucional é mitigada, aqui, pela utilização de norma contida em decisão proferida pelo Poder Judiciário, que passa a ser obedecida como se lei fosse, pelos demais juízos no exercício de sua função da pacificação de conflitos judicializados.

Como consequência da contradição sistêmica onde, a Constituição Federal dita num sentido (civil law) e a Lei Federal em outro (common law), surgem problemas que maculam a intenção do legislador. Este, deveria atentar-se a um procedimento claro e que permita aos jurisdicionados gozarem de instrumentos para fazer com que a norma jurisdicional acompanhe a evolução social, consoante a lição reflexiva de Carneiro Júnior[4]: “ Um sistema inflexível e de uma tessitura instransponível levaria à paralisação da evolução jurisprudencial, sendo um verdadeiro obstáculo ao desenvolvimento do direito, impedindo sua evolução e sua adequação nas novas realidades sociais, econômicas e políticas.”

Destarte, o sistema como se encontra, não estrutura meio exequível seguro para controlar precedentes obrigatórios obsoletos ou equivocados (seja pela passagem do tempo ou circunstâncias, seja pela mácula da corrupção), arriscando os jurisdicionados a estarem submissos a um Poder Judiciário com decisões engessadas e inatingíveis.

Essa conjuntura põe em evidência como principal dos males do sistema mal introduzido, a dificuldade de se chegar aos tribunais superiores a fim de galgar a modificação de tese jurídica firmada em precedente judicial obrigatório. Transformando, ao fim, um mecanismo que busca segurança em inseguro juridicamente.

 

Referências:
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 03 out. 2016.
______. Código de processo civil brasileiro de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 08 out. 2016.
______ . Regimento interno do Supremo Tribunal Federal. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2017.
CARNEIRO JÚNIOR, Amilcar Araújo. A contribuição dos precedentes judiciais para a efetividade dos direitos fundamentais. Vol. 3. Brasília: Gazeta Jurídica, 2012.
DONIZETTI, Elpídio. A força dos precedentes judiciais no novo código de processo civil. Disponível em: http://www.tjmg.jus.br/data/files/7B/96/D0/66/2BCCB4109195A3B4E81808A8/A%20forca%20dos%20precedentes%20no%20novo%20Codigo%20de%20Processo%20Civil.pdf. Acesso em: 15 set. 2016.
MARINONI, Luiz GuilhermePrecedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 517.
MERRYMAN, John Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. A tradição da civil law: uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução de Cássio Casagrande. Porto Alegre: Serguo Antonio Fabris, 2009. p.21.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.
NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direiro. 35ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8ª ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2016.
PUGLIESE, William. Precedentes e a civil law brasileira: interpretação e aplicação do novo código de processo civil [livro eletrônico]. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
RAATZ, Igor. Precedentes obrigatórios ou precedentes à brasileira. Disponível em: http://www.temasatuaisprocessocivil.com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/192-precedentes-obrigatorios-ou-precedentes-a-brasileira#_ftn1. Acesso em: 05 set. 2017.
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. A origem das súmulas. Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/a-origem-das-sumulas/229114. Acesso em:10 mai. 2017.
 
Notas
[1] Artigo orientado pelo Prof. Evandro Borges Arantes – mestre em prestação jurisdicional em direitos humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT) e professor do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins (FACTO).

[2] Súmula é definida por Plácio e Silva (2012, p. 1341) como sendo o texto que “de modo abreviadíssimo explica o teor, ou o conteúdo integral de alguma coisa. Assim, a súmula da sentença, de um acórdão, é o resumo, ou a própria ementa da sentença ou do acordão. No âmbito da uniformização da jurisprudência indica a condensação de série de acórdãos, do mesmo tribunal que adotem idêntica interpretação de preceito jurídico em tese, sem caráter obrigatório, mas, persuasivo, e que, devidamente numerados, se estampem em repertórios”.

[3]A Emenda Constitucional n.º 3/1993 deu a seguinte redação ao § 2º do artigo 102 da Constituição: As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo.
Texto que foi posteriormente modificado pela Emenda n.º 45/2004, que determinou a atual redação: § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

[4] CARNEIRO JÚNIOR, Amilcar Araújo. A contribuição dos precedentes judiciais para a efetividade dos direitos fundamentais. Vol. 3. Brasília: Gazeta Jurídica, 2012, p. 305.


Informações Sobre o Autor

Bruna Roberta Pimenta dos Santos

Acadêmica de Direito da Faculdade Católica do Tocantins


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