O pedido de demissão motivado por novo emprego exclui a obrigatoriedade de cumprimento de aviso prévio

Resumo: Quando um trabalhador é dispensado sem justa causa e se no curso do cumprimento do aviso prévio, for admitido em novo emprego, fica desobrigado de pagar a indenização ao seu empregador. O mesmo deverá ocorrer com o trabalhador que pede demissão por motivo de novo emprego.


Sumário: Introdução; O Pedido de Demissão; Algumas Considerações Sobre a Relação de Emprego; Contrato de Trabalho Por Prazo Determinado e Contrato de Trabalho Por Prazo Indeterminado; Caso Fortuito e Força Maior; Conclusão.


Introdução


O estudo aqui realizado é objeto da observação do colega Auditor-Fiscal do Trabalho Idálio Gomes da Silva, que por meio de sua prática profissional consagrada por mais de trinta anos, sempre demonstrou preocupação com as questões relacionadas com os conflitos existentes entre o capital e o trabalho.


Percebeu o colega a lacuna existente no Direito do Trabalho quanto ao fato do empregado que pede demissão de seu emprego, por motivo de assunção em cargo público em virtude de aprovação em concurso ou por motivo de novo emprego e estando impossibilitado de cumprir o aviso prévio tem sofrido como regra geral, desconto por não haver laborado nos dias pré-avisados.


O Pedido de Demissão


Preceitua o artigo 487 da Consolidação das Leis do Trabalho:


“Art. 487 – Não havendo prazo estipulado, a parte que, sem justo motivo, quiser rescindir o contrato deverá avisar a outra da sua resolução com a antecedência mínima de:


I – 8 (oito) dias, se o pagamento for efetuado por semana ou tempo inferior;


II – 30 (trinta) dias aos que percebem por quinzena ou mês, ou que tenham mais de 12 (doze) meses de serviço na empresa”.


O inciso I do artigo 478 acima transcrito foi revogado pela Constituição Federal de 1988, por força de seu artigo 7º, inciso XXI, que estabeleceu o aviso prévio de no mínimo 30 (trinta) dias.


O parágrafo 2º do artigo 487 da CLT trata do pedido de demissão:


“§ 2º – A falta de aviso prévio por parte do empregado dá ao empregador o direito de descontar os salários correspondentes ao prazo respectivo.”


Isso significa dizer que feito o pedido de demissão, se obriga o trabalhador a laborar para o empregador por 30 (trinta) dias, para proporcionar ao empregador o tempo necessário para reequipar o seu quadro de pessoal com a admissão e treinamento de outro trabalhador para aquela vaga iminente. Assim, se o trabalhador demissionário não cumprir o aviso prévio (se ele não trabalhar em tal período), dará ao empregador o direito de descontar-lhe os salários correspondentes ao prazo respectivo.


Mas poderá o empregador, atendendo a um pedido do empregado, dispensar-lhe do cumprimento do aviso prévio.


Ponto importante, que também precisa ser considerado pelo empregador daquele obreiro que pede demissão por motivo de novo emprego.


Deve o empregador estar atento para a primeira parte do artigo 487, que assevera a necessidade da falta de justo motivo para o pedido de demissão. Afirmo, pois, que o novo emprego também é causa para a dispensa do cumprimento do aviso prévio pelo empregador, vez que tal fato configura justo motivo para o pedido de demissão. Pois sendo o trabalhador convocado para um novo emprego, fica impossibilitado de cumprir os 30 (trinta) dias do aviso prévio, pois caso o cumpra correrá o risco de não assumir o novo trabalho.


Algumas Considerações Sobre a Relação de Emprego


 


A natureza jurídica da relação de emprego é contratual, pois juristas renomados defendem essa tese, como assevera a Mestre Vólia Bonfim Cassar[1]: José Martins Catarino, Amauri Mascaro Nascimento, Alice Monteiro de Barros e Maurício Godinho Delgado.


A citada professora enfatiza que a Consolidação das Leis do Trabalho adotou a teoria contratualista e prova disso é o seu Título IV, que tem o seguinte tema: DO CONTRATO INDIVIDUAL DO TRABALHO.


Outro argumento que afirma essa teoria é a redação do artigo 468 da CLT, que veda a alteração unilateral das condições de trabalho ajustadas.


“Art. 468 – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”


O contrato é um negócio jurídico que depende de pelo menos duas vontades de pessoas diferentes.


Assim, o contrato de trabalho é ato jurídico bilateral, pois dele fazem parte duas pessoas. Isso, para os contratos individuais, pois como é sabido, existem os contratos de trabalho plúrimos, cuja situação em face do pedido de demissão não será tratada aqui. O foco deste artigo paira sobre o pedido de demissão em face do contrato individual de trabalho.


O contrato de trabalho tem pontos comuns com o contrato ocorrido no âmbito do direito civil (por exemplo: contrato de locação, de comodato, de mandato etc.). Dentre outros pontos comuns entre ambos os contratos, podemos citar: quanto ao ajuste de vontades (expresso ou tácito), quanto à fixação do objeto (tipo de prestação de serviço) e quanto ao local de cumprimento (Rio de Janeiro, São Paulo, Vitória etc.).


O artigo 442 da CLT assim define o contrato de trabalho:


“Art. 442 – Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.”


Maurício Godinho Delgado (2007) esclarece:


“O contrato empregatício pode ser definido como o acordo de vontades, tácito ou expresso, pelo qual uma pessoa física coloca seus serviços à disposição de outrem, a serem prestados com pessoalidade, não eventualiade, onerosidade e subordinação ao tomador. A definição, portanto, constrói-se a partir dos elementos fático-jurídicos componentes da relação empregatícia, detonada pelo ajuste tácito ou expresso entre as partes”.


Contrato de Trabalho Por Prazo Determinado e Contrato de Trabalho Por Prazo Indeterminado


Estabelece o artigo 443 da CLT:


“Art. 443 – O contrato de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado.


§ 1º – Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada.


§ 2º – o contrato por prazo determinado só será válido em se tratando:


a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo;


b) de atividades empresariais de caráter transitório;


c) de contrato de experiência.”


No artigo transcrito fica claro que os contratos de trabalho se apresentam em dois grupos: uns que possuem prazo indeterminado e outros que têm prazo determinado.


Os primeiros nos dão a sensação de que vigorarão por um longo lapso de tempo, até quando o trabalhador se sentir em condições de cumprir as cláusulas pactuadas entre si e o seu empregador. Referidos contratos de trabalho nos transmitem também a impressão de que o empregador estabeleceu com aquele trabalhador uma relação de fidúcia (em sua pessoa, em sua maneira de agir, em seu trabalho).


Os contratos de trabalho por prazo determinado somente poderão ser configurados quando estiverem presentes uma das situações indicadas no § 2º do artigo 443 da CLT.


Alguns tipos de contratos de trabalho por prazo determinado podem ser transformados em contrato por prazo indeterminado. Este fato poderá ocorrer quando, por exemplo, um contrato de experiência também chamado de contrato de prova ultrapassar o prazo estipulado, pelo motivo do trabalhador haver superado as expectativas do empregador e este o tenha mantido no emprego. Poderá ser transformado em contrato por prazo indeterminado pelo fato de haver certo empregador se descuidado de observar o término do contrato de trabalho e haver mantido o obreiro sob seu direcionamento.  


Tanto o contrato de trabalho por prazo indeterminado quanto aquele que possui prazo determinado podem ser rescindidos por iniciativa tanto do empregador quanto do trabalhador. Ambos também poderão vir a ser rescindidos por motivos que independem da vontade das partes. São motivos para tal o caso fortuito e a força maior.


Caso Fortuito e Força Maior


O Professor Sílvio de Salvo Venosa (2007) leciona:


“O caso fortuito (act of God, ato de Deus no direito anglo-saxão) decorreria de forças da natureza, tais como o terremoto, a inundação, o incêndio não provocado, enquanto a força maior decorreria de atos humanos inelutáveis, tais como guerras, revoluções, greves e determinação de autoridades. A doutrina costuma apresentar as mais equívocas compreensões dos dois fenômenos. Ambas as figuras equivalem-se, na prática, para afastar o nexo causal. Para alguns autores, caso fortuito se ligaria aos critérios de imprevisibilidade e irresistibilidade. Assim o caso fortuito seria aquela situação normalmente imprevisível, fato da natureza ou fato humano. A força maior seria caracterizada por algo também natural ou humano a que não se poderia resistir, ainda que possível prever sua ocorrência.”


Prescreve o artigo 501 da CLT:


“Art. 501 – Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual não concorreu, direta ou indiretamente.”


Délio Maranhão (1984) ensinava:


“A força maior provoca a dissolução do contrato pela impossibilidade de sua execução.


Ocorrendo motivo de força maior, que determina a extinção da empresa ou do estabelecimento em que trabalhe o empregado, terá este direito à metade da indenização, que lhe seria devida se não ocorresse tal motivo (art. 502 da Consolidação). Aparentemente, abre aqui a lei uma exceção à regra geral de que, tornado-se impossível o cumprimento da obrigação sem culpa do devedor, o contrato se dissolve para ambas as partes, não havendo como falar em indenização por inexecução do contrato.


Onde o legislador trabalhista abriu uma exceção violenta a princípios gerais de direito, foi no inciso III do artigo 502 da consolidação, que manda pagar, também por metade, a indenização na extinção do contrato a termo por motivo de força maior.”


Alice Monteiro de Barros (2010) preconiza:


“Se a causa da dissolução do contrato for culpa recíproca, o empregado tem direito, segundo a nova redação Súmula 14 do TST, a 50% do valor do aviso prévio, como também o mesmo percentual em relação ao 13º salário e às férias proporcionais que lhe seriam devidas na despedida injusta (aplicação analógica do artigo 484 da CLT).


Caso a dissolução do contrato esteja fundada na força maior, o aviso prévio será indevido. A hipótese é a extinção do contrato verificada por motivo inevitável, para a qual o empregador não concorreu direta ou indiretamente. Entendimento contrário ‘desfigura o conceito de força maior, do qual a imprevisibilidade e a irresistibilidade fazem parte’.”


Mozart Victor Russomano (1999) já ensinava:


“A força maior (art. 501 e parágrafos da CLT), por definição, exclui a vontade livre do empregador no ato de despedida dos trabalhadores. A indenização será alterada, no que concerne ao seu valor total, consoante artigo 502 da CLT e o aviso prévio não será devido, nos termos do artigo 487 da Consolidação.”


Conclusão


A ocorrência de caso fortuito ou motivo de força maior desobrigam o cumprimento do aviso prévio.


O pedido de demissão em virtude de novo emprego não é caso fortuito ou motivo de força maior, mas é um justo motivo.


O justo motivo desobriga o empregado de cumprir o aviso prévio. Assim está grafado no “caput” do artigo 487 da Consolidação das Leis do Trabalho.


O trabalhador que pede demissão em virtude de surgimento de novo emprego privado, ou em virtude de aprovação em concurso público faz jus, por uma questão de direito fundamental alicerçado no inciso III, do artigo 1º da Constituição Federal a ser dispensado por seu empregador de cumprir (de pagar) o aviso prévio, vez que a República Federativa do Brasil estabelece ser um direito fundamental os valores sociais do trabalho.


Regra geral o novo emprego significa melhoria profissional e tal situação está afeta à valorização social do trabalho.


Se fosse o caso do empregador haver dispensado o empregado sem justa causa, poderíamos aplicar a Súmula 276 do TST e o Precedente Normativo 24 também do TST:


“Súmula 276 – Aviso prévio. Renúncia pelo empregado – O direito ao aviso prévio é irrenunciável pelo empregado. O pedido de dispensa de cumprimento não exime o empregador de pagar o respectivo valor, salvo comprovação de haver o prestador dos serviços obtido novo emprego.”


Precedente Normativo 24 – O empregado despedido fica dispensado do cumprimento do aviso prévio quando comprovar a obtenção de novo emprego, desonerando a empresa do pagamento dos dias não trabalhados”.


Então, tanto a súmula quanto o precedente normativo tratam do caso de despedida do trabalhador por parte do empregador.


No caso de pedido de demissão por motivo de novo emprego, também é justo que o trabalhador não sofra o desconto do aviso prévio. Ou, melhor esclarecendo: o que vale para o caso do empregador dispensar o trabalhador, também deve prevalecer para o caso do trabalhador que pedir demissão para assumir novo emprego ou cargo público.


É exatamente nesse sentido a redação do artigo 15 da Instrução Normativa nº 15, de 14 de julho de 2010, da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, que estabelece procedimentos para assistência e homologação na rescisão de contrato de trabalho:


“Art. 15 – O direito ao aviso prévio é irrenunciável pelo empregado, salvo se houver comprovação de que ele obteve novo emprego.”


O artigo 15 acima transcrito não faz distinção entre a dispensa feita pelo empregador e o pedido de demissão. Ou seja, o artigo 15 trata de forma igualitária as duas situações. 


 


Referências bibliográficas

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6ª. ed., São Paulo: LTr, 2010.

CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. 2ª. ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 6ª. ed., São Paulo, 2007.

RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho, 7ª. ed., Curitiba: Juruá, 1999.

SUSSEKIND, Arnaldo; Maranhão, Délio; Vianna, Segadas. Instituições de Direito do Trabalho, Vol. I, 9ª. ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, 7ª. ed., São Paulo: Atlas, 2007.

 

Nota:

[1] CASSSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Ímpetus, 2008. p. 257.


Informações Sobre o Autor

José Carlos Batista

Auditor-Fiscal do Trabalho. Graduado em Direito pela UFES. Curso de Especialização em Direito Civil e Direito e Processo do Trabalho pela PUC Minas. Autor de artigos jurídicos. Livro publicado pela Ltr: A Empreitada na Indústria da Construção Civil, o Acidente de Trabalho e a Responsabilidade Civil, em co-autoria com o Auditor-Fiscal do Trabalho e Professor Jair Teixeira dos Reis.


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