As dificuldades na garantia da dignidade humana no sistema penitenciário brasileiro

Resumo: O recorrente estudo foi elaborado com a finalidade de identificar e demonstrar as dificuldades na garantia da dignidade humana no sistema prisional brasileiro, sendo que estudou-se de forma profunda os aspectos históricos e jurídicos que permeiam esse direito fundamental inerente a toda pessoa humana. Em primeiro instante, buscou-se compreender o surgimento da pena, bem como sua aplicabilidade no ordenamento jurídico atual, trazendo um confronto com o “ser” e o “dever-ser”. Por conseguinte, foi realizado um estudo sobre os motivos que levam a sociedade e o Estado a consentirem com a negação da dignidade humana do egresso, buscando dessa forma, desmistificar tal visão e evidenciar que todos são iguais perante a lei e merecem o mesmo tratamento e atribuição de Direitos.[1]

Palavras-chave: Dignidade humana; Sistema penitenciário; Execução Penal; Direitos humanos; Preso.

Abstract: The recurrent study was prepared with the purpose of identifying and demonstrating the difficulties in the guarantee of the human dignity in the Brazilian prison system, being that there were studied in the deep form the historical and legal aspects that permeate this basic right inherent in every human person. In the first instant, it was looked to understand the appearance of the feather, as well as his applicability in the current legal order, bringing a confrontation with the "being" and the "duty-being". Consequently, a study was carried out on the reasons that take the society and the State to be agreed with the negation of the human dignity of the ex-prisoner, looking in this form, to demystify such a vision and to show up that they all are the same before the law and deserve the same treatment and attribution of Rights.

Keywords: Human dignity; System prisoner; Criminal Execution; Human rights; Prisioner.

Sumário: Introdução. 1. As penas frente o direito brasileiro. 1.1. Conceito e apreciação histórica sobre a pena. 1.2. Teoria da pena. 1.3. Lei de execução penal. 2. Dignidade da pessoa humana. 2.1. Evolução histórica do princípio da dignidade da pessoa humana. 2.2. Conceitos e acepções da dignidade da pessoa humana. 3. Sistema prisional brasileiro e as dificuldades na garantia da dignidade. 4.1. Atual cenário do sistema prisional brasileiro. 4.2 Estado e sociedade: os principais responsáveis pelo caótico sistema prisional brasileiro. 4. Conclusão. Notas.

 INTRODUÇÃO

O atual sistema prisional brasileiro agoniza, enquanto o Estado e a sociedade agem de maneira omissa para a solução dessa problemática. Desta forma, observa-se no sistema prisional brasileiro, quase que de forma absoluta, violações por parte do Estado aos direitos dos detentos.

A Constituição Federal, o Direito Penal e os Direitos Humanos, são transgredidos diariamente, ferindo assim, os direitos fundamentais positivados por esses ordenamentos. O acesso à saúde, higiene, a educação, ao trabalho, ao estudo e principalmente ao reconhecimento a dignidade humana, são apenas alguns dos principais desafios que permeiam esse sistema.

Através do desenvolvimento histórico, o Brasil passou a adotar a teoria mista como sendo a finalidade da pena. Com isso, a pena passou a apresentar um caráter dualístico: a reprovação e a prevenção. Porém, ao fazer um confronto com a realidade da aplicação da pena, percebe-se que a integralidade social acerca dos sistemas prisionais, põe-se de forma indubitável o questionamento acerca do alcance dessas finalidades.

Embora, o sistema prisional brasileiro apresente esta finalidade da pena, é evidente que estamos longe de alcançar seu findado objetivo. Hoje, as unidades de detenção configuram-se como verdadeiros depósitos humanos, deixados a mercê de celas superlotadas, ausência de ventilação, em exposição as mais variadas doenças, sem acesso a uma higiene de qualidade, bem como sem nenhum fragmento de dignidade humana.

Em suma, um dos principais fatores que fazem com que essa problemática se acentue, é o descaso da sociedade acerca da temática. Emergiu na atualidade, o sentimento de que as penas são brandas para o infrator, existindo ainda correntes que defendem as inconvenientes penas de mortes. Isso, faz com que o Estado perca o interesse no investimento para esse setor, fazendo com que seja mais viável apenas punir, do que criar metodologias de ressocialização; torna-se mais fácil despejar indivíduos delituosos em celas e os deixarem cumprir suas penas, fazendo que se inexista direitos, qualquer tipo de dignidade e qualidade de vida.

Assim, é de suma importância pleitear esse tema, com o propósito de analisar as dificuldades que permeiam o sistema prisional brasileiro, objetivando dessa forma melhorar o estado desordenado constituído nos dias atuais, bem como desmistificar a ausência de dignidade ao indivíduos que se encontram em estado de detenção, afim de demonstrar que todos são portadores desses direitos e merecem seu reconhecimento, sendo principalmente que sejam assegurados, tanto pelo Estado, quanto pela sociedade.

1 AS PENAS FRENTE O DIREITO BRASILEIRO

1.1 Conceito e Apreciação histórica sobre a pena

Para o sistema penal brasileiro, existem duas espécies das chamadas sanções penais: pena e medida de segurança. Quando um agente pratica um crime, e é considerado culpado perante o poder judiciário, este passará a sofrer uma sanção penal.

A sanção penal é um gênero, onde a pena é aplicada aos imputáveis. Por outro lado, tem-se a medida de segurança, que decorre sobre um indivíduo que atua sem discernimento e comete um ato criminoso, não tendo noção da realidade em torno de si e das consequências que essa prática criminosa pode causar. Este último é considerado inimputável.

Por conseguinte, ao analisar o conceito de pena, Damásio de Jesus (2003, p. 519) diz: “A sanção aflitiva pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos”.

Já ao analisar o conceito de Cleber Masson (2012, p. 540):

“Pena é espécie de sanção penal consistente na privação ou na restrição de determinados bens jurídicos do condenado, aplicada pelo Estado em decorrência do cometimento de uma infração penal, com as finalidades de castigar seu responsável, readaptá-lo ao convívio em comunidade e, mediante a intimidação endereçada a sociedade, evitar a prática de novos crimes ou contravenções penais.”

Com ambos conceitos, percebe-se que a palavra pena remete a uma medida adotada pelo Estado, de maneira repreensiva, que consiste em reprovar e ao mesmo tempo prevenir quaisquer condutas delituosas que possam surgir futuramente. Dessa forma, configura-se como uma retribuição da sua conduta que não está em consonância com o lícito.

Ademais, a pena surge como resposta estatal necessária a uma sociedade organizada, ao passo que, a inexistência desse mecanismo, tornaria a vida em sociedade impossível de se viver.

Acredita-se que desde que os primeiros homens começaram a viver em sociedade, houve a criação das penas. A primeira citação histórica, está presente na Bíblia Sagrada, sendo citada no capítulo do gênesis, quando Adão e Eva provaram do fruto proibido e foram expulsos do jardim do Éden.

Ao analisar as penas em um primeiro instante da história, observa-se que possuíam natureza meramente vingativa, marcadas por um caráter extremamente cruel em sua aplicação. Não se visava a correção do delito, muito menos a reeducação do agente delituoso.

Assim, pontua Teles (2006, p. 314):

“As primeiras penas eram manifestações de vinganças individuais, extremamente severas e absolutamente desproporcionais, arbitrárias e excessivas. O próprio ofendido ou alguém por ele, geralmente um seu parente de sangue, exercia o direito de punir, impingindo ao agressor do interesse a pena que bem entendesse, em qualidade e quantidade.”

É possível evidenciar como agiam essas penas absolutamente cruéis, ao analisar a lei de Talião, prevista no Código de Hamurabi (Lei escrita mais antiga da humanidade), que agia na rigorosa reciprocidade do crime e da pena – retaliação. Esta lei está associada com idéia do “Olho por olho, dente por dente”.

Ao avançar um pouco na história, com a evolução do Direito, bem como da mentalidade humana, a visão da finalidade da pena apenas como vingança é deixada de lado e influenciada por uma forte humanização, suas características passam por uma grande reforma, podendo ser destacado:

1)    Proporcionalidade com o crime – Encerra-se o ciclo de crueldade e insensatas condenações à morte por delitos completamente insignificantes; Ademais, adota-se critérios para se estabelecer qualquer tipo de castigo, assim como o tempo de duração.

1)    Pessoalidade da pena – A pena passa a apresentar um caráter individualizado, sendo concernente ao Juiz que no decurso de fixação da pena, analisar as condições pessoais de cada criminoso.

2)    Legalidade – Só pode ser legal a pena que é proferida por Juiz competente, através de um processo regularizado, cuja observâncias das formalidades sejam cumpridas.

3)    Igualdade – O tratamento dos condenados passou a ser igual para todos indivíduos que transgridem a lei.

4)    Deve ser o máximo Correcional possível – Passou a ser Dever do Estado, a reeducação, assim como a ressocialização do criminoso, com a finalidade de criar novos hábitos e vocação para o trabalho.

Atualmente, prevê o Código Penal Brasileiro, três tipos de penas, dispostas no art. 32 do aludido ordenamento, sendo estas as penas privativas de liberdade, as penas restritivas de direito e a multa.

1.2 Teorias da Pena

Com as transformações históricas, buscou-se desenvolver opiniões científicas acerca da função da aplicação das penas, a fim de objetivar uma efetivação ao combate da criminalidade. Essas forem chamadas de Teorias da pena, sendo que em síntese, consistem em uma resposta às práticas criminosas. Em seguida, passa-se a explanar sobre as principais teorias da pena: teorias absolutas, teorias preventivas e as teorias mistas.

As teorias absolutas, chamadas também de teorias retributivas, apresentam sua gênese no Código de Hamurabi, principalmente na Lei de Talião, ao passo que não pretendem, sob nenhum prisma associar finalidade na aplicação da pena, visando apenas no puro e simples ato de punir para que se alcance a justiça. Busca enxergar a pena apenas em uma visão única de castigo.

Existe uma grande crítica acerca da teoria absoluta, que se encontra na ausência de possibilidade ao combate concreto da criminalidade. Isso ocorre, porque a pena por si só, não é o único meio disponível para se alcançar à justiça.

Adiante, ao analisar as teorias relativas, conhecidas inclusive como teorias preventivas, buscam após a finalização da punição do agente delituoso, desencorajar que a conduta ilícita retorne a se repetir.

Sobre essa teoria, Teles (2006, p. 322) afirma:

“[…] contrapõem-se às absolutas, pois buscam apresentar a pena com uma finalidade de natureza política e de utilidade para os homens e a sociedade. A punição imposta ao agente do crime destinar-se-ia a prevenir a ocorrência de novos crimes.”

Por fim, a teoria mista, reconhecida também como teoria unificadora, configura-se como a junção das duas teorias supracitadas. Assim, passa a apresentar finalidade dualística: Punir e ressocializar. Atualmente essa teoria é adotada pelo ordenamento jurídico Brasileiro para gerir e aplicar a pena.

Ao se fazer um confronto com a realidade atual do sistema prisional Brasileiro, percebe-se que dessas finalidades, apenas a punição está sendo cumprida. Quanto ao caráter ressocializador, mínimas são as unidades que apresentam essa finalidade.

Isso ocorre, devido a falência do Sistema, para gerir metodologias e programas que atendam a finalidade de ressocialização, que passaremos abordar a seguir.

1.3 Lei de Execução Penal

A lei de execução penal (LEP), foi criada pelo legislador com a finalidade – declarado no art. 1º da Lei n. 7.210 de 11 de julho de 1984 -, de buscar a harmonia social e a recuperação daqueles que por algum motivo se desviaria do comportamento padrão, seguido pela sociedade.

De imediato, podemos observar que o resultado prático daquilo que podemos absorver do art. 1º da LEP, está longe da realidade. Diferente daquilo na LEP, o sistema prisional brasileiro tem se mostrado incapaz de atender e satisfazer os atributos desta lei.

Por outro lado, tem-se agentes criminosos retornando para a sociedade cada vez piores e violentos.

A lei de execução penal visou e visa planejar novos caminhos para que o apenado possa além de se tornar um cidadão recuperado, através de direitos e deveres, como também em ter e receber um tratamento digno e humano durante sua privação de liberdade, o que por conseguinte possibilitaria uma inserção adequada ao meio social.

Entretanto, apesar de haver no ordenamento jurídico um grande avanço com a promulgação da LEP, a materialidade presente na lei, não tem se concretizado no plano real, existindo assim uma incompatibilidade entre o sistema prisional e a lei. Isso se comprova com a realidade exposta nos telejornais e jornais do mundo inteiro, uma triste realidade que assistimos estarrecidos.

Atualmente, a lei de execução penal é uma das mais avançadas do mundo, e caso fosse devidamente cumprida acarretaria inúmeros benefícios sociais, colaborando para que nos distanciássemos da realidade atual.

Sobre essa lei, explica Machado (2008, p. 51):

“A referida Lei é de grande importância para a reintegração do sentenciado, já que a gama de possibilidades de reeducação que propicia, por meio de direitos, deveres, trabalho, tratamento de saúde física, integridade moral, acompanhamento religioso, dentre outros, evitando que o mesmo fique dentro do estabelecimento penal sem nada produzir.”

Atendendo a finalidade da sua criação, a LEP assegura ao preso os seus devidos direitos, sendo estes: direitos políticos, direitos a assistência, educação, religião e outros. Não é suficiente apenas a punição de forma severa, como já mencionado, mas tendo em vista que a privação da liberdade, já não configura-se como um momento agradável na vida existencial do egresso, sendo dessa forma, faz-se necessário a existência de mecanismos que o faça progredir em seu convívio social.

Através da LEP, o sentenciado possui um rol de direitos assegurados, como por exemplo: Vestuário, trabalho, alimentação, pecúlio, previdência, entrevista com advogado, visita, chamamento nominal e dentre outros. Além disso, apresentam assistências: material, saúde, jurídicas, religiosas e social.

Para Santos (1998, p. 26), estão de forma explícita a confirmação do direito dos presos:

“Estão definidos no artigo 41 da LEP, em quinze incisos, que reúnem um amplo aspecto de garantias, a saber: alimentação suficiente e vestuário, atribuição do trabalho e sua remuneração, previdência social,constituição de pecúlio, proteção contra qualquer forma de sensacionalismo,entrevista pessoal e reservada com o advogado, e assim, por diante."

Além disso, estabelece a LEP o direito ao lazer, devido às condições psicológicas muitas vezes deturpadas dos egressos. Assim, cria-se essa necessidade de ter acesso a luz solar, à prática de esporte, como uma certa forma de fuga do aprisionamento. Entretanto, hoje, a ausência de estrutura física das unidades prisionais, contribuem para a não perpetuação desse direito. Isso se comprova, através da superlotação presente em todo o sistema, em escala nacional.

Agravado a isso, atualmente prevê a LEP a individualização da pena. Entretanto, ao vislumbrar da realidade atual, percebe-se que a falta de estrutura presente no sistema prisional, impossibilita essas condições. Existem um amontoado de infratores, das mais diversas tipologias, contribuindo assim por uma escola de crime.

Sobre esses direitos, discorre Beneti (1996, p.56): “esses direitos provém de garantias que, em última análise, remonta à Constituição Federal, em sintonia com os direitos fundamentais do preso, assinalados em diversos documentos internacionais”.

Percebe-se que os direitos dos egressos são expressamente positivos, apresentando carácter ressocializadores, além dos punitivos, como prevê a teoria mista da pena. Porém, as condições em que se encontram o sistema prisional brasileiro é assustador. A quantidade de presos é alta, sendo que as condições físicas deixam muito a desejar, colaborando assim, para que em muitos casos não haja projetos que objetivem a ressocialização e reintegração do detento na sociedade.

Segundo Machado (2008, p. 51), “ressalta-se que o termo ressocialização refere-se à habilidade de tomar a pessoa novamente capaz de viver em sociedade, como faz a maioria dos homens”.

Assim, observa-se que a realidade necessita de mudanças e as condições em que se encontram os sistemas prisionais, também devem ser ajustados pelo Estado. A lei de execução penal, apresenta-se de forma clara e com extrema exatidão as garantias dos direitos dos detentos, sendo que esses devem ser fielmente aplicados.

2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A fim de se chegar a compreensão sobre as dificuldade na garantia da dignidade humana no sistema prisional brasileiro faz-se necessário primeiramente, entender o princípio da dignidade da pessoa humana. Para tanto, foi necessário uma análise profunda de seu conceito e um estudo de sua evolução histórica para se alcançar os pontos principais que essa temática traz consigo.

2.1 Evolução histórica do princípio da dignidade humana

O princípio da dignidade da pessoa humana teve diferentes acepções ao longo da história. E é de enorme relevância para este estudo entender o passado, para que possamos compreender o presente e melhorar o futuro.

A dignidade humana pode ser detectada já no início do Cristianismo, onde na Bíblia Sagrada, no livro de Gênesis, capítulo 1, versículo 26, encontramos que Deus fez o homem a sua imagem e semelhança. Já à dois mil anos atrás o princípio da isonomia se fazia presente (ao menos nos textos). A dignidade e a igualdade estão entrelaçadas, são dependente entre si. Um ser humano só terá dignidade se houver tratamento igualitário. Logo, um tratamento igualitário só será válido se for digno.

Passado esse início do Cristianismo, já no período medieval. A dignidade não tinha mais o sentido de igualar todos os seres humanos, mas justamente fazer o contrário. Segundo Sarlet (2011, p. 27) o termo dignitas era utilizado para mostrar “a posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade[…].” Nessa época a dignidade era uma qualidade para poucas pessoas, apenas quem estava no topo da hierarquia e detinha o poder era digno, como os reis e os senhores feudais. Para a plebe e os escravos a dignidade inexistia. Também de acordo com Sarlet, foi apenas em Roma, com o jurisconsulto Marco Túlio Cícero, após suas formulações, é que a dignidade começou a voltar a ter o seu real significado. Não sendo mais vinculada a cargos ou posição social. Mas, a de que as pessoas a tinham intrinsecamente pelo fato de serem todos humanos.

Caminhando alguns séculos na história, chega-se às atrocidades das grandes guerras mundiais e dos regimes totalitaristas, que dizimaram centenas de milhares de pessoas. Nesse período a dignidade humana foi totalmente esquecida, aniquilada e exterminada. O princípio de que todos são iguais e de que não se deve utilizar às pessoas como meios também foi deixado de lado. Foi uma época de negação dos direitos humanos, direitos esses que tem como pilar a dignidade humana. Contudo, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), passou-se a dar mais atenção aos direitos humanos, principalmente no que tange a dignidade humana. Tanto que desencadeou-se uma série de outras reformas, tratados e convenções protegendo esses direitos para que não acontecesse mais tamanhas atrocidades.

2.2 Conceitos e acepções da dignidade da pessoa humana

Após essa breve linha cronológica pela qual passou a dignidade humana, os próximos parágrafos são destinados a compreender a essência da dignidade humana.

O conceito de dignidade humana é difuso, polêmico e até mesmo controverso. Há nas doutrinas uma certa dificuldade em se chegar a um conceito mais ou menos homogêneo. Desse modo, pode-se dizer que a dignidade humana é um atributo que todo e qualquer ser humano possui. Essa peculiaridade humana é o que possibilita que as pessoas sejam iguais em direitos e deveres. Sendo assim,“[…] a dignidade da pessoa humana envolve a concepção de que todas as pessoas, pela sua simples humanidade, têm intrínseca dignidade, devendo ser tratadas com o mesmo respeito e consideração.” (SARMENTO, 2016, p. 28).

Ademais, Immanuel Kant, brilhantemente nos mostra que, a dignidade contém a idéia da fórmula da humanidade. Essa ideia expressa que todo ser humano é único e nunca deve ser usado como um simples meio para a realização do arbítrio de outrem, mas apenas como um fim em si mesmo.

Assim também, Rogério Greco, ensina que a dignidade: “É algo inerente ao ser humano, um valor que não pode ser suprimido, em virtude da sua própria natureza. Até o mais vil, o homem mais detestável, o criminoso mais frio e cruel é portador desse valor.” (GRECO, 2017, p. 65).

É no princípio da dignidade humana que o direito natural encontra suas raízes. A partir dele vários outros direitos naturais são findados. A dignidade é o valor essencial do ser humano, faltando-lhe tal característica todos os outros valores ou direitos são inúteis.

Dessa maneira, segundo a corrente jusnaturalista, têm-se que a dignidade é inerente ao homem, este a adquire já ao nascer com vida. Além disso, a dignidade é: Inalienável, não admitindo-se a renúncia; Intrínseca, não dependendo de fatores externos; Imprescritível, não se perdendo com o decorrer do tempo, e; Universal, valendo para todos o seres humanos, sendo eles tratados de forma igualitária e humanizada, independente de cor, raça, religião, região ou classe social.

Ressalta-se também, a própria questão da dignidade dentro do respectivo ordenamento vigente, posto assim, um dos principais fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito, assim afeito no Art. 1º, III, da CF. Bem como, considera-se ser um dever do Estado intervir na opção do indivíduo quando lhe é ferida a dignidade, sendo esta uma característica da pessoa humana, subsidiada pelo Art. 34, VII, b, da CF. Cabendo também à União o dever de manter a salvo de toda forma de violência, crueldade e opressão.

Apesar do ordenamento jurídico brasileiro não ter aludido um conceito específico para dignidade, esta deve ser refletida sob a ótica de um direito inerente a todos, de forma que respeite o humano de modo a considerá-lo como pessoa de fato.

Essa virtude se perfaz como princípio norteador do ordenamento jurídico, que por sua vez adequa-se e coordena os demais juízos e preceitos que estão em vigor. Por tratar-se de um elemento que serve como sustentação para o ordenamento atual, a dignidade da pessoa humana possui uma característica um tanto quanto sublime, haja vista que essa virtude se consuma como espelho refletor para a aplicação dos demais preceitos. Por sua vez, é detentora de uma classificação intrínseca, devendo ser visada como um postulado normativo, considerando ser a dignidade o alicerce principal que dá sustentação para a criação dos demais regulamentos, malgrado não é outorgado a ninguém o direito de ferir esse alicerce, e por consequência, abrir lacunas no próprio regulamento.

 Destarte, se ponderados os ordenamentos jurídicos no mundo e os dispositivos de direito internacional, conclui-se por não haver uma definição específica legal, mas sempre uma semelhança; tendo como atributo à palavra significados que dão menção à honradez e honestidade, mas normalmente análogas à merecimento ético, sendo assim enfatizado aos considerados merecedores.

 Não obstante, se consuma como aplicação quando utilizado de modo a gerir uma forma de relação com os direitos fundamentais, um direito natural, e até mesmo um princípio de hermenêutica jurídica, pois se trata de uma disposição pérvia, um paradigma dialético e abstrato cujo conteúdo será preenchido concretamente a partir de certas circunstâncias de tempo, lugar e desenvolvimento histórico-cultural em cada coletividade. Trata-se de um montante que serve como norte para os demais valores, deveres, direitos e atos, tornando-se assim o alicerce que ampara todas as ramificações do ordenamento jurídico, podendo considerar a própria dignidade como pedra angular do sistema.

Diz-se acompanhante do desenvolvimento social, enquanto conjunto, pelo fato de um ato que hoje se concretiza como aceitável, num futuro, pode tornar-se intolerável por toda uma coletividade, ou vice-versa.

Por exemplo: A própria escravidão que era um instrumento “necessário” e admissível para os agrupamentos passados. No entanto, hoje se torna um proclamado da violação à dignidade da pessoa humana, visto ser um cenário completamente inaceitável.

Doravante, a tolerabilidade não se trata da subjetividade do sujeito, nem tampouco a circunstâncias individuais. Mas sim de uma ponderação objetiva, uma engrenagem responsável pelo funcionamento da aplicação normativa baseada nos parâmetros gerais da coletividade. Em suma, é notório que a dignidade da pessoa humana é um direito fundamental, um direito humano, um direito natural e um princípio de hermenêutica, levando sempre em consideração a segurança jurídica daqueles resguardados pelo ordenamento. Não deixando de ser uma cláusula consistente num vácuo de opções, cujo conteúdo traz em si um âmago de suportabilidade, servindo como norte condutor dos indivíduos; uma linha delimitadora da tolerabilidade de uma determinada coletividade, conforme seu espaço de tempo, lugar e desenvolvimento social.

No Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana vem sendo abundantemente usado em nossos Tribunais, até o momento da tessitura deste trabalho, o aludido princípio foi mencionado no Supremo Tribunal Federal[i] (STF) em 306 acórdãos, 3.405 decisões monocráticas e em 107 decisões da presidência. Já no Superior Tribunal de Justiça[ii] (STJ) foram 950 acórdãos e 31.690 decisões monocráticas. Constata-se que na jurisprudência dos tribunais a dignidade humana tem sido muito utilizada, mas como bem coloca Daniel Sarmento (2016, p. 37) “[…] a igualdade e a generalização dos direitos endossadas pelos textos constitucionais e pelos códigos, nem sempre se traduziram em mudanças sociais de viés emancipatório. Em geral a vida do Direito continua marcada por graves […] exclusões e assimetrias […]”. Não é pelo fato desse princípio ser tão usado que ele realmente está sendo cumprido á todos os brasileiros na prática. Ademais, o princípio da dignidade está lidado e diz respeito também às penas privativas de liberdade, como defende Rogério Greco (2010, p. 80) que: “Mesmo tratando-se de penas privativas de liberdade, o princípio da dignidade da pessoa humana, que deve orientar toda a vida legislativa do Estado, não poderá deixar de ser observado”. Tem-se que o princípio da dignidade humana está tanto no ordenamento jurídico como nos tribunais e, portanto, deve ser assegurado assiduamente, haja vista que é esse princípio que serve de sustento para todos os direitos fundamentais.

3 SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E ÀS DIFICULDADES NA GARANTIA DA DIGNIDADE

3.1 Atual cenário do sistema prisional brasileiro

Visto às ponderações sobre as penas e sobre a dignidade humana, para o estudo a seguir fundiu-se às duas temáticas para adentrar a análise das dificuldades na garantia da dignidade humana no sistema prisional brasileiro. Sabe-se que às penas privativas de liberdade têm hoje o caráter dualístico e não são mais às penas-castigo. É sabido também, que a dignidade humana é inerente ao ser humano, e este a têm independente daquilo que tenha feito.

O sistema prisional brasileiro vem se deteriorando ao longo dos anos. Não é novidade que ele não consegue cumprir com as funções que deveria. Existem falhas em todos os setores do sistema. Desde a infraestrutura até a administração. Os dados nos mostram que o sistema está totalmente falido, sem condições nenhuma de cumprir com o mínimo que deveria para não entrar em colapso.

No começo de 2017, a população brasileira ficou à par do caos que enfrenta o sistema penitenciário brasileiro, com as rebeliões que deixaram mais de 80 mortos em Manaus no Amazonas e em Alcaçuz no Rio Grande do Norte[iii]. Facções rivais batalharam entre si. Diversos presos foram torturados, decapitados, espancados e feitos reféns, a maioria dos que morreram estavam preso por roubo ou furto. Facas, facões, pedaços de ferro e armas de fogo estam em posse dos presos, que se rebelaram durante horas e até dias. Pavilhões foram destruídos, colchões queimados. Dezenas de detentos fugiram das penitenciárias.

Contudo, não é apenas no momento atual que o sistema enfrenta dificuldades dessa natureza. Ao observarmos que já em 5 fevereiro de 1989 em São Paulo[iv], após uma tentativa de rebelião no 42º DP, cerca de 50 detentos foram colocados em uma cela de 1mx3m, que obviamente não os comportaria. E como se não bastasse, houve ainda lançamento de gás lacrimogêneo, ocasionando a morte de 18 presos asfixiados e outros 12 hospitalizados. Outro caso, após três anos, em 1992, foi o Massacre do Carandiru, também em São Paulo. Após uma briga de dois detentos, iniciou-se um conflito generalizado que resultou na morte de 111 detentos executados a tiros pela polícia. Os que sobreviveram foram convocados a empilhar os corpos dos mortos. Do mesmo modo, em 2004, na casa de custódia de Benfica, no Rio de Janeiro, em uma disputa de facções que durou mais de 60 horas, 30 presos e um agente penitenciário foram mortos. A contagem e identificação das vítimas foi dificultosa, devido ao estado em que se encontraram os corpos.

Segundo a Constituição Federal de 1988, art. 5º, XLIX, “é assegurado aos presos, o respeito à integridade física e moral;” (BRASIL, 2017, p.8). Ora, a Constituição, além do já disposto no art. 1º, III, onde coloca a dignidade humana como pilar da república. Reitera em seu artigo 5º, os direitos dos presos, protegendo-lhes sua integridade física e psíquica.

Porém, a realidade está muito longe de ser o que diz o texto constitucional. É o que preleciona Greco ao dizer que: “[…] mais do que lutar para adquirir novos direitos, a preocupação reside na sua efetiva observação, pois de nada adianta ter um direito constitucionalmente previsto se esse direito é constantemente desrespeitado até mesmo pelo próprio Estado.” (GRECO, 2017, p. 17). O mesmo Estado que cria a norma, a viola. O Estado não consegue garantir os direitos que, aparentemente, assegura com veemência em sua Carta Magna. Como evidenciou-se no parágrafo anterior, a violação dos direitos fundamentais dos apenados se faz presente no Brasil desde décadas atrás, às prisões Brasil a fora estão definhando a muito tempo. Mas é apenas com crises agudas e explícitas como às de janeiro deste ano, que é “ativado” na mídia e no Estado alguma preocupação (temporária) com o sistema prisional. Passado pouco tempo das rebeliões, as prisões caem no esquecimento, e a inércia da mídia, da sociedade e do Estado voltam a se estabelecer

Com a visualização desses casos de barbárie, fica evidenciado a violação ininterrupta da dignidade humana nos estabelecimentos prisionais. Desse modo, Ana Paula de Barcellos (2010, p. 45), fabulosamente preleciona que:

“No Brasil,[…] a violação não é a exceção: é a regra geral. Não se trata de um desvio episódico ou localizado, mas do padrão geral observado no país como um todo. O tratamento adequado eventualmente conferido a um preso é que constitui a exceção.”

Dados do relatório de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional de 2014 (INFOPEN) mostram que o Brasil é o quarto país com o maior número de aprisionados do mundo, ficando atrás apenas da Rússia, China e Estados Unidos da América. Ademais, também segundo o relatório, que analisou estabelecimentos prisionais e às carceragens das delegacias, o Brasil conta com uma população carcerária de mais de 600 mil presos, tendo assim um déficit de mais de 200 mil vagas no sistema prisional.

Em 2016, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por meio do Sistema de Inspeções Prisionais do Ministério Público (SIP-MP) agregou dados colhidos por promotores de justiça e procuradores da república, nos anos de 2014 e 2015, e publicou a segunda edição do relatório “A visão do Ministério Público sobre o sistema prisional brasileiro”. O relatório analisou 1.442 presídios brasileiros, vale ressaltar que só foram inspecionados os estabelecimentos prisionais, não foram abordados as carceragens das delegacias de polícia.

Os presídios masculinos, ao todo, tinham capacidade para 332.910 presos, mas contavam com 533.775 indivíduos, tendo uma taxa de lotação de mais de 160%. Já às prisões femininas tinham capacidade para alojar 26.740 detentas, mas contavam com uma ocupação de 33.044 mulheres, tendo uma taxa de lotação de mais de 120%. Indubitavelmente, a superlotação carcerária é um dos maiores obstáculos na efetivação dos direitos humanos do apenado. Eles dormem no chão, pendurados em redes, ao lado dos sanitários, em meio a ratos e baratas. Isso, quando dormem. Em celas que há uma hiper-lotação, os detentos chegam a fazer revezamento para dormir, pois não há espaço, nem no chão para dormirem. Todos esses dados mostram que o tempo passa e nada muda no sistema prisional. Cada vez mais a dignidade é negada. Com a superlotação fica impossível fazer valer outros pontos da dignidade humana. Toda essa realidade opõe-se a Lei de Execução Penal, que dispõe em seu art. 85: “O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade.”(BRASIL, 2017, p. 1501).

3.2 Estado e sociedade: os principais responsáveis pelo caótico sistema prisional brasileiro

O ordenamento jurídico brasileiro ratifica de todas as formas a dignidade humana, especificamente no que concerne aos que vivem em cárcere. Tanto é a preocupação do legislador, que criou uma lei específica para designar o tratamento que em tese deveria ser dado a todos os condenados à privação da liberdade, seja em regime aberto, semiaberto ou fechado. É a chamada LEP, que estabelece todas as assistências, deveres, direitos, como devem ser os estabelecimentos, como devem ser cumprida às penas, e etc.

Em seu art. 10, a LEP, preceitua que: “A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.” (BRASIL, 2017, p. 1493). Ela ratifica o que já é sabido, é dever do Estado zelar por aqueles que ele próprio privou da liberdade e encarcerou. Mas qual será o motivo que leva o Estado a assegurar na Constituição, Código Penal, LEP e outros dispositivos, o tratamento digno ao preso e, ao mesmo tempo, violar explicitamente os seus direitos? Para responder essa problemática, é necessário elencar alguns dentre os vários aspectos que impedem a garantia da dignidade humana no sistema carcerário brasileiro.

O Estado brasileiro é inerte e ausente no que tange o sistema penitenciário. Não há fomento para melhorias nos estabelecimentos. A maioria das prisões opera com o mínimo ou abaixo dele, seja de alimentos, produtos de higiene, colchões, roupas. Em meio a tanta corrupção e má administração pública, aqueles que foram retirados do seio sociedade, são esquecidos. O pensamento dos gestores e legisladores é de que se não conseguem fazer o sistema de saúde; a segurança; a economia e; a educação funcionarem bem, quiçá melhorar o sistema carcerário. Os presos estão no fim da lista de preocupações. Sempre justificado com a desculpa de que “vamos atender às necessidades do cidadão de bem, se sobrar dinheiro (e não for roubado) cuidamos dos bandidos”.

A ausência do Estado pode ser comprovada quando se olha os dados sobre a saúde dos encarcerados. O atendimento médico é indispensável no estabelecimento prisional, como preleciona Mirabete (2004, p. 69) que “[…] é fundamental para a vida de uma instituição prisional a existência de serviço médico eficiente e adequadamente equipado para fazer frente às necessidades quotidianas da população.” Também, Rogério Greco (2017, p. 137), de forma didática mostra a importância de um estabelecimento apropriado, para a efetivação da dignidade humana do preso, quando ensina que:

“Se a prisão, como dizem alguns, é ainda um mal necessário, ou como dizem outros, ‘se o crime é a doença, a pena, a cura, e a prisão, o hospital’, precisamos cuidar do local onde ficam internados os pacientes para que sua doença não se agrave, e mesmo que venham a morrer.”

Entretanto, essa preocupação com a saúde do detento não é evidenciada nos estabelecimentos prisionais. Pois, faltam janelas, ventilação, iluminação, saneamento, alimentação, assistência médica, medicamentos, roupas, colchões e produtos de higiene básica. Logo, o preso está sujeito a contrair diversas patologias. Segundo dados de 2015 do Ministério da Saúde[v], pessoas privadas de liberdade têm, em média, uma chance 28 vezes maior do que a população em geral de contrair tuberculose. Essa doença é de transmissão aérea e encontra nas celas o ambiente perfeito para sua propagação.

Além disso, de acordo com o relatório de 2014 do INFOPEN, o Estado do Rio Grande do Sul tem o maior número de presos com HIV, são 530,12 incidências a cada 10 mil presos, já o Estado do Amapá tem o maior número de presos com hepatite, chegando a 2.399,55 doentes a cada 10 mil presos, e o Estado do Maranhão conta com o maior número de indivíduos com tuberculose, cerca de 586,56 a cada 10 mil. Também segundo o INFOPEN (2014), 63% das prisões do Brasil não têm módulo de saúde para atender os encarcerados. Tamanho é o descaso com a saúde dos detentos que segundo Barcellos (2010), na cadeia pública feminina de Indaiatuba/SP, as detentas sem material de higiene pessoal, usaram miolo de pão para conter o fluxo menstrual. Algo inaceitável para um país cuja legislação – ao menos em seu texto – garante e prescreve o tratamento digno ao condenado.

Ainda em relação a saúde do preso, ao analisar o estudo de 2016 (CNMP), observa-se que a situação não mudou desde o relatório do INFOPEN, pelo contrário, continua piorando. Dos 1.442 presídios analisados, apenas 570 tinham enfermaria; 579 tinham farmácia; e 1.377 tinham atendimento médico emergencial. Os dados e a situação que foi explicitada vão totalmente contra o que estabelece a LEP, que dispõe em seu art.14 que: “A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.”(BRASIL, 2017, p. 1493).

Dessa forma, demonstrado o descaso pela integridade do apenado, tendo ele um tratamento desumano no cárcere, Carlos Eduardo Ribeiro Lemos (2006, p.21) defende que:

“[…] onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitações do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade – em direitos e dignidade – e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta, por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.”

O Estado não vê no preso sua humanidade. E acaba tratando-o como “coisa” e não como um ser humano, dotado de dignidade. Os direitos que lhe foram privados são os de liberdade, de ir e vir, mas não os direitos fundamentais. Assim, há no Brasil não apenas uma pena de caráter punitivo e ressocializador, mas uma pena que só quer retribuir o mal que o detento praticou. Da mesma maneira, Greco (2017, p. 68) defende esse pensamento dizendo que “[…] o Estado quer vingar-se do infrator, como ocorria em um passado não muito distante, fazendo com que se arrependa amargamente pelo mal que praticou perante a sociedade, na qual se encontrava inserido.” E continua dizendo “O descumprimento, pelo delinquente, do ‘contrato social’ parece despertar a fúria do Estado, que passa a tratá-lo com desprezo, esquecendo-se de que é portador de uma característica indissociável de sua pessoa, […] a sua dignidade.” (GRECO, 2017, p. 68).

O apenado, em seu tempo de reclusão, fica sujeito ao arbítrio do Estado. Este faz com o preso aquilo que acha melhor, aliás, aquilo que acha pior. Isso porque a sociedade brasileira consente com a omissão dos direitos dos presos. Está enraizada na cultura do brasileiro, que aquele que comete um crime não merece ser tratado com respeito e dignidade. A dignidade como foi visto é inata ao ser humano, e nada pode retirá-la. Às pessoas deveriam olhar todos os seus pares como humanos e detentores de dignidade, porém […] a concepção de dignidade da maior parte da sociedade brasileira está muito mais vinculada ao que o indivíduo tem ou faz do que à simples circunstância de se tratar de um ser humano. (BARCELLOS, 2010, p. 52).

Quando o meio social quer lutar pelos seus direitos ele consegue. Foi visto recentemente as enormes manifestações políticas, que de alguma forma ajudaram a alcançar o fim que a sociedade em sua maioria desejava. O povo é detentor da soberania nacional, quando ele reivindica seus direitos, ou reprova a conduta de seus governantes obtém resultados. Mas com o sistema prisional é diferente, a sociedade se cala sobre o colapso do sistema. Pensam que não é um problema que os afeta. Além disso, pelo fato de o Brasil ter altos índices de violência a sociedade de certa maneira prefere ser omissa, achando que com as prisões voltando ao aspecto de masmorra, a criminalidade abaixe. Desse modo, estando a sociedade “em um ambiente de medo, se as concepções filosóficas e morais das pessoas não são capazes de visualizar os presos como titulares de dignidade e de direitos, parece natural que os mecanismos majoritários repercutem essa mesma orientação.” (BARCELLOS, 2010, p. 54). A sociedade é cúmplice, junto com o Estado do caos das prisões brasileiras. É sabido que a administração pública não é benevolente. Sem a pressão social para melhorias, os políticos não irão fazer nada, e o cenário caótico dos cárceres não mudará.

É muito recorrente ver no Brasil posicionamentos em favor da omissão aos direitos fundamentais dos presos. Frases como: “bandido bom é bandido morto”, “o preso tem que sofrer”, “por mim podiam matar todos” são reiteradamente falada pela população em geral. Isso demonstra o quanto a população aprova o que o Estado faz com os encarcerados. Muitos acham até que o que o Estado faz é muito, e que deveria ser pior ainda. Em virtude disso, o preso passa a ser tratado como uma sub-raça, estando abaixo do membros da sociedade em geral. É como se fosse um espécie de estratificação social entre aqueles que cometeram crimes e os que não o fizeram. Em geral, a maior parte da população carcerária é composta por pessoas de classe baixa, ou seja, já são separados normalmente da sociedade pelo poder econômico que detém. Se para um indivíduo pobre é difícil viver em uma sociedade cujo o capitalismo é devastador, para um indivíduo pobre e com uma ficha criminal, isso potencializa sua segregação social. A sociedade, de modo geral, não vê no outro um espelho de sua humanidade, e o exclui do convívio social. De fato “nas consciências entorpecidas pela hierarquia, nem todas as vidas valem o mesmo.” (SARMENTO, 2016, p. 62).

Por fim, o último aspecto aqui apresentado, que dificulta a garantia na dignidade humana do preso, além do Estado e da sociedade, é a mídia. Esta auxilia a sociedade e o Estado a negar a dignidade humana no sistema prisional. Reiteram o que o público pensa, ou seria o contrário? É o público que reitera o que a mídia diz? Bom, uma coisa é certa. A mídia promove o ódio e a exclusão dos encarcerados, ao mostrar todos os dias para seus telespectadores que os infratores não são dotados de dignidade, e o independente do que acontecer com eles, qual for sua punição, esta será pouca.

A pauta dos programas, principalmente, os policias, é recheada de cenas de crimes, sangue, e tudo o que der para segurar o telespectador mais alguns segundos em frente ao televisor. Não está se fazendo aqui uma crítica em noticiar a criminalidade, isso se deve fazer. Também não cabe aqui defender um lado, é sabido que aquele que comete crime não é, e está longe de ser a vítima da história. Porém, o que é defendido é que, aquele que infringiu a lei deve ser punido, e está punição deve ser de acordo com o ordenamento jurídico e com o princípio da dignidade da pessoa humana. Os meios de comunicação exercem forte manipulação sobre as pessoas, fazendo elas esquecerem que os indivíduos que eles estão negando os direitos fundamentais, irão voltar a viver em sociedade algum dia. No Brasil não há pena de morte, e nem prisão perpétua. Não importa o crime que ele cometeu, ele voltará algum dia para o seio da sociedade.

Além disso, a sociedade ao achar que está fazendo um mal necessário para punição do preso, ao consentir com sua deterioração no cárcere, na verdade está fazendo um mal para si própria. O apenado sabe que às pessoas consentem com aquilo que acontece no estabelecimento prisional, ao sair da cadeia ele não sairá contente, sabendo que parte da culpa está em cada indivíduo que passa por ele. Sendo assim, há um “[…]equívoco de a sociedade imaginar que o tratamento conferido aos presos não repercutirá negativamente sobre ela mesma, como se fosse possível segregar de forma rígida esses dois mundos: o mundo fora das prisões e o mundo dentro das prisões.” (BARCELLOS, 2010, p. 57).

Em suma, tanto Estado, sociedade, mídia, tem parte na culpa pelo caos do sistema penitenciário brasileiro. Se não existe um povo que cobre os direitos estabelecidos no ordenamento jurídico, o Estado não cumpre. Outrossim, a mídia ao promover a exterminação dos detentos e de seus direitos humanos, forma no pensamento social, uma segregação de dois mundos. Os dos que cometem crimes e os que não o fazem, hipocritamente. Tratar o preso como lixo, ficou notório que não resolve o problema da criminalidade, apenas aumenta a irá daqueles que sairão pelas ruas novamente, e dessa vez com sede de vingança pelos direitos negados em seu tempo de reclusão. O mal que o apenado fez, ele paga com sua pena. Já o mal que o Estado e a sociedade fez para ele, volta uma hora ou outra para eles. É um ciclo vicioso, que deve ser interrompido. Só assim, é que pode-se ter um país mais harmônico, com menos criminalidades: Garantindo a todos os direitos fundamentais.

4 CONCLUSÃO

Apesar de existir atualmente um rol de direitos positivados pelo ordenamento jurídico brasileiro, percebe-se que a realidade em torno do sistema prisional é caótico. O Estado não tem concretizado o que a lei estabelece, o que tem colaborado para a ausência da garantia da dignidade humana do detento. Há omissão de saúde, higiene, educação, trabalho, lazer, estrutura física, o que tem acentuado a negação da dignidade, atributo fundamental e inerente a todo ente humano. O preso é detentor de todos os direitos fundamentais. Ele tem dignidade intrinsecamente. Sua dignidade não é circunstancial, mas, inata. Portanto, merece ter o mínimo existencial. Desse modo, não cabe ao Estado e nem a sociedade julgar se aqueles em situação de cárcere, merecem ou não ser tratados como humanos. Mas é dever de ambos tratarem dignamente aquele que está cumprindo sua pena privativa de liberdade. Por isso, não se defende aqui o luxo dos estabelecimentos prisionais, mas apenas que estes tenham estrutura suficiente para abrigar humanos, e que a estes sejam tratados com respeito, simplesmente pela sua humanidade.

Ademais, é eminente, que o atual sistema tem deixado de lado a finalidade de ressocialização da comunidade que vive no sistema prisional, fazendo com que este ambiente se torne apenas depósitos humanos. A lei de execução penal, está obstante de se tornar realidade, assim como, os preceitos estabelecidos pela Constituição Federal, são todos os dias corrompidos por um Estado, com pleno apoio de uma massa da sociedade que vive em liberdade. Esta sociedade que apoia a negação dos direitos humanos aos detentos, comete um equívoco ao achar que o mal que permitem que o Estado faça com os apenados, não voltará um dia em forma de vingança para eles. Portanto, é dever da sociedade pressionar os governantes, para que não haja essa omissão de direitos fundamentias em um Estado Democrático.

Sendo assim, cabe ao Estado, agir conforme os preceitos máximos estabelecidos pela legislação, atribuindo e garantido o atributo da dignidade humana, para todo ente físico e humano, independentemente em que ambiente ele esteja inseridos. Pois, é inaceitável que um país que coloca a dignidade humana como pilar da república, seja seletivo ao garanti-la. Todos somos iguais, e todas as vidas valem o mesmo.

 

Referências
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NOTAS
[1] Artigo orientado pelo Prof. Alessandro Dorigon: Possui graduação em Direito pela Universidade Paranaense (2004). Especialização em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina (2008). Mestrado em Direito Processual e Cidadania pela Universidade Paranaense (2015). Professor titular da disciplina de Direito Penal II na Universidade Paranaense – Campus de Umuarama-PR. Professor titular e coordenador da disciplina de Prática de Processo Penal na Universidade Paranaense – Campus de Paranavaí-PR. Advogado desde 2005, atuando principalmente nas áreas criminais e trabalhistas.

[i] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência do STJ. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/> Acesso em: 02 ago. 2017.

[ii] BRASIL.Supremo Tribunal Federal. Pesquisa de jurisprudência. Disponível em: <http://zip.net/bwtMqB> Acesso em: 02 ago. 2017.

[iii] G1. Rebelião em presídio chega ao fim com 56 mortes, diz governo do AM. Disponível em: <https://glo.bo/2iv2sgR>. Acesso em: 26 out. 2017.

[iv] FOLHA DE SÃO PAULO. Saiba quais foram algumas das maiores rebeliões em presídios do Brasil. Disponível em: <http://bit.ly/2xiOHZg>. Acesso em: 24 out. 2017.

[v] BRASIL. Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Disponível em: <http://zip.net/bctMG2>. Acesso em: 04 ago. 2017.


Informações Sobre os Autores

Rhamon Paganoti da Silva

Acadêmico de Direito na Universidade Paranaense – UNIPAR

Bruno Henrique Puchetti de Cene

Acadêmico de Direito na Universidade Paranaense – UNIPAR

Kimberly dos Santos Manduca

Acadêmica de Direito na Universidade Paranaense – UNIPAR

Fernanda de Freitas Seguro

Acadêmica de Direito na Universidade Paranaense – UNIPAR

Rodrigo Lourençoni Rico

Acadêmico de Direito na Universidade Paranaense – UNIPAR

Jaelson da Silva Ramos

Acadêmico de Direito na Universidade Paranaense – UNIPAR


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